Entro no quarto depois de um treino pesado e vejo Otávio atolado nos livros. Tiro a bermuda, jogando-a no cesto, e me preparo para entrar no banheiro quando sou parado por sua pergunta:
— Ele não vem hoje? — Me viro e observo o caçula. Otávio, com 13 anos, ainda não foi inserido na máfia; em todas as seis tentativas, ele falhou miseravelmente. Tenho medo de que, em uma próxima falha, nosso pai o descarte. — Alexander está ocupado com os estudos e os hotéis, mas ele virá para sua iniciação. — Eu não quero isso, Rodolfo — diz, revoltado. Suspiro frustrado, enrolando-me em uma toalha e me sentando em frente a ele. — E você quer o que então? Morrer, já que não consegue matar? Ele abaixa a cabeça, e sinto um pouco de culpa por ter usado essas palavras. Se Alexander estivesse aqui, ele saberia o que dizer. — Eu não quero essa vida. Eu não nasci para isso. Olho para ele, vendo o medo e a confusão em seus olhos. É difícil encontrar as palavras certas, mas sei que preciso tentar. — Otávio, eu entendo que isso é difícil para você. A vida na máfia não é fácil, e nem todos são feitos para isso. Mas precisamos ser fortes para sobreviver. Nosso pai espera que sigamos o caminho dele, e não podemos falhar. Otávio levanta os olhos para me encarar, e o que encontro é só tristeza. — Mas, e se eu falhar de novo? E se eu não conseguir ser o que ele quer que eu seja? Coloco uma mão no ombro dele, tentando passar algum conforto. — Você é meu irmão, e sempre estarei aqui para te apoiar. Você não está sozinho nessa. Mas você precisa encontrar sua própria força, para não deixar que eu ou Alexander lute sozinho. Otávio acena lentamente, absorvendo minhas palavras. Sinto que, embora ainda assombrado pela dúvida, ele pelo menos agora sabe que decisão tomar. — Eu vou tentar, Rodolfo. Mas espero que um dia a gente possa escolher nossos próprios caminhos — ele diz, a voz mais firme, mas ainda carregada de incerteza. Assinto. — No futuro, você poderá escolher o seu caminho, e eu te apoiarei seja qual for. — É o que espero, — responde, voltando a se concentrar nos livros. Fico observando Otávio por um momento, refletindo sobre suas palavras. A ideia de escolher nossos próprios caminhos parecia tão distante e quase impossível dentro do mundo em que vivíamos. Mas, por ele, estava disposto a acreditar nessa possibilidade. Com um suspiro, levanto-me e caminho em direção ao banheiro, decidido a encontrar uma maneira de ajudar meu irmão, não importa o que o futuro nos reserve. (๑๑˙❥˙๑๑˙❥˙๑๑˙❥˙๑๑˙❥˙๑๑˙❥˙๑๑)✍️ Uma semana depois... Desço as escadas e escuto a voz alterada de meu pai, aos gritos com Alexander. Sinto a tensão no ar, cada passo meu parece mais pesado enquanto me aproximo da origem da discussão. — Você acha que pode simplesmente negligenciar suas responsabilidades? — vocifera meu pai. — A máfia não é um jogo, Alexander! Ou você quer pôr tudo a perder? — Eu sei disso! — Alexander responde, a frustração evidente em sua voz. — Estou tentando equilibrar tudo, mas é muita pressão! Você nunca me dá um momento de descanso! Paro na base da escada, observando a cena. Alexander, com o rosto vermelho e os punhos cerrados, encara nosso pai, que está com os olhos cheios de raiva e decepção. — A pressão faz parte da vida que escolhemos — replica nosso pai, a voz ainda alta. — Se não pode lidar com ela, então está falhando comigo, com nossa família, com tudo que construímos! Alexander balança a cabeça, claramente exasperado. — Eu não estou falhando! Só preciso de um pouco mais de tempo para me ajustar. Não sou um robô, pai! Estou fazendo o meu melhor! — Alexander finalmente explode. — Mas não posso ser perfeito o tempo todo! Meu pai não se acalma. — Seu melhor não é suficiente! Nesta família, não há espaço para erros. Ou você se ajusta, ou será substituído. Entendeu? — Faça como você quiser — Alexander retruca, a voz carregada de desafio. Meu pai avança, a raiva pulsando em seus olhos. Sem pensar, me coloco entre os dois, levantando as mãos para impedir qualquer conflito físico. — Pai, calma! — digo com