No último quarto do corredor, Barbara estava deitada quando ouviu um grito e estalos abafados que pareciam não tão distantes. Ela se assustou. Levantou-se da cama e se aproximou da janela, tentando ver o que acontecia lá fora, mas nada enxergou. Mais estalos foram ouvidos, além de vozes alteradas das quais ela não compreendia uma palavra.— O que está havendo? — perguntou, alto, para o segurança lá fora que não a respondeu. Mais estalos ecoaram lá embaixo, fazendo Barbara entender que eram disparos de arma de fogo. O seu coração bateu mais rápido e os olhos se encheram de lágrimas. Seja lá o que fosse, poderia chegar até ela e nada poderia fazer para se proteger, estava presa naquele cômodo.— Barbara! — ouviu chamá-la. Olhou para porta, reconhecendo aquela voz. — Barbara! — gritaram novamente por ela. — Matheus... — A voz saiu em meio a um baixo suspiro. Tentou chegar o mais perto que podia da porta, esticando-se para tocá-la. — Matheus! — gritou por ele, batendo contra a madeira.
Quando o homem parou de tossir e se esforçar para respirar, Matheus soltou o pano que segurava nas suas costas e sentou-se no assoalho. Sentiu os olhos arderem com o choro que estava prestes a cair. Rafa estendeu a sua mão e fechou os olhos do homem que acabara de morrer. O silêncio era quebrado apenas pelo choro de um filho que havia acabado de perder o pai para toda aquela loucura.Matheus olhou para Barbara e viu que ela ainda estava de olhos fechados. Observando a sua amada, viu como ela estava magra. O rosto estava muito fino, os ossos despontavam nos punhos e tornozelos. Os pais estavam a maltratando de todas as maneiras possíveis. Nem ficou tanto tempo longe, mas parecia ter sido o suficiente para ela ficar desnutrida e abatida. Lágrimas escorreram ao pensar em como poderia estar o seu bebê. O seu grãozinho nem sequer havia chegado ao mundo e já estava sofrendo com a maldade humana.A van parou e o motor foi desligado. Matheus logo abriu a porta e saiu de lá com Rafael. Bodão d
De volta na van, eles seguiram para o morro, sempre atentos à polícia. No caminho, Matheus conseguiu soltar o tornozelo de Barbara, com a ajuda de um alicate de pressão que tinha ali dentro do carro. Quando chegaram, Bodão deixou Matheus e Barbara em casa. Assim que passaram a porta, eles se encararam por um minuto, em silêncio, e depois se abraçaram. Ambos choraram, exaustos.— Desculpe se demorei pra buscar você — ele sussurrou no seu ouvido.Barbara passou os braços em volta do pescoço dele e o beijou.— Você chegou na hora certa.— Aí, meu Deus! — gritou Gabriela, ao entrar na sala e os ver ali. Com os olhos cheios de lágrimas, ela correu ao encontro da Barbara e abraçou-a. — Graças a Deus! Não sabia como estávamos preocupados. — Soltou-a e olhou para sua barriga. — Vocês estão bem?Barbara respirou fundo, tensa, e olhou para baixo, tocando a sua protuberância. Analisou-a por alguns segundos deslizando a sua mão pela circunferência. Então, sentiu seu bebê mexer. Sorriu com alívio.
