Quando amanheceu, uma fresta de luz que passava entre os tapumes, despertou Matheus ao arder contra o seu rosto. Ele olhou ao redor e viu como aquele lugar era sujo. Havia uma ossada ali, presa a pedaços de roupa. Desviou o olhar daqui e respirou fundo o odor de podridão no ar, buscando se acalmar enquanto tentava não vomitar novamente.As horas foram passando, o lugar foi ficando cada vez mais quente e sem ar, como dentro de uma estufa. O estômago roncou de fome e a boca colava de sede. Escutou passos lá fora e depois, conversa. Ouviu quando um deles mandou que retirassem ele lá de dentro para que descessem até a Boca 1. Mesmo que soubesse que sairia dali a caminho da morte, estava minimamente aliviado de deixar aquele barraco. A portinhola foi aberta e um homem entrou apontando-lhe uma arma.— Levanta, otário! — mandou, cutucando a sua cabeça com a ponta da pistola.— Estou com os pés atados. Não dá pra levantar.— Desamarra o pé do comédia.Outro homem se aproximou e desatou o peda
Lá fora, Carlos foi rapidamente colocado por dois homens em um carro e levado dali. Ele xingava, irado, por estar indo embora sem a cabeça do Matheus. Ele pretendia muito mostrá-la à filha quando retornasse para casa. Bodão atirou contra o carro, mas era blindado, assim como o seu. Chiclete, ou Lucas, menino de vinte anos, pai de duas crianças, caiu no chão sem vida, no mesmo segundo em que Caio derrubou um homem do outro lado com uma perfuração à bala no crânio.Matheus se ergueu e olhou pela janela. Viu que de uma lado, estava Bodão atirando sozinho. Do outro, três homens de terno preto. Dois afugentados atrás do SUV de cor grafite e outro atrás das ruínas de uma velha construção. Ele abriu a porta e pulou para fora.— Me dê uma arma! Deixe eu te ajudar! — gritou para o Caio.— Não!— Nós vamos morrer aqui. Me dê uma arma!Bodão olhou para ele, hesitante, mas logo retirou das costas outra arma, estendendo à Matheus, que a apanhou.— Me desamarra.Depressa, Bodão o soltou. Olhando po
Essas palavras doeram no fundo da alma da Barbara. Ângela é o ser que mais devia ter o desejo de protegê-la, mas isso não estava acontecendo. Barbara sentiu repulsa da mãe. Lágrimas desceram a face. Quando foi que ela se tornou essa pessoa? Será que sempre foi assim e Barbara nunca percebeu? A decepção foi imensa. Sentiu-se enganada pelo amor que achava ter dos seus pais. Aquilo sempre fora mentira, nunca passou disso para persuadi-la de maneira mais fácil a fazer o que eles queriam dela.Agarrando os punhos da Ângela com força, ela levou as suas mãos até a barriga, a obrigando tocá-la.— Este é o seu neto! — disse irada, entredentes. — Meu filho. Seu neto! — reforçou. Ângela a encarou tentando retirar suas mãos dali, mas Barbara não deixou. — Aqui dentro tem uma vida. E ao contrário de você que não daria a sua por mim, eu sou capaz de morrer por ele. — Sua mãe fechou os olhos e virou a cabeça para o lado. — Olha para mim. Olha para mim! — berrou, cravando as unhas em seus pulsos. Ela
Matheus encarava as madeiras que sustentavam as telhas de zinco manchadas. Deitado na cama, ele mantinha aquela posição desde às cinco da manhã. Os pensamentos viajavam longe. Mais precisamente, eles estavam em Barbara. Ele queria poder saber como ela e seu filho estão. Gostaria de poder perguntar se ela já se alimentou hoje? Será que estava tomando as vitaminas do pré-natal? Ele duvidava muito.Lágrimas escorreram por suas têmporas, traçando um caminho até suas orelhas, que sustentavam os pequenos diamantes. Sempre que se olhava no espelho, lembrava do bilhete guardado no fundo da sua gaveta. “Sua Barbara”. Ela era dele e seria eternamente, mesmo que ambos morressem lutando para ficarem juntos.— Ae! — chamou Rafa, da porta do quarto.Matheus se sentou às pressas quando o viu.— Eles voltaram?Rafael assentiu. Matheus levantou-se e saiu de casa correndo morro acima, sem esperar pelo amigo. Ao chegar à Boca 1, entrou sem fôlego, encarando os dois homens que haviam acabado de chegar.—
