Dois anos já se passaram desde todo o inferno que vivi. Desde aquela noite, nunca mais saí de casa sozinha; quando saía, era de dia, acompanhada por minha irmã e seguranças.
Nunca contei a ninguém quem era o homem daquela noite. Meu pai não aguentaria levantar uma guerra contra os Gambinos; a última nos custou muitas vidas e territórios. Não éramos fracos, mas os Gambinos eram numerosos, crescendo a cada dia. Agora, várias máfias tentam alianças, e meu pai é uma delas. Ele está tentando um acordo de paz, que tudo indica será através do casamento. Mariana foi escolhida para levar esse legado e firmar a aliança. Eu temo por minha irmã. Ainda não contei a ela; espero o momento certo. Primeiro, preciso saber quem será seu futuro marido. Desde que o antigo Dom foi brutalmente morto por Alexander, a família virou um caos, muitas guerras internas. Muitos morreram, e agradeço por não ter contado a meu pai na época; sabe Deus o que poderia ter acontecido. Depois de quase um ano de confusão, a paz pareceu reinar, e este é o momento certo para propor novas alianças. Mariana está tranquila, sabíamos que esse momento chegaria, então estávamos preparadas; nunca iríamos contra a decisão de nosso pai. Crescemos nesse mundo para servir a este mundo; é triste, mas não temos escolha. Bem, Mariana não, mas eu... Fui totalmente renegada na máfia. Uma parte de mim sente alívio; outra, não. Meu pai disse que cuidaria de mim e arrumaria uma boa família para Mariana, para que, se ele ou meu irmão faltasse, eu pudesse me apoiar nela. Esse é outro motivo pelo qual não quero que minha irmã se una aos Gambinos. Se isso acontecer, muitos segredos serão revelados, e um deles está correndo pela grama com suas perninhas pequenas, sorrindo para minha irmã. Lucas foi a melhor coisa que me aconteceu daquele caos. Quando descobrimos a gravidez, meu pai pediu para que eu tirasse; ele não queria um filho de um estupro, uma vergonha para nossa família, mas não fiz o que ele mandou. Tive medo de fazer o aborto e algo acontecer comigo; eu queria viver. Depois daquele ocorrido, fiquei com medo da morte, sempre achando que ela me encontraria a qualquer momento. Eram pensamentos controversos; num instante queria a morte, no outro, tinha medo dela. Estava ficando louca. Lucas foi minha cura. Depois de muito implorar, meu pai aceitou. No início foi difícil, mas depois do nascimento de Lucas, uma luz brotou dentro de casa; nós aprendemos a amá-lo, e meu pai, feliz, dizia que Lucas levaria o legado da família com meu irmão. Meu filho foi aceito e está sendo amado; isso é o que importa. O resto eu resolverei mais tarde. Um dia, Alexander pagará por todo mal que me fez. Eu sei que irá; sinto isso vindo até mim, e será minha vingança. –Segura – minha irmã me entregou Lucas, que estava com os pés todos sujos de grama; ela amava deixá-lo descalço no quintal, e eu não podia reclamar. – Tem que dar banho nele; está todo sujo. –Por que será, hein? – brinquei, vendo ela sorrir. O sorriso da minha irmã era a coisa mais linda do mundo. –Você tem que parar de pôr ele descalço na grama. –resmunguei. –Ah, para! Ele fica mais à vontade assim. Né, coisa fofa, a titia é mais legal que a mamãe. – Ele deu uma gargalhada maravilhosa, e eu e Mari gargalhamos juntas. De repente, minha irmã ficou séria, erguendo a cabeça para algo atrás de mim. – Não acredito que eles estão aqui. –Ela apontou para o final do corredor, e a cena que vi fez meu coração gelar. Os irmãos Gambinos, Otavio e ele, meu maior pesadelo, entrando pelo corredor principal com Leonardo. – Será que eles vieram para discutir sobre a união que nosso pai pretende fazer? –sussurrou baixinho, como se fosse um crime falar sobre isso. Não. Eu espero que não, e se for, que papai dê a mão de outra pessoa a um deles, menos de Mariana. Olhei para minha irmã, que estava séria, ainda olhando por onde eles passaram. – Você aceitaria se casar com um deles? – perguntei. –Por que não? Todos são bonitos e jovens; morro de medo de ser prometida a um velho. – Fez cara de nojo. –Papai não faria isso, e Leonardo não permitiria. – A gente nunca sabe o dia de amanhã, Helena. Esse é o lado ruim da máfia, e nós duas não estamos imunes a isso. Hoje temos nosso pai e Leonardo, e amanhã? Tenho que me casar com alguém disposto a proteger você também; não se esqueça disso. – Vamos