CAPÍTULO 04 Helena

Dois anos já se passaram desde todo o inferno que vivi. Desde aquela noite, nunca mais saí de casa sozinha; quando saía, era de dia, acompanhada por minha irmã e seguranças.

Nunca contei a ninguém quem era o homem daquela noite. Meu pai não aguentaria levantar uma guerra contra os Gambinos; a última nos custou muitas vidas e territórios. Não éramos fracos, mas os Gambinos eram numerosos, crescendo a cada dia. Agora, várias máfias tentam alianças, e meu pai é uma delas.

Ele está tentando um acordo de paz, que tudo indica será através do casamento. Mariana foi escolhida para levar esse legado e firmar a aliança.

Eu temo por minha irmã.

Ainda não contei a ela; espero o momento certo. Primeiro, preciso saber quem será seu futuro marido. Desde que o antigo Dom foi brutalmente morto por Alexander, a família virou um caos, muitas guerras internas. Muitos morreram, e agradeço por não ter contado a meu pai na época; sabe Deus o que poderia ter acontecido.

Depois de quase um ano de confusão, a paz pareceu reinar, e este é o momento certo para propor novas alianças.

Mariana está tranquila, sabíamos que esse momento chegaria, então estávamos preparadas; nunca iríamos contra a decisão de nosso pai.

Crescemos nesse mundo para servir a este mundo; é triste, mas não temos escolha. Bem, Mariana não, mas eu...

Fui totalmente renegada na máfia. Uma parte de mim sente alívio; outra, não.

Meu pai disse que cuidaria de mim e arrumaria uma boa família para Mariana, para que, se ele ou meu irmão faltasse, eu pudesse me apoiar nela. Esse é outro motivo pelo qual não quero que minha irmã se una aos Gambinos. Se isso acontecer, muitos segredos serão revelados, e um deles está correndo pela grama com suas perninhas pequenas, sorrindo para minha irmã.

Lucas foi a melhor coisa que me aconteceu daquele caos.

Quando descobrimos a gravidez, meu pai pediu para que eu tirasse; ele não queria um filho de um estupro, uma vergonha para nossa família, mas não fiz o que ele mandou.

Tive medo de fazer o aborto e algo acontecer comigo; eu queria viver. Depois daquele ocorrido, fiquei com medo da morte, sempre achando que ela me encontraria a qualquer momento.

Eram pensamentos controversos; num instante queria a morte, no outro, tinha medo dela. Estava ficando louca.

Lucas foi minha cura.

Depois de muito implorar, meu pai aceitou. No início foi difícil, mas depois do nascimento de Lucas, uma luz brotou dentro de casa; nós aprendemos a amá-lo, e meu pai, feliz, dizia que Lucas levaria o legado da família com meu irmão. Meu filho foi aceito e está sendo amado; isso é o que importa. O resto eu resolverei mais tarde.

Um dia, Alexander pagará por todo mal que me fez. Eu sei que irá; sinto isso vindo até mim, e será minha vingança.

–Segura – minha irmã me entregou Lucas, que estava com os pés todos sujos de grama; ela amava deixá-lo descalço no quintal, e eu não podia reclamar. – Tem que dar banho nele; está todo sujo.

–Por que será, hein? – brinquei, vendo ela sorrir. O sorriso da minha irmã era a coisa mais linda do mundo. –Você tem que parar de pôr ele descalço na grama. –resmunguei.

–Ah, para! Ele fica mais à vontade assim. Né, coisa fofa, a titia é mais legal que a mamãe. – Ele deu uma gargalhada maravilhosa, e eu e Mari gargalhamos juntas.

De repente, minha irmã ficou séria, erguendo a cabeça para algo atrás de mim.

– Não acredito que eles estão aqui. –Ela apontou para o final do corredor, e a cena que vi fez meu coração gelar.

Os irmãos Gambinos, Otavio e ele, meu maior pesadelo, entrando pelo corredor principal com Leonardo.

– Será que eles vieram para discutir sobre a união que nosso pai pretende fazer? –sussurrou baixinho, como se fosse um crime falar sobre isso.

Não. Eu espero que não, e se for, que papai dê a mão de outra pessoa a um deles, menos de Mariana.

Olhei para minha irmã, que estava séria, ainda olhando por onde eles passaram.

– Você aceitaria se casar com um deles? – perguntei.

–Por que não? Todos são bonitos e jovens; morro de medo de ser prometida a um velho. – Fez cara de nojo.

–Papai não faria isso, e Leonardo não permitiria.

– A gente nunca sabe o dia de amanhã, Helena. Esse é o lado ruim da máfia, e nós duas não estamos imunes a isso. Hoje temos nosso pai e Leonardo, e amanhã? Tenho que me casar com alguém disposto a proteger você também; não se esqueça disso.

– Vamos entrar. – pedi, meio sem graça. Eu não posso me tornar um fardo para minha irmã.

Entramos em casa com meu coração pesado. Fui para o quarto e tranquei a porta; eu não queria enfrentar meu passado, nunca mais, nem se o mundo pegasse fogo, mas não tenho essa opção.

