Theodora
O sábado foi intenso. Kaique revirou meu guarda-roupas e concluiu que eu era a mais insossa das mulheres. Dali ele me arrastou para o shopping e eu provei vestidos que jamais compraria, eram extravagantes e excessivamente caros.Depois passei a tarde no salão do Miguel onde ele me montou da cabeça aos pés. O habilidoso cabeleireiro era um antigo paquera do meu amigo, Miguel e seu auxiliar pareciam se divertir muito enquanto escolhiam meu penteado e opinavam sobre a maquiagem, como se eu não estivesse ali. Minha opinião não valia nada naquela situação.— Não quero fazer chapinha, vai estragar meu cabelo! — protestei, mas sem sucesso.— Não se preocupe, princesa. Eu tô passando uma máscara de pré hidratação, seu cabelo não vai sofrer dano nenhum — disse Miguel, enquanto separava todo o cabelo em mechas. — Aliás, seus cabelos ficariam lindos com umas luzes para iluminar. Pensa nisso e quando puder volte aqui que vou deixar o seu crespo ainda mais poderoso!E depois de um dia todo de salão, usando unhas postiças imensas que não me permitiam nem usar o banheiro direito, me olhei no espelho.Eu estava irreconhecível: A maquiagem era chamativa, com muito dourado e cílios bem volumosos para destacar meus olhos. Os cabelos lisos penteados de lado deixaram minha aparência ainda mais sensual. Já o vestido mostrava demais do meu corpo e aquilo me fez ficar com um pé atrás. Era vermelho, longo e além da grande fenda que terminava quase na altura da virilha, tinha as costas totalmente nuas.— Eu não sei se consigo… Parece que estou numa pele que não me pertence...— Eu devia ter batido uma foto do antes e depois! — exclamou o cabeleireiro. — Que transformação.Eu permanecia diante do espelho, tentando me sentir a mulher sexy que minha nova aparência vendia. Kaique chegou na sequência usando um terno cinza de muito bom gosto e assobiou ao me ver.— Eu sabia que você tinha muito potencial, mas superou as expectativas! — Kaique estava muito satisfeito — Você parece uma modelo.— Estou com tanta vergonha! — reclamei. — Não posso usar o outro vestido, o branco? Ele é menos… menos isso!Kaique revirou os olhos como se minhas queixas fossem frescuras..— Está perfeita assim, aquele outro vestido te faz parecer meiga e hoje preciso que pareça que fui fisgado por uma sedutora. Assim fica mais convincente quando eu disser que você me deixou.— Tonto!— Agora vamos, perua. Lembre-se de ser grudenta e lasciva comigo.Respiro fundo e concordo. Ele me conduziu até o táxi, depois de um trajeto de vinte minutos chegamos ao nosso destino.A Casa de Eventos é uma construção em estilo colonial com uma linda iluminação amarelada. Toninho, pai de Kaique, se junta a nós e não economiza nos elogios a minha pessoa. Depois de diversos cumprimentos, finalmente avistamos Octávio Servantes, um homem baixinho e careca, de idade avançada.— Vejo que seu filho veio acompanhado! — disse Octávio, seus olhos pequenos pareciam divertidos.— Está é Theodora — Toninho falou e eu me aproximei estendendo a mão.Octávio Servantes beijou meus dedos em sinal de cavalheirismo e eu tentei manter a postura impecável, como se todo dia me tratassem assim. Seu filho Cristian fez o mesmo.— É um prazer conhecê-los, a festa está linda!— Minha esposa é a responsável pela decoração. Cadê ela? Bem, não importa. — Olhou para o relógio — Logo teremos o leilão beneficente. Ofélia, minha esposa, é uma excelente pintora e seus quadros serão leiloados hoje, toda a verba vai para a caridade.— O senhor é realmente muito altruísta — elogiou Kaique, que me mantinha presa pela cintura. — Querida, você quer um drink?— Sim, por favor. — Quem sabe com um pouco de bebida eu me solte mais.Kaique saiu em busca de um garçom e eu permaneci com os outros três homens. Logo começaram a falar de negócios e eu me senti deslocada, a hora demorava a passar.— Olha ali, meu outro filho chegou! — O velho homem apontou para alguém.Eu me virei e encarei o homem bonito que se aproximava de nós. Meu coração deu um salto quando os olhos dele encontraram os meus, eu não o conhecia, nunca o tinha visto. Mas não sei porque me senti tão agitada, como se estivesse ali esperando por ele.