entrar. – pedi, meio sem graça. Eu não posso me tornar um fardo para minha irmã. Entramos em casa com meu coração pesado. Fui para o quarto e tranquei a porta; eu não queria enfrentar meu passado, nunca mais, nem se o mundo pegasse fogo, mas não tenho essa opção. Às três horas da tarde, fui chamada ao escritório do meu pai. A cada passo, meu coração acelerava; sentia que desmaiaria a qualquer momento. Escutei vozes alteradas quando me aproximei da porta, e, fazendo uma oração silenciosa, pedi a Deus que Alexander não estivesse ali dentro. Bati na porta e, depois de alguns segundos, meu pai deu permissão para entrar. Respirei fundo e abri a porta, aliviada ao não encontrá-lo. Senti como se um peso fosse tirado dos meus ombros. – O senhor mandou me chamar? Observei meu pai. Ele estava sentado em sua mesa, parecia mais abatido do que nos últimos dias; esses negócios de tentar trazer um pouco de sossego para dentro da Ouflit estavam o consumindo. – Sente-se, querida, temos algo a discutir. Concordei. Caminhei até a mesa e me sentei em frente a ele. Mais à direita estavam Stevam, o conselheiro, e Jorge, um dos anciãos do conselho. Meu irmão estava em pé, olhando o imenso jardim pela janela que ia do chão ao teto; ele nem se moveu quando entrei. Eu sabia que algo bom não seria discutido só pelo motivo dele estar perdido em pensamentos. – Recebemos uma proposta de aliança ótima, a melhor recebida até agora. Mas isso envolverá você. Olhei para meu pai, sem entender, e algo me dizia que não iria gostar de suas próximas palavras. –Alexander Cosa Nostra propôs sua mão em casamento. Antes que fale alguma coisa, nós fomos contra, pela situação em que você se encontra; não queremos contar sobre Lucas a eles. Só que... A proposta é muito boa, Helena. Você foi renegada na máfia, mas nesse exato momento, precisamos de você. Eu não podia acreditar nesse absurdo. Não podia aceitar essa situação de maneira nenhuma. Não depois de tudo que aconteceu naquela noite. Lembranças daquele momento vieram com tudo. A dor depois que acordei ao me lembrar de tudo voltou. Segurei as lágrimas enquanto olhava para meu pai, mas, antes que pudesse falar, ele disse: –Alexander foi bem claro em dizer que só se casaria com uma de minhas filhas, mas a preferência é você. Preciso que você aceite. Se você fizer isso, teremos que contar sobre Lucas. Se você não aceitar, Mariana ficará em seu lugar. – Ele deu de ombros, mas depois olhou fixamente para mim. – Helena, entenda, a proposta de paz será 100% eficaz se for você. Ele prometeu abrir caminho no território dele sem cobrar nada; é a chance de reerguermos o que está caindo. Se Mariana se casar com ele, as coisas não serão da mesma maneira. Eu entendia o que papai estava dizendo e também entendia o porquê de Alexandre estar fazendo isso. Com certeza é sua forma de se redimir, mas isso não paga o que ele me fez. Diante de toda a confusão, de qualquer forma, terei que aceitar. Colocar Mariana nessa história seria aumentar pano para manga, e ela não merecia um homem como ele. Dói ter que encontrá-lo novamente. Dói saber que terei que dividir a mesma casa e cama. Mas o que mais doeria em mim seria saber que minha irmã poderia sentir a mesma dor que ele me infligiu. – Tudo bem, pai. Faça como achar melhor. –Eu entendo que não será fácil, mas terei uma conversa com ele. –Meu pai me alertou. –Também não é tanta certeza assim. Não esqueça que Alexander ainda não sabe do bastardo. De certa forma, tenho certeza de que não vamos ganhar o território prometido. Ele não aceitará, Helena, depois que souber da criança. Velho desgraçado; eu queria poder matá-lo. Neste exato momento, meu irmão saltou em cima do velho, desferindo um soco em seu rosto. – Não fale dessa maneira do meu sobrinho, não enquanto eu estiver vivo – ralhou Leonardo. – Outra, Helena foi negada a ele milhões de vezes; ele que foi insistente. Como todos nós sabemos, essa conversa ainda não acabou. Eu irei me encontrar e discutir esse assunto com ele sozinho. É sobre minha irmã que estamos falando, e se ele não aceitar, de certa forma, para mim será um alívio. Por outro lado, não podemos tirar de Helena a oportunidade de recomeçar sua vida. Se Alexander for mesmo o homem sensato e íntegro que aparenta ser, qualquer uma de minhas irmãs estará em boas mãos. Íntegro, sensato? Se Leonardo soubesse. Creio que