Às três horas da tarde, fui chamada ao escritório do meu pai. A cada passo, meu coração acelerava; sentia que desmaiaria a qualquer momento. Escutei vozes alteradas quando me aproximei da porta, e, fazendo uma oração silenciosa, pedi a Deus que Alexander não estivesse ali dentro.

Bati na porta e, depois de alguns segundos, meu pai deu permissão para entrar. Respirei fundo e abri a porta, aliviada ao não encontrá-lo. Senti como se um peso fosse tirado dos meus ombros.

– O senhor mandou me chamar?

Observei meu pai. Ele estava sentado em sua mesa, parecia mais abatido do que nos últimos dias; esses negócios de tentar trazer um pouco de sossego para dentro da Ouflit estavam o consumindo.

– Sente-se, querida, temos algo a discutir.

Concordei. Caminhei até a mesa e me sentei em frente a ele. Mais à direita estavam Stevam, o conselheiro, e Jorge, um dos anciãos do conselho. Meu irmão estava em pé, olhando o imenso jardim pela janela que ia do chão ao teto; ele nem se moveu quando entrei.

Eu sabia que algo bom não seria discutido só pelo motivo dele estar perdido em pensamentos.

– Recebemos uma proposta de aliança ótima, a melhor recebida até agora. Mas isso envolverá você.

Olhei para meu pai, sem entender, e algo me dizia que não iria gostar de suas próximas palavras.

–Alexander Cosa Nostra propôs sua mão em casamento. Antes que fale alguma coisa, nós fomos contra, pela situação em que você se encontra; não queremos contar sobre Lucas a eles. Só que... A proposta é muito boa, Helena. Você foi renegada na máfia, mas nesse exato momento, precisamos de você.

Eu não podia acreditar nesse absurdo.

Não podia aceitar essa situação de maneira nenhuma. Não depois de tudo que aconteceu naquela noite.

Lembranças daquele momento vieram com tudo. A dor depois que acordei ao me lembrar de tudo voltou. Segurei as lágrimas enquanto olhava para meu pai, mas, antes que pudesse falar, ele disse:

–Alexander foi bem claro em dizer que só se casaria com uma de minhas filhas, mas a preferência é você. Preciso que você aceite. Se você fizer isso, teremos que contar sobre Lucas. Se você não aceitar, Mariana ficará em seu lugar. – Ele deu de ombros, mas depois olhou fixamente para mim. – Helena, entenda, a proposta de paz será 100% eficaz se for você. Ele prometeu abrir caminho no território dele sem cobrar nada; é a chance de reerguermos o que está caindo. Se Mariana se casar com ele, as coisas não serão da mesma maneira.

Eu entendia o que papai estava dizendo e também entendia o porquê de Alexandre estar fazendo isso. Com certeza é sua forma de se redimir, mas isso não paga o que ele me fez.

Diante de toda a confusão, de qualquer forma, terei que aceitar. Colocar Mariana nessa história seria aumentar pano para manga, e ela não merecia um homem como ele.

Dói ter que encontrá-lo novamente. Dói saber que terei que dividir a mesma casa e cama. Mas o que mais doeria em mim seria saber que minha irmã poderia sentir a mesma dor que ele me infligiu.

– Tudo bem, pai. Faça como achar melhor.

–Eu entendo que não será fácil, mas terei uma conversa com ele. –Meu pai me alertou.

–Também não é tanta certeza assim. Não esqueça que Alexander ainda não sabe do bastardo. De certa forma, tenho certeza de que não vamos ganhar o território prometido. Ele não aceitará, Helena, depois que souber da criança.

Velho desgraçado; eu queria poder matá-lo.

Neste exato momento, meu irmão saltou em cima do velho, desferindo um soco em seu rosto.

– Não fale dessa maneira do meu sobrinho, não enquanto eu estiver vivo – ralhou Leonardo. – Outra, Helena foi negada a ele milhões de vezes; ele que foi insistente. Como todos nós sabemos, essa conversa ainda não acabou. Eu irei me encontrar e discutir esse assunto com ele sozinho. É sobre minha irmã que estamos falando, e se ele não aceitar, de certa forma, para mim será um alívio. Por outro lado, não podemos tirar de Helena a oportunidade de recomeçar sua vida. Se Alexander for mesmo o homem sensato e íntegro que aparenta ser, qualquer uma de minhas irmãs estará em boas mãos.

Íntegro, sensato? Se Leonardo soubesse.

Creio que ninguém dentro da máfia seja como meu pai e Leonardo, muito menos os Gambinos, os homens mais desprezíveis que já conheci.

– Gostaria que ninguém falasse do meu filho a ele, a não ser meu pai ou meu irmão. – Olhei para os homens sentados, que me observavam atentamente. – Agradeço pelo conselho ter guardado esse segredo até aqui, mas peço que continuem assim. Depois que toda essa situação for passada para Alexander, gostaria que o assunto referente a Lucas voltasse a ser enterrado.

– Você conta com a minha discrição, Helena. Só não entre nesse casamento sem dizer a verdade – alertou Stevam, o conselheiro.

– Eu seguirei seu conselho.

Não. Nunca. Se depender de mim, Alexander nunca saberá de Lucas. Preciso falar com meu pai.

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