firmeza, tentando acalmar a situação. — Isso não vai resolver nada. Meu pai para, o olhar ainda fervendo de raiva, mas minha intervenção parece detê-lo por um momento. — Rodolfo, saia do caminho — ele ordena, a voz ainda dura. — Não, pai — respondo, mantendo minha posição. — Precisamos resolver isso de outra maneira. Alexander está se esforçando, e todos nós estamos lidando com muita pressão. Alexander continua observando nosso pai, e eu posso ver ódio em seu olhar. Nosso pai respira fundo, ainda furioso, mas a intensidade da situação começa a diminuir. — Rodolfo, você é forte. Ensine ao seu irmão o que significa ser firme e leal — diz ele, ainda irritado, mas com um pouco mais de controle. Ele lança um último olhar severo para Alexander antes de se afastar, deixando-nos sozinhos na sala. Aproximo-me de Alexander, colocando uma mão reconfortante em seu ombro. — Você está bem? Alexander suspira profundamente, os ombros caindo em resignação. — Tentando estar, Rodolfo. Tentando estar. — Eu sei que ele pega pesado, mas ele só quer nos garantir um futuro. Alexander bufa, se levantando e pegando sua mala. — Anote o que eu vou lhe dizer, Rodolfo — diz ele, com uma intensidade sombria no olhar. — Se decida, porque vai chegar o dia em que eu o matarei, e não importa quem se levantar para defendê-lo, morrerá também. Fico em silêncio, sentindo o peso das palavras de Alexander. Ele se encontra a beira do desespero, a raiva em sua voz é palpável. Tento encontrar algo para dizer, algo que ao menos alivie a tensão, mas as palavras me escapam. Alexander me lança um olhar de desafio antes de sair da sala, me deixando sozinho com a nossa dura realidade.NOVA YORK — Dois anos antes... — Eu só quero saber onde está minha filha, que inferno!Alexander vira a mesa, espalhando papéis pelo chão do escritório. Ele está completamente fora de controle. Meu pai observa, e é visível o ódio entre os dois. Vejo lágrimas não derramadas nos olhos de Alexander. Ele não reagiu assim quando Sônia foi morta pela Yakuza há um mês. Mas agora, com o sequestro de Alice, meu pai ultrapassou todos os limites. Nem eu posso perdoá-lo desta vez.— Você vai ou não vai fazer o que te mandei? — Nosso pai pergunta, inabalável, enquanto tira um charuto do bolso e o acende. — É uma vergonha ter que sequestrar sua filha para te convencer a comer uma buceta.Alexander o encara, com uma intenção assassina, entretanto, consciente de que não temos muito a fazer no momento. Infelizmente se meu pai morrer agora, nunca mais encontraremos Alice.Eu não queria que meu pai morresse, mas, chegando a este ponto, percebo que, se não colocarmos um fim nisso agora, Alice poderá s
Dias atuais... Desço do carro e me encosto no veículo, observando o mar de árvores altas e antigas cujas copas se entrelaçam no alto, formando um dossel verdejante que filtra a luz do sol em suaves raios dourados. Alexander escolheu um lugar realmente lindo para morar. A paz que este lugar inspira me faz refletir sobre o que eu pretendo fazer de verdade com o meu futuro.Talvez se eu tivesse continuado sendo apenas o executor da máfia, as minhas decisões não seriam tão difíceis de tomar, mas agora, como subchefe, o que vivo é uma tremenda dor de cabeça. Tomar decisões importantes que afetam não só a minha vida, mas também a vida de todos ao meu redor, não é fácil.Olho pela janela do carro e observo a foto de Halina no banco. Ela está sorrindo genuinamente, e me questiono se vale a pena arriscar tantas coisas por uma mulher que ainda nem conheci pessoalmente. É claro que Alexander vai tentar barrar este casamento. Ele já proibiu casamentos arranjados, e garotas com menos de 20 anos