ninguém dentro da máfia seja como meu pai e Leonardo, muito menos os Gambinos, os homens mais desprezíveis que já conheci. – Gostaria que ninguém falasse do meu filho a ele, a não ser meu pai ou meu irmão. – Olhei para os homens sentados, que me observavam atentamente. – Agradeço pelo conselho ter guardado esse segredo até aqui, mas peço que continuem assim. Depois que toda essa situação for passada para Alexander, gostaria que o assunto referente a Lucas voltasse a ser enterrado. – Você conta com a minha discrição, Helena. Só não entre nesse casamento sem dizer a verdade – alertou Stevam, o conselheiro. – Eu seguirei seu conselho. Não. Nunca. Se depender de mim, Alexander nunca saberá de Lucas. Preciso falar com meu pai.– Você é a mulher mais linda que eu conheço – minha irmã falou enquanto me observava pelo reflexo do espelho – mas ainda acredito que ficaria mais linda usando o vestido vermelho. – Sorri.Sim, sem dúvidas eu ficaria linda. Mas não era isso que eu queria. – Não quero causar uma boa impressão, vou assim mesmo. – Joguei minhas palavras no ar, realmente não me preocupando com minha aparência. Se ele gostasse, bem; se não gostasse, problema dele.– Humm… você não está feliz, né? Lembro-me bem que estava radiante com o seu noivado e do…– Mariana… – Repreendi-a com um olhar. Ainda doía falar nele, ainda doía pensar nele. E a maneira como ele me deixou me abala até hoje.Nunca mais o vi. Quando saiu a notícia do seu casamento, me recusei a ver. Eu não queria acreditar. No meu conto de fadas, ele ainda entraria por aquela porta me pedindo perdão por tudo que aconteceu.– Você ainda o ama, né? – minha irmã indagou.– Mais do que queria! – confessei.Seus olhos se arregalaram. – Meu Deus, Hel
Mariana passou o jantar inteiro me olhando de canto de olho. Desde o momento em que pôs os olhos em Alexander, ela não me deixou em paz. Eu sei o motivo. Lucas é quase a cópia dele, a única diferença é a cor dos olhos que puxou os meus. O resto, cabelo, rosto, cor da pele… é o pai.Sinceramente, não sei como meu pai ou meu irmão ainda não perceberam. E se não perceberam, espero que não percebam. Se meu pai descobrir que Alexander é o pai de Lucas, tudo vai por água abaixo.– Então… – ela me sondou, sentada na minha cama, me olhando como se eu fosse um bicho de sete cabeças. – Ele é o homem daquela noite, não é?! – Disse mais afirmando do que perguntando.– É! – confessei. Não iria mentir mais para ela, somente para ela. – Isso ainda é segredo, por favor não diga nada, principalmente ao nosso pai. – Pedi.Ela não disse nada. Parecia não saber como agir com aquela informação.Engoli em seco, vendo sua reação. – Mariana? – Chamei, mas ela não reagia.Me aproximei, pegando sua mão. – Me p
Eu não era o tipo de homem que pedia perdão. Eu abolia as regras com perversidade, sem me importar com quem estaria ferindo no processo. Eu queria resultado, queria o meu ganho, e coitado de quem entrasse em meu caminho.Eu não ficava remoendo o passado; eu olhava para o futuro. Eu tirava minhas cartas da manga e surpreendia meus adversários, fazendo-os recuar, ajoelhar e implorar misericórdia ao seu novo rei. Essa era a minha base.Não queria acabar com as máfias inimigas; eu os queria rendidos, curvados à mercê da minha autoridade. Meu plano de governo era esse: juntar e governar todos, não importa em que nação estivessem ou em que línguas falassem. Eu seria o rei da máfia, e eles, meus súditos fiéis.Só que ela atravessou o meu maldito caminho.E foi aí que tudo desandou.Quem cuida das mulheres em nosso território é Caio. Ele tem uma lábia terrível e sempre consegue o que quer. Já eu fico longe desses negócios. Acho que presenciar o que minha mãe passava nas mãos daquele caprula q
Jonas Gambino, meu querido pai, abriu o lençol de Helena no meio da sala cheia de homens. Várias risadas preencheram o ambiente. Eu os deixaria se divertirem um pouco; a hora de cada um aqui estava para chegar.— A menina deu trabalho? — Ele riu, vindo em minha direção. — Não é tão difícil pegar uma puta à força, né?Respondi a contragosto. — Não. Não é.— Exatamente, Alexander. Sabe, filho, eu criei você diferente dos seus irmãos e esse foi meu erro. — Ele suspirou olhando para o conselho. Nesta reunião, havia cerca de trinta homens. — Eu queria que você vivesse um pouco o mundo lá fora; assim, ficaria fácil cuidar das empresas e ampliar os negócios. Só que, você se apaixonou, se casou e me fez perder o controle sobre você. Eu odeio perder o controle das coisas.Observei enquanto ele se embebedava com um copo de Martini.— Eu preciso de um líder duro, Alexander. Eu sei que você é esse líder, mas há falhas em você, e precisamos corrigir isso o mais rápido possível. — Ele encheu novame