— Venha cá, Robert. — Octávio abraçou o filho com entusiasmo de um pai amoroso, depois cumprimentou a jovem que vinha de braços dados com ele.— Não vai me apresentar os seus amigos, pai? — Eu percebi que Robert me olhava de canto, tentando disfarçar a curiosidade.— Sim, claro. Você se lembra do Toninho que eu falei? Da escola? É este camarada aqui. — Octávio os apresentou — E essa é... — O homem pareceu esquecer meu nome.— Sou Theodora, é um prazer conhecê-los. — Eu me adiantei, cumprimentei a moça com um aperto de mão e estendi o braço para Robert.— É um prazer. — Ele correspondeu ao cumprimento e uma onda de calor subiu pelo meu braço apenas com seu toque.Robert Servantes era um homem de cabelos claros e lisos, a barba por fazer dava a ele um ar matreiro e quebrava um pouco da severidade que seu queixo quadrado firmava. Mesmo estando de terno, ele deixará de lado a usual gravata e mantinha o primeiro botão da camisa aberta.— Está gostando da festa, Theodora? — Ele dirigiu sua total atenção a mim e eu senti seu olhar sob meus lábios.— É uma festa realmente encantadora — respondi. — Se todos me derem licença, vou ao toalete — eu disse, fugindo daquele círculo de pessoas.Quando me distanciei, suspirei aliviada. A verdade é que não estava acostumada com todo aquele ambiente requintado e tinha medo de cometer uma gafe a qualquer momento. O Kaique estava demorando demais com a minha bebida.Caminhando entre os ambientes do salão cheguei à exposição de quadros de Ofélia Servantes. Eram lindas paisagens que realmente me encantaram, parei diante de uma pintura de uma casa ao pé da montanha e um rio passando pela frente. Ao longe, uma forma humana parecia caminhar por uma trilha.— Parece que gostou desse — alguém disse e eu fui tomada de susto, me deparei com Robert ao meu lado.A presença dele era imponente e eu, com um metro e setenta e cinco de altura, me senti pequena.— S-sim... — gaguejei e lá se foi meu esforço em parecer sofisticada.— E porquê gostou desse?— Gostei de todos, só que esse, bem, eu adoraria morar num lugar assim. Me imaginei sendo a pessoa que está na trilha, ela com certeza já explorou bastante essa montanha.— Interessante — ele disse, com um sorriso divertido. — Você não parece ser o tipo de mulher que gosta de ficar no mato, esturricando no sol.— E como pensa que sou, Sr. Servantes?— Você me parece um tipo de mulher bem urbana. Que gosta muito das comodidades que uma cidade grande como São Paulo pode oferecer.— Não deixa de ser verdade — concordei. — Mas às vezes tenho vontade de sumir. Ir para um lugar longe do ruído dos carros, das loucuras dessa metrópole. Você não?— Gosto mais de praia. — Ele bebericou o drink que segurava — Sentir a brisa do mar, deixar as ondas baterem no meu corpo, parece que a água salgada me energiza.Conversar com o filho do Sr. Octávio estava sendo surpreendentemente agradável. Ele não parecia tão arrogante como a maioria dos ricos que eu conheci.Logo na sequência Kaique se juntou a nós, me abraçou pela cintura e me beijou. Mesmo o beijo sendo rápido, senti a língua dele na minha boca e julguei desnecessário todo aquele teatro.— Querida, aqui está seu drink.Eu peguei a taça e olhei para Robert que parecia desconfortável com a demonstração de intimidade de Kaique comigo.— Desculpe não me apresentar, sou Kaique Medeiros. Vejo que já conheceu minha namorada maravilhosa!— Sim. — O Robert simpático havia desaparecido e agora eu via um homem indiferente e que não demonstrava o menor interesse em manter conversa com meu amigo — O leilão logo vai começar, vou deixá-los a sós. — E se afastou de nós.Kaique começou a rir e eu fiz sinal para que ele não desse tanta pinta.— Há! O Robert parecia estar te devorando só com os olhos!— Nada a ver.— Parecia que você era um pedaço de picanha na frente de um cara esfomeado.— Que comparação péssima. — Revirei os olhos — Olha ao redor, sou praticamente a única mulher preta de verdade nesse salão. Uma preta num vestido vermelho muito revelador. Então estou com certeza chamando muita atenção, as pessoas não param de olhar para mim, me sinto num circo.