Theodora
Cheguei sábado à noite tão cansada em casa que praticamente desabei na cama. Acordei no dia seguinte do mesmo jeito que me deitei: de bruços, o pescoço de lado e a coberta jogada no chão. Me levantei sentindo o pescoço doer e segui para o banheiro tal como uma zumbi. Percebi, ao passar pelo corredor, (minha casa tem um banheiro só para todos nós) que eu estava sozinha. Meus pais e minha irmã deviam ter ido ao culto de domingo. Mirei-me no espelho e vi que meus cílios postiços ainda estavam no lugar e os cabelos lisos na força da chapinha continuavam bonitos. — Só vou lavar o cabelo amanhã — decidi. Enquanto tomava banho a imagem de Robert Servantes me surgiu: como um homem podia ser tão atraente? O irmão dele, Cristian, era mais bonito, Robert porém possuía uma aura tentadora, um sorriso malicioso e contido. Sei lá, me pareceu tentador demais. — Ele disse mesmo que se sentia atraído por mim? — me perguntei em voz alta. A mão firme dele na minha cintura, o hálito quente perto do meu ouvido enquanto ele falava, o jeito como ele me olhava...tudo isso me deixou enlouquecida. O bom senso me livrou de desfalecer nos braços dele enquanto dançávamos. Será que dançamos de verdade? Eu fiquei tão absorta nele que não me lembro de termos nos movido direto, talvez estivéssemos apenas abraçados enquanto fingimos um dois pra cá e pra lá. — Enfim, tive minha noite de Cinderella — ri. Sim, naquela noite eu estava fingindo ser quem eu não era e chamei a atenção de um homem que com certeza não me enxergaria se nós cruzássemos na rua.Corri do banheiro para o meu quarto enrolada na toalha. Escolhi um conjunto bonito e confortável para usar no domingo em casa. Enquanto me arrumava antes de ir tomar o café da manhã, lá estavam meus pensamentos em Robert novamente!Que tipo de interesse será que ele tinha em mim? Com certeza estava acostumado a ter as mulheres à sua disposição, mas no final das contas deveria ter uma namorada ou até mesmo esposa! Seria aquela moça tão meiga que chegou com ele? Ela estava agarrada em seu braço como se dissesse ao mundo: "Para tudo, que esse homem é meu"! Eu não sirvo para amante, não mesmo. Eis uma coisa que não conseguiria dividir: homem!Provavelmente Robert e eu não nos cruzaremos mais. Tenho certeza de que frequentamos lugares de níveis diferentes, então fica a boa lembrança de que um dia eu conquistei a atenção de um homem rico, lindo e sexy. Fui para a cozinha bem humorada e liguei o rádio. A música animada tocava enquanto eu me servia de café e tentava cantar ao mesmo tempo. Logo minha família chegou. Estavam alegres e conversando sem parar.— Filhota, você acordou — meu pai disse, beijando minha testa. — Veja quem encontramos no culto e aceitou tomar um café com a gente, o Ector! Vi meu ex-namorado entrando em casa com um sorriso de orelha a orelha. Que raios ele estaria fazendo aqui? — Entre, querido! — minha mãe falou, com voz doce, enquanto minha irmã vinha atrás me fazendo sinais de que ela não tinha nada a ver com aquilo. — Olá Ector, você por aqui... — Tessy, ele estava no culto também. — Era óbvio que minha mãe ainda gostava muito do antigo genro. — E sua namorada? — eu perguntei, ressabiada. — Nós terminamos, ela era uma moça com valores muito diferentes dos meus, não daria certo. Por isso eu estava na igreja, orando para que Deus me mostrasse um caminho melhor — ele disse e olhou diretamente para mim. — E encontrei seus pais. — Tenho certeza de que uma jovem de boa família vai aparecer pra você — minha mãe declarou, cheia de esperanças. — Eu sei que este nosso encontro, Dona Esmeralda, não é por acaso.Minha irmã Lisa revirou os olhos e eu me segurei para não sair correndo. Era só o que me faltava, depois de uma noite de princesa ter que lidar com o fantasma do Natal passado. Ector tomou café conosco, perguntou como estavam os reparos na casa depois da enchente, contou um pouco da vida dele no trabalho como segurança num banco e falou da Igreja. Eu via meus pais olharem para mim de esguio, tentando avaliar se eu estava feliz por aquela oportunidade divina. Eu não tinha contado para meus pais o motivo real do nosso término, era um assunto um pouco constrangedor. — Eu preciso ir — ele disse, se levantando. — Tão cedo! Não quer ficar para o almoço? Eu tirei um frango para descongelar e vou fazer assado. — O frango dela é divino — elogiou meu pai. — Desculpa, Seu Reginaldo, eu realmente preciso ir, mas com certeza vou aceitar se me convidarem novamente. — Filha, acompanha