Cheguei ao hotel na hora marcada e, como esperado, minha entrada estava liberada. No elevador, fiquei lembrando de tudo que me ocorreu neste lugar dois anos atrás e me perguntei por que ele teria se hospedado aqui. Mas isso não era da minha conta; o meu assunto com ele era outro.As portas do elevador abriram quando chegaram na suíte principal. Dois guardas estavam de pé em frente à porta. Quando me viram, baixaram a cabeça em sinal de respeito. Nossa, isso é cômico.Bati na porta e segundos depois ela foi aberta. Ele estava perfeitamente vestido com roupas casuais, o que o fazia parecer mais jovem. Seu perfume tinha um cheiro levemente amadeirado com um toque cítrico. O cheiro era tão bom que me fez fechar os olhos por alguns instantes antes de voltar a encará-lo.– Você não vai entrar? – Sua voz firme e profunda me arrancou dos meus devaneios.– Sim. Claro.Passei por ele, segurando forte minha bolsa, como se alguém pudesse tirá-la de mim. A sala da recepção da suíte continuava do m
Um mês se passou em um piscar de olhos, e a única coisa que eu pensava era na nossa discussão. Um mês sem vê-lo, sem falar ou receber qualquer notícia dele.Conversei muito com minha madrasta nesses últimos dias e acabei contando a ela tudo sobre Alexander. Ela disse que eu deveria perdoá-lo e tentar entender seus motivos. Disse que ele era jovem, bonito, bem-sucedido e que era normal acontecer cenas de estupro no meio da máfia, mencionando que sua mãe e sua irmã mais velha passavam por isso. Algumas mulheres tinham sorte, outras nem tanto.Eu acho isso ridículo. Como mulheres podem perdoar um absurdo desses só porque o cara era bonito ou rico? Isso, na minha opinião, é desvio de caráter. A beleza de Alexander não esconde sua verdadeira identidade, e isso serve para qualquer homem.Depois da minha discussão com Alexander, passei a guarda de Lucas definitivamente para Leonardo. Se algo acontecesse comigo, meu filho estaria seguro com meu irmão. Lucas era a minha única preocupação, o me
Minha família estava toda reunida: meus irmãos, uns primos e amigos próximos. Minha filha estava linda vestida de dama de honra; seu olhar brilhava para mim e seu sorriso iluminava o lugar. Desde o momento em que soube que estávamos vindo para o meu casamento, ela não me deixou em paz, fazendo perguntas como:“Como ela é?”“Ela vai morar com a gente?”“Ela gosta de criança?”“A madrasta do meu amigo é uma pessoa ruim, ela vai ser ruim comigo?”“Vou ter um irmãozinho?”“Posso chamá-la de mamãe?”Admito que a última pergunta me deixou sem resposta. Helena havia me pedido para que depois de alguns anos eu a deixasse ir embora. Naquele momento, não estava nos meus planos abrir mão dela, mas depois de muito pensar, concordei que seria o melhor a fazer.Eu preciso de uma esposa de verdade. Quero ter minha família, meus filhos e uma boa mãe para Alice. Viver de fachada não é comigo; não consigo fingir algo por muito tempo, então o melhor a fazer é deixá-la ir.Depois que ela estiver bem e em
A música começou a tocar "A Thousand Years". Eu considero essa música perfeita.Sinto uma das mãos de Alexander tocando minha cintura, enquanto sua outra mão segura a minha, conduzindo a dança.Fecho meus olhos, escutando a canção que começava a tocar. Ela é linda, uma das minhas músicas preferidas. Tudo estaria perfeito se hoje não fosse uma noite imperfeita. Encosto minha cabeça no ombro de Alexander e sinto quando seu queixo paira sobre minha cabeça suavemente.*Coração acelerado... Cores e promessas.* *Como ser corajoso... Como posso amar.* *Quando tenho medo de me apaixonar,* *Mas ao assistir você sozinha* *Toda a minha dúvida de repente se vai.* *Um passo mais perto.*– Como uma música tão linda está sendo tocada nesse velório? – pergunto.Ele riu. – Eu morri todos os dias esperando você. – Ele disse junto com a música, o que me deixou sem fala, sem reação. Meu coração errou o compasso e eu me odiei por isso.*Querida, não tenha medo* *Eu te amei por mil anos.* *Eu te ama