— Pare de bobagem, você está incrível, não tem como pensar diferente. E se esse Robert está de olho em você é bom eu deixar bem claro que nessa noite você já tem dono.— Quem escuta assim até acredita, Bi.Virei o conteúdo da minha taça num gole só. Será que meu amigo tinha razão? Será que realmente Robert Servantes estava babando por mim?Robert Eu sempre gostei muito de mulher, isso não é segredo para ninguém. Nunca passava muito tempo sem alguém para aquecer minha cama e quando vi Theodora a imaginei imediatamente deitada em meus braços. Jamais uma mulher me atraiu tão rápido. Geralmente eu admirava a beleza em primeiro lugar e após uma conversa agradável conseguia avaliar o potencial de uma suposta parceira. Com Theodora foi instantâneo. Quando a vi já a quis na mesma hora e fui consumindo por uma certeza de que tê-la em minha cama seria glorioso. Como não desejar aquela boneca de pele perfeita envolta num vestido tão tentador? Eu via as costas desnudas e tinha uma vontade enorme de descer minha mão pela carne macia até chegar ao quadril arredondado. E que sorriso! Quando me cumprimentou eu pude observar de perto os dentes brancos e perfeitos, como pérolas em sua boca. Por um instante eu esqueci completamente de Betina. Se minha perfeita acompanhante percebeu minha agitação, não demonst
Theodora Cheguei sábado à noite tão cansada em casa que praticamente desabei na cama. Acordei no dia seguinte do mesmo jeito que me deitei: de bruços, o pescoço de lado e a coberta jogada no chão. Me levantei sentindo o pescoço doer e segui para o banheiro tal como uma zumbi. Percebi, ao passar pelo corredor, (minha casa tem um banheiro só para todos nós) que eu estava sozinha. Meus pais e minha irmã deviam ter ido ao culto de domingo. Mirei-me no espelho e vi que meus cílios postiços ainda estavam no lugar e os cabelos lisos na força da chapinha continuavam bonitos. — Só vou lavar o cabelo amanhã — decidi. Enquanto tomava banho a imagem de Robert Servantes me surgiu: como um homem podia ser tão atraente? O irmão dele, Cristian, era mais bonito, Robert porém possuía uma aura tentadora, um sorriso malicioso e contido. Sei lá, me pareceu tentador demais. — Ele disse mesmo que se sentia atraído por mim? — me perguntei em voz alta. A mão firme dele na mi
Robert Depois do Baile Beneficente da Família Servantes, eu saí com a cabeça tumultuada e senti que meu corpo estava todo carente. Se era por causa dos drinks que tomei ou se pela torrente de sensualidade que a misteriosa Theodora descarregou em mim, eu não sabia dizer, contudo eu precisava urgentemente me desaguar em um corpo de mulher. Infelizmente a linda companheira de Kaique não se mostrou à disposição. Eu nunca fui o tipo de homem que olha para mulheres comprometidas, porém aquela era uma situação particularmente diferente. Parece que eu havia encontrado minha "kriptonita". Bastou vê-la para entender que eu a queria e quando pude me aproximar do corpo dela, naquela pista de dança, me senti bêbado... A bela Betina não me era uma opção imediata, eu a respeitava muito e esperava que as coisas entre nós acontecessem de maneira planejada e com tranquilidade, no entanto, naquela hora o que eu tinha era urgência. Para minha sorte, Betina se ofereceu para levar uma a
TheodoraAquela semana no trabalho foi exaustiva. Era sexta-feira e eu não via a hora de ir para casa me ver longe daquele lugar sufocante. A Contacte Contabilidade era um escritório grande e no meu setor só havia mulheres.— Você errou essa planilha, Theodora! — minha encarregada falou, com a voz cheia de irritação. — E se eu enviasse assim? Refaça e pelo amor de Deus, confira mil vezes antes de me entregar qualquer coisa!Eu me afundei na minha cadeira. Enia era mais jovem do que eu, mas como filha do dono era bastante autoritária.Não bastava eu ser a vítima favorita das implicâncias dela, mas eu realmente estava muito distraída naquela semana e havia cometido alguns deslizes, o que no mundo da contabilidade era imperdoável.Que eu odiava o meu trabalho não era novidade: me sentia tão triste atrás daquela mesa de escritório, olhando o tempo todo para números, planilhas...mas era melhor que os meus dois últimos empregos com telemarketing. Ali pelo menos o salário era digno e eu tinh