Barbara foi acordada com café da manhã na cama. Ela havia quase se esquecido da sensação de ser mimada por Matheus. Eles comeram e sentiram o grãozinho se mexer. Sempre que o pai falava com ele, próximo da barriga, era correspondido com pequenos chutes que, às vezes, acertavam as costelas da Barbara.— Ae, gente! — chamou Gabi, parando no batente da porta. — Bodão tá aqui.Barbara e Matheus se entreolharam, um pouco tensos.— O que ele quer? — perguntou Barbara.— Só indo falar com ele para saber.Matheus se levantou e ajudou a sua mulher a ficar de pé. Foram até a sala e encontraram o chefe do morro ali, pela primeira vez dentro da casa do Matheus.— Qualé? — perguntou, chamando a atenção do homem que estava de costas para ele.— Tu ainda me deve. A gente tem um acordo. Eu ia com você até lá e te ajudaria a resgatar ela — apontou para Barbara – e eu pegaria o Carlos. Mas acontece que ele não estava lá, então o acordo ainda não acabou. Afinal, apenas você teve o que queria.— O que vo
Todos retornaram para o morro. Quando os carros pararam em frente à Boca 1, Matheus desceu ajudando Barbara a sair. Do outro lado da rua, estava Letícia. Quando ela viu Barbara, grávida, o seu queixo foi ao chão. Ela não conseguia crer naquilo que via. Uma enorme tristeza a preencheu. Gabi se aproximou da amiga e segurou a sua mão.— Ele está muito feliz. Você também vai ser muito feliz, só não com ele.Letícia olhou para ela e, em silêncio, seguiu cabisbaixa para casa. Ela sabia que Gabriela tinha razão. Ela seria feliz, mas não com ele. Às vezes, tentar forçar um amor não é a coisa mais correta a se fazer consigo mesmo. É egoísmo, autossabotagem e ilusão. Na vida é preciso saber a hora de parar e se retirar. E ela estava parando de insistir naquilo que nunca daria certo. Estava se retirando da vida de alguém que nunca a deixou entrar de verdade. Talvez toda a química que ela acreditava que eles tinham, existia apenas na sua cabeça. Aquilo tudo não passava de uma fantasia. Uma paixão
Antes que o sol saísse para brilhar, Caio já estava de pé. Ele subiu o morro até a masmorra, em silêncio, sério e sozinho. As poucas pessoas que passaram por ele no caminho naquela manhã, não se atreveram a falar nada. A feição tenebrosa que carregava, deixava denso o ar à sua volta. Quando ele chegou ao local onde os corpos são carbonizados e onde Matheus ficou encarcerado, o homem que ali estava se colocou rapidamente de pé.— Bom dia, chefe.— Abra. — Foi tudo o que ele disse.O homem abriu a portinhola e Bodão entrou. Carlos estava ali, somente de cueca, amarrado e amordaçado.— Como foi a estadia? — perguntou, rindo do homem sujo à sua frente, largado no chão podre. — Levem ele para o porão da minha casa. Tenho muito o que fazer com ele.— Sim, senhor.Carlos foi levado para lá e algemado pelo tornozelo a uma pilastra. Bodão entrou e tirou a mordaça da sua boca.— Bem melhor aqui, né?! — perguntou.— Vai se foder! Pessoas virão atrás de mim. Há meses não estou mais sozinho nesse
Na manhã seguinte, Barbara achou mais coisas interessantes salvas no computador, como: fotos, vídeos e prints de mensagens bem comprometedoras para muitas pessoas. Entre as listas de milionários envolvidos, havia alguns sobrenomes que Barbara desconhecia. Ela consultou os sobrenomes no Google e qual não foi o tamanho da surpresa quando descobriu que o juiz, pai do estuprador Gustavo, era um dos dividendos do seu pai. Barbara chegou à conclusão que Cássio fazia em São Paulo, o mesmo que Carlos faz no Rio de Janeiro. E que a união de negócios que o seu pai queria promover, era uma união no tráfico entre os estados. A cada segundo que mexia ali, mais sujo o seu pai se tornava para ela.Assim que Matheus saiu do quarto para ir ver como a mãe estava, Barbara pegou o celular dele e ligou para delegacia onde o delegado havia dado a entrevista.— Polícia Federal. Como posso ajudar? — disse uma mulher ao atender.— Gostaria de falar com o delegado Henrique Siqueira. Ele está?— E quem gostaria
De acordo com o que Henrique ia lendo tudo aquilo, ele ia se chocando cada vez mais. Sempre soube que cada ser humano escondia sua podridão, mas aquela era a maior que vira em dez anos como delegado da polícia.— Meu Deus — disse baixinho, boquiaberto.Barbara fechou o laptop e o pegou para si outra vez.— Isso é só o começo. Esse era o computador dele. Talvez ache mais coisas, é só se dar o trabalho de procurar.— O que você quer por isso?— Minha liberdade!— Posso te oferecer uma identidade nova.— Não quero só isso! — Foi incisiva. Seu olhar era rude e duro e a postura, firme e imponente.— O que você quer, então?— Aquelas filmagens, no condomínio, vão desaparecer. Nenhuma daquelas pessoas, independente da ficha que elas tenham na polícia, vão ser procuradas ou presas. Elas não fizeram nada além de me salvar. Está vendo isso aqui? — Apontou para o hematoma em seu tornozelo. — Carlos fez isso comigo, me acorrentando no chão. E tem mais uma coisa... No meu dinheiro, vocês não mexem