o rapaz até o portão — disse minha mãe, praticamente me empurrou na direção dele. Eu ia sugerir que minha mãe o acompanhasse, já que ninguém estava mais feliz que ela pela presença do meu ex em casa, no entanto o olhar repressor do meu pai não me permitiu contestar e eu fui com ele, disfarçando o desgosto. — Então é isso, bom domingo para você. — Eu fui me despedindo logo que chegamos ao portão. — Espera Tessy. — Ele segurou minha mão, me impedindo de ir — Estou feliz em te ver, fazia tempo que não conversávamos. — Você estava namorando então não tinha muito sentido mesmo ficar de conversa com a ex. — É compreensível que você tenha ciúmes... Argh! Que convencido! Ele achava que eu tinha ciúmes? Não era óbvia a nossa falta de química? — Meu relacionamento com a Tamara me ensinou muitas coisas e acho que agora sou um homem mais maduro e... — Então você estava fazendo um estágio com a Tamara? — Tentei ser irônica. — Mas meu coração sempre teimou em lembrar de você Tessy. Estou feliz por ter vindo aqui. Você está maravilhosa. — Ah, agora você me acha maravilhosa — eu indaguei ressentida. Tantas vezes ele me diminuiu... — Eu sempre falei que você de cabelos lisos ficaria melhor... — Eu adoro meus cabelos crespos. Isso aqui é só uma chapinha que vai sair quando molhar. — Alguma ocasião especial? — Sim, fui numa festa ontem com meu namorado — menti. — Sua irmã disse que você foi com o Kaique e ele não engana ninguém.— riu de maneira desdenhosa. — Já me disseram que depois que terminamos você não ficou com ninguém. Era verdade, como eu poderia ter ficado com alguém se minha auto estima estava tão destruída? Olhei para o Ector e um filme da nossa história passou por minha mente: Minha colega de trabalho reuniu uma galera para assistir os últimos episódios de Game of Thrones na casa dela e eu como uma super fã achei o convite muito oportuno. A reunião se repetiu pelos últimos cinco capítulos da série e em todos eles o Ector estava lá. Diferente dos outros rapazes com quem eu estava acostumada a conviver, ele era muito animado e engraçado, do tipo que todo mundo gosta. Além do mais, preenchia um requisito que eu julgava muito importante: era mais alto do que eu. Ele se aproximou rapidamente de mim e um mês depois já estava conhecendo meus pais. No entanto, no âmbito sexual eu não conseguia sentir química. Meu coração palpitava quando o via, eu acreditava ter sentimentos fortes por ele, mas não permitia que nosso relacionamento passasse de beijos e carícias. Ector sempre fazia questão de me lembrar da sorte que eu tinha em ter um homem como ele. E sempre repetia que no geral não gostava de mulheres negras e que eu era uma exceção por ser bonita demais. O que deveria ser um elogio na cabeça dele só me deixava ainda mais insegura comigo mesma. E cada vez mais ele apontava meus defeitos e esquecia minhas qualidades. Eram críticas sutis como: "Se eu tivesse dinheiro poderia pagar um silicone para você ficar ainda melhor" ou a constante implicância com meu cabelo que ele chamava de "armado". E talvez porque eu estivesse me sentindo tão diminuída que quando eu finalmente aceitei ceder aos anseios dele, nossa experiência na cama foi um desastre. Simplesmente não deu certo. Ele tentou por três vezes tirar minha virgindade, mas começou a doer demais e eu implorava para ele parar. E ele parava, até porque ele não estava conseguindo entrar em mim. Eu fiquei muito apreensiva de forma que tencionava meu corpo todo, enrijecido como uma pedra. Sugeri até que usássemos um lubrificante, no entanto ele disse algo sobre "homens de verdade não precisam de subterfúgios". Ector ficou frustrado e me mandou procurar uma médica. Fiquei realmente pensando se tinha alguma coisa errada comigo. Esse sentimento me perseguiu nas semanas seguintes e quando Ector quis tentar pela quarta vez eu já estava com muito medo de não dar certo novamente, de ver outra vez a frustração dele, indo ao banheiro dar um jeito sozinho em sua excitação. Eu não queria lidar com o olhar reprovador do meu namorado me acusando de ser frígida por não conseguir me empolgar com os avanços desajeitados dele. Foi por gostar do Ector que achei que o correto seria deixá-lo livre para encontrar alguém com quem poderia viver um relacionamento completo. Quando falei que o melhor seria terminarmos, Ector concordou imediatamente. Na minha ingenuidade achei que iríamos manter contato por um tempo, afinal, meus pais tinham muito apego por Ector. Engano