Na manhã seguinte, às seis, Matheus já estava à frente da Boca 1. Rafa logo chegou com outros dois homens. Minutos depois, um carro parou e Bodão desceu do banco do motorista. Todos ali estavam nervosos, apreensivos, mas ninguém diria isso em voz alta. A ansiedade dentro de Matheus fazia o seu coração palpitar e o corpo estremecer. Ele não havia dormido naquela noite. Andou de um lado para o outro dentro de casa.— É melhor a gente ir logo — anunciou Rafael.Todos assentiram e entraram no carro. Matheus seguiu dirigindo e Bodão foi ao seu lado, enquanto os outros acomodaram-se atrás. Quando chegaram à frente da casa de portão gradeado, avistaram a van parada na garagem ao lado de uma bicicleta infantil. Matheus percebeu que ali também morava uma criança que devia ter entre quatro e cinco anos. Prometeu a si mesmo que não deixaria Caio fazer nenhum mal àqueles que iriam involuntariamente os ajudar. Um homem de meia-idade apareceu e assumiu o volante. Logo outro rapaz saiu da casa, sent
Rafa colocou Ricardo dentro da van com o filho e pediu a um dos soldados que ficasse ali com eles. Em seguida fechou a porta. Eles andaram para os fundos da casa e logo se depararam com outro segurança, que não teve tempo de dizer absolutamente nada. Uma bala atravessou sua bochecha.Matheus observou o local ao redor, e viu que aquela era a última casa na rua. Nenhuma das mansões tinham muros, eram apenas divididas por cercas vivas. Ele olhou para cima e viu que ao redor da casa tinham câmeras, assim como nos postes de iluminação à beira do asfalto. Ficou nervoso.Entraram pela porta dos fundos, encontrando a cozinha. Nela, quatro pessoas estavam sentadas à mesa, comendo.— Ninguém levanta! Se gritar, morre! Entendeu? — perguntou Bodão.— Ah, meu Deus! — disse uma senhora, deixando uma bandeja cair no chão. Ela colocou as mãos para cima, rendendo-se.— Sente-se! — mandou Matheus e assim ela fez.— Não nos machuque — pediu outra mulher que devia ter uma idade acima dos cinquenta anos.
No último quarto do corredor, Barbara estava deitada quando ouviu um grito e estalos abafados que pareciam não tão distantes. Ela se assustou. Levantou-se da cama e se aproximou da janela, tentando ver o que acontecia lá fora, mas nada enxergou. Mais estalos foram ouvidos, além de vozes alteradas das quais ela não compreendia uma palavra.— O que está havendo? — perguntou, alto, para o segurança lá fora que não a respondeu. Mais estalos ecoaram lá embaixo, fazendo Barbara entender que eram disparos de arma de fogo. O seu coração bateu mais rápido e os olhos se encheram de lágrimas. Seja lá o que fosse, poderia chegar até ela e nada poderia fazer para se proteger, estava presa naquele cômodo.— Barbara! — ouviu chamá-la. Olhou para porta, reconhecendo aquela voz. — Barbara! — gritaram novamente por ela. — Matheus... — A voz saiu em meio a um baixo suspiro. Tentou chegar o mais perto que podia da porta, esticando-se para tocá-la. — Matheus! — gritou por ele, batendo contra a madeira.
Quando o homem parou de tossir e se esforçar para respirar, Matheus soltou o pano que segurava nas suas costas e sentou-se no assoalho. Sentiu os olhos arderem com o choro que estava prestes a cair. Rafa estendeu a sua mão e fechou os olhos do homem que acabara de morrer. O silêncio era quebrado apenas pelo choro de um filho que havia acabado de perder o pai para toda aquela loucura.Matheus olhou para Barbara e viu que ela ainda estava de olhos fechados. Observando a sua amada, viu como ela estava magra. O rosto estava muito fino, os ossos despontavam nos punhos e tornozelos. Os pais estavam a maltratando de todas as maneiras possíveis. Nem ficou tanto tempo longe, mas parecia ter sido o suficiente para ela ficar desnutrida e abatida. Lágrimas escorreram ao pensar em como poderia estar o seu bebê. O seu grãozinho nem sequer havia chegado ao mundo e já estava sofrendo com a maldade humana.A van parou e o motor foi desligado. Matheus logo abriu a porta e saiu de lá com Rafael. Bodão d