Robert Era dia do aniversário de Cristian, um evento criado por minha mãe em cima da hora. Cristian nunca foi de comemorar o próprio aniversário, todavia, como ele andava muito baixo astral, a ideia de uma festa pareceu ser positiva. E meu irmão caçula não poderia recusar já que, nossos pais estavam muito animados, como se a festa fosse deles. Depois de uma semana cansativa na empresa, repleta de reuniões inadiáveis, tudo o que eu mais queria era um final de semana tranquilo. Ainda assim, fiquei incumbido de buscar Betina e depois o bolo e doces e ambas as tarefas me pareciam morosas. Betina demorou demais para se arrumar e o bolo foi encomendado em um lugar bem longe. Quando chegamos à casa do meu pai, confesso que já estava cansado. Todo mundo parecia já ter chegado e poucos notaram nossa entrada. Betina logo se desvencilhou na minha mão e correu para meus pais, cobrindo—os de abraços enquanto eu tentava achar algum funcionário que poderia ir comigo ao carro buscar o
TheodoraQuando o sol começou a baixar, os convidados foram se retirando da área da piscina. Kaique tinha voltado para o meu lado há pouco tempo e eu não escondi minha chateação por ter sido abandonada.— Melhore essa carinha, meu amor — ele disse, me fisgando pela cintura. — Você se saiu muito bem.— Por onde andou? Achei que seu objetivo era conquistar o Sr. Servantes e tentar fechar o negócio com a empresa deles para ajudar seu pai.— Sim, o objetivo era esse até eu colocar os olhos no Alejandro...— Alejandro?— Sim, o segurança bonitão deles. — Kaique deu uma desmunhecada, contudo logo se recompôs — Só de lembrar daqueles braços enormes empurrando contra a parede da garagem, me arrepio todinho.— Me poupe dos detalhes! — arfei. — O seu problema, meu amigo, é que mesmo sendo gay você age igualzinho a todos os homens: pensam mais com a cabeça de baixo do que a de cima!— E você precisa de uma boa foda — ele disse, me encarando daquele jeito cheio de desdém. — Deve estar juntando t
RobertDepois dos parabéns ao meu irmão Cristian, o salão virou uma mini balada. De repente tiraram uma caixa de som, não sei de onde e uma seleção de músicas agitadas começaram a tocar.Eu estava no meu canto, observando a animação dos convidados ao dançarem. Até mesmo meus pais pulavam entre os jovens e Cristian havia arrastado Dona Marta, a governanta, para dançar também. O ambiente estava à meia luz, minha mãe havia improvisado uma iluminação interessante com castiçais. Victor se aproximou de mim com dois copos de uísque e me ofereceu um, que eu aceitei de bom grado.— Obrigado. Não vai dançar? — eu perguntei a ele, enquanto sorvia o líquido amarelado.— Nem pensar. Sou muito descoordenado, ia passar vergonha.— Essa eu queria ver — eu ri. — Cadê sua acompanhante?— Tive que mandar para casa de táxi. Longa história. — Ele voltou o olhar para os que dançavam — Aquele moço que seu pai convidou, se ele não estivesse com a namorada aqui diria que ele é viado. Olha o jeito que ele rebo
TheodoraEu voltei para dentro da mansão com o rosto em chamas. Estava tão desorientada que não sabia para onde ir. Por sorte, Kaique e Lisa me interceptaram logo que me aproximei do salão e juntos subimos as escadas que davam para um imenso corredor.— Dona Ofélia já me mostrou o meu quarto — Lisa indagou, me puxando pela mão.Entramos todos no cômodo e, se o momento fosse outro, eu teria me encantado com o papel de parede em tons de camurça e branco. Eu apenas sentei na cama despejando todo meu peso nela, como se fosse um saco de batatas.— Menina, o que aconteceu? Você saiu da pista e depois reapareceu com essa cara — Kaique disse.— Eu torci o tornozelo — comecei dizendo.— E você não foi ver se ela estava bem? — Lisa interrogou Kaique que se fez de desentendido — Você é um péssimo namorado!— Você também estava ocupada demais com o caçula dos Servantes, que eu vi. Eu te trouxe aqui para dar apoio à sua irmã.— Gente, não precisam discutir por minha causa — eu pedi com voz cansada