meu, pois um mês depois ele já estava namorando uma moça branca como papel, de madeixas tão lisas quanto macarrão na qual ele muito orgulhosamente vivia postando foto nas redes sociais. Entender que o sentimento que nutrimos era muito maior do meu lado do que o dele, me fez ficar feliz por ter terminado nossa história. Infelizmente a cicatriz ficou cravada em mim: não tinha coragem de estar com outro homem. Tinha medo de ser um desastre novamente. Eu fui à ginecologista e ela disse que meu hímen estava intacto, que eu ainda era virgem...mas eu não me sentia assim. Uma mulher que já ficou nua na cama com um homem e deixou ele tocá-la poderia ainda ser virgem? Não sei se o termo existe, mas desde então me considero uma semi-virgem. No final das contas contei essa história apenas para minha irmã mais velha, Lisa e para o Kaique. — Estou muito feliz sozinha, não se preocupe. — Dei um sorriso amarelo — Bem, vou entrar agora. — Tudo bem, nos veremos mais vezes. Eu ia dizer que não precisava, mas Ector saiu assobiando, se sentindo a última bolacha do pacote.Robert Depois do Baile Beneficente da Família Servantes, eu saí com a cabeça tumultuada e senti que meu corpo estava todo carente. Se era por causa dos drinks que tomei ou se pela torrente de sensualidade que a misteriosa Theodora descarregou em mim, eu não sabia dizer, contudo eu precisava urgentemente me desaguar em um corpo de mulher. Infelizmente a linda companheira de Kaique não se mostrou à disposição. Eu nunca fui o tipo de homem que olha para mulheres comprometidas, porém aquela era uma situação particularmente diferente. Parece que eu havia encontrado minha "kriptonita". Bastou vê-la para entender que eu a queria e quando pude me aproximar do corpo dela, naquela pista de dança, me senti bêbado... A bela Betina não me era uma opção imediata, eu a respeitava muito e esperava que as coisas entre nós acontecessem de maneira planejada e com tranquilidade, no entanto, naquela hora o que eu tinha era urgência. Para minha sorte, Betina se ofereceu para levar uma a
TheodoraAquela semana no trabalho foi exaustiva. Era sexta-feira e eu não via a hora de ir para casa me ver longe daquele lugar sufocante. A Contacte Contabilidade era um escritório grande e no meu setor só havia mulheres.— Você errou essa planilha, Theodora! — minha encarregada falou, com a voz cheia de irritação. — E se eu enviasse assim? Refaça e pelo amor de Deus, confira mil vezes antes de me entregar qualquer coisa!Eu me afundei na minha cadeira. Enia era mais jovem do que eu, mas como filha do dono era bastante autoritária.Não bastava eu ser a vítima favorita das implicâncias dela, mas eu realmente estava muito distraída naquela semana e havia cometido alguns deslizes, o que no mundo da contabilidade era imperdoável.Que eu odiava o meu trabalho não era novidade: me sentia tão triste atrás daquela mesa de escritório, olhando o tempo todo para números, planilhas...mas era melhor que os meus dois últimos empregos com telemarketing. Ali pelo menos o salário era digno e eu tinh
Robert Era dia do aniversário de Cristian, um evento criado por minha mãe em cima da hora. Cristian nunca foi de comemorar o próprio aniversário, todavia, como ele andava muito baixo astral, a ideia de uma festa pareceu ser positiva. E meu irmão caçula não poderia recusar já que, nossos pais estavam muito animados, como se a festa fosse deles. Depois de uma semana cansativa na empresa, repleta de reuniões inadiáveis, tudo o que eu mais queria era um final de semana tranquilo. Ainda assim, fiquei incumbido de buscar Betina e depois o bolo e doces e ambas as tarefas me pareciam morosas. Betina demorou demais para se arrumar e o bolo foi encomendado em um lugar bem longe. Quando chegamos à casa do meu pai, confesso que já estava cansado. Todo mundo parecia já ter chegado e poucos notaram nossa entrada. Betina logo se desvencilhou na minha mão e correu para meus pais, cobrindo—os de abraços enquanto eu tentava achar algum funcionário que poderia ir comigo ao carro buscar o
TheodoraQuando o sol começou a baixar, os convidados foram se retirando da área da piscina. Kaique tinha voltado para o meu lado há pouco tempo e eu não escondi minha chateação por ter sido abandonada.— Melhore essa carinha, meu amor — ele disse, me fisgando pela cintura. — Você se saiu muito bem.— Por onde andou? Achei que seu objetivo era conquistar o Sr. Servantes e tentar fechar o negócio com a empresa deles para ajudar seu pai.— Sim, o objetivo era esse até eu colocar os olhos no Alejandro...— Alejandro?— Sim, o segurança bonitão deles. — Kaique deu uma desmunhecada, contudo logo se recompôs — Só de lembrar daqueles braços enormes empurrando contra a parede da garagem, me arrepio todinho.— Me poupe dos detalhes! — arfei. — O seu problema, meu amigo, é que mesmo sendo gay você age igualzinho a todos os homens: pensam mais com a cabeça de baixo do que a de cima!— E você precisa de uma boa foda — ele disse, me encarando daquele jeito cheio de desdém. — Deve estar juntando t
RobertDepois dos parabéns ao meu irmão Cristian, o salão virou uma mini balada. De repente tiraram uma caixa de som, não sei de onde e uma seleção de músicas agitadas começaram a tocar.Eu estava no meu canto, observando a animação dos convidados ao dançarem. Até mesmo meus pais pulavam entre os jovens e Cristian havia arrastado Dona Marta, a governanta, para dançar também. O ambiente estava à meia luz, minha mãe havia improvisado uma iluminação interessante com castiçais. Victor se aproximou de mim com dois copos de uísque e me ofereceu um, que eu aceitei de bom grado.— Obrigado. Não vai dançar? — eu perguntei a ele, enquanto sorvia o líquido amarelado.— Nem pensar. Sou muito descoordenado, ia passar vergonha.— Essa eu queria ver — eu ri. — Cadê sua acompanhante?— Tive que mandar para casa de táxi. Longa história. — Ele voltou o olhar para os que dançavam — Aquele moço que seu pai convidou, se ele não estivesse com a namorada aqui diria que ele é viado. Olha o jeito que ele rebo
TheodoraEu voltei para dentro da mansão com o rosto em chamas. Estava tão desorientada que não sabia para onde ir. Por sorte, Kaique e Lisa me interceptaram logo que me aproximei do salão e juntos subimos as escadas que davam para um imenso corredor.— Dona Ofélia já me mostrou o meu quarto — Lisa indagou, me puxando pela mão.Entramos todos no cômodo e, se o momento fosse outro, eu teria me encantado com o papel de parede em tons de camurça e branco. Eu apenas sentei na cama despejando todo meu peso nela, como se fosse um saco de batatas.— Menina, o que aconteceu? Você saiu da pista e depois reapareceu com essa cara — Kaique disse.— Eu torci o tornozelo — comecei dizendo.— E você não foi ver se ela estava bem? — Lisa interrogou Kaique que se fez de desentendido — Você é um péssimo namorado!— Você também estava ocupada demais com o caçula dos Servantes, que eu vi. Eu te trouxe aqui para dar apoio à sua irmã.— Gente, não precisam discutir por minha causa — eu pedi com voz cansada
Robert O café da manhã que Dona Marta preparou era digno de um hotel de luxo. A maioria preferiu se sentar na grande mesa preparada no Salão principal, enquanto eu apenas me servia de um café puro e bem forte. Próxima à escada que levava para o terraço estava Theodora, sozinha. Era evidente que algo a preocupava e eu senti vontade de ir conversar com ela, mas antes mesmo que eu me pusesse em sua direção, a mulher subiu as escadas. Não deu dois minutos e vi o Senador Ferraz se dirigindo para o mesmo lugar. Meu sangue gelou, uma vez que o velho era conhecido por não ter a mínima noção de decoro e moral, incrível que um tipinho como aquele fazia parte do círculo de amigos do meu pai e não tinha o menor sentido estar na festa de Cristian. Depois do flagra que meu pai nos deu na noite anterior entendi que era melhor não me meter com Theodora, mas os minutos começaram a passar e confesso que um mal pressentimento começou a me dominar. Não era prudente que nenhuma mulher
Theodora Eu já havia me sentido assim com alguém em qualquer momento na vida? Com uma urgência não resolvida, uma fome nunca saciada? Quando Robert capturou minha boca num beijo intenso e gostoso eu não pude resistir, pois meu corpo todo implorava por isso. E pensar que horas atrás eu estava à mercê de um abusador que me fez ter nojo de mim mesma, a ideia de ser violada por um ser tão asqueroso era tenebroso e graças a Deus que Robert havia aparecido. Eu olhava para ele como se fosse reluzente como ouro e minha gratidão não cabia no peito. Então eu entendi que queria ser dele, mesmo que fosse uma única vez. Diferente de Ector, meu ex namorado, eu me sentia segura comigo mesma e pronta para avançar. — Tessy... Ele me chamar pelo apelido só fez minha certeza se intensificar. Correspondi ao beijo dele, passando minhas mãos pelos braços bem torneados. Então ele me levantou e me colocou sentada sobre a mesa em que antes tomávamos nosso café. Uma xícara caiu