Dois meses depois...Fizemos uma reunião para decidirmos o futuro de Halina. Sim, parece até engraçado dizer isso, nós, meros mortais, decidindo o futuro de alguém? Palhaçada.Na época em que meu pai era o chefe, eu não me importava com essas coisas. Tanto que, sem pensar duas vezes, aceitei me casar com Paola sem ver problemas. Mas agora, não consigo enxergar muita coisa dentro da máfia da mesma forma. Alexander conseguiu mudar minha maneira de pensar.O ambiente dentro da máfia e as dinâmicas de poder são bem mais complexos do que eu imaginava. Antes, via tudo em termos simples e aceitava as decisões sem pensar muito. Agora, com a responsabilidade de tomar decisões importantes e proteger aqueles que amo, vejo as coisas de um jeito diferente.A maneira estratégica e cuidadosa de Alexander me mostrou que há muito mais nuances e consequências do que eu percebia antes. Aprendi que nossas ações e decisões realmente influenciam o futuro das pessoas. Isso mudou a forma como encaro minhas
Geórgia — Internato Santa Casa _ Quatro meses depois...— Você deveria estar contente por estar indo embora, Halina. Não é o que sempre desejou?Observo a madre Carmen se servir com uma xícara de chá enquanto tenta me convencer que será melhor eu obedecer às ordens deixadas pelo meu pai e seguir o meu destino. Bom, ela sabe que tenho um casamento arranjado, o que ela não sabe é que o meu destino está fadado a me casar com um homem bem mais velho que eu.Madre Carmen tem razão em uma coisa: eu sempre desejei ficar longe deste lugar, nunca gostei das rezas, da cantoria, do "isso pode, isso não pode", porém, neste exato momento, eu gostaria de ficar para sempre aqui.— Mas também não quero ir para o inferno que meu pai escolheu para mim. — respondo, tentando manter a calma.Madre Carmen me olha com uma expressão misturada de pena e firmeza.— Halina, você precisa entender que, às vezes, não temos escolha. Há sacrifícios que precisamos fazer pelo bem de nossas famílias.Eu reviro os olhos
Embarcamos no avião do Dom, o que me deixou um pouco aliviada já que não conseguia parar de chorar. Entrei e me sentei em um canto isolado.Enquanto o avião decola, sinto a pressão no meu peito aumentar. A visão das nuvens lá fora não traz a tranquilidade que eu esperava. Em vez disso, só me sinto mais presa. Tento distrair a mente olhando pela janela, mas as lágrimas ameaçam voltar. O silêncio no avião é opressor.Decido buscar um pouco de consolo em uma das cartas que Paola me trouxe. Com as mãos tremendo, retiro o envelope da bolsa e começo a ler. As palavras dela, cheias de amor e apoio, me aquecem um pouco. As lembranças dos momentos que passamos juntas me trás um pouco de paz. Se Paola acredita tanto em mim, talvez eu consiga encontrar uma forma de enfrentar o que está por vir. Fecho os olhos por um instante, respirando fundo, tentando não me deixar abater. Esse não ser o fim da minha história.Quando desembarcamos a primeira pesssoa que avisto é Paola, meu coração se enche d
Paola foi embora exatamente há duas horas. Agora são quase uma da manhã e, sem conseguir dormir, decido sair para caminhar um pouco lá fora.Visto um vestido longo rosado, coloco uma rasteirinha e saio. O elevador chega imediatamente e desço para passear no jardim do condomínio.Vejo alguns guardas a postos; uns me cumprimentam, outros me ignoram.O lugar aqui é lindo. Tem algumas árvores e muitas flores, a grama verdejante se perde entre as árvores, criando um tapete natural que se estende pelo jardim.Enquanto caminho, sinto a fragrância das flores que permeia o ar, uma mistura suave e revigorante que acalma meus sentidos. As árvores, altas e imponentes, oferecem sombra e abrigo, seus galhos balançando suavemente com a brisa noturna. Cada folha parece sussurrar segredos antigos, histórias de tempos passados.As flores, em suas cores vibrantes, pintam o cenário com toques de alegria e vida. Margaridas, tulipas, rosas – todas em plena floração, como se estivessem comemorando a beleza
À medida que ele se aproxima, as luzes fracas do condomínio iluminam parcialmente seu rosto. Meu coração bate ainda mais rápido, e um frio percorre minha espinha. Tento lembrar de onde conheço aquele rosto, mas as luzes fracas dificultam meus pensamentos.Ele para a poucos metros de mim, seu olhar varrendo o jardim como se estivesse à procura de algo – ou de alguém. O ar parece mais denso, e eu prendo a respiração.Finalmente, nossos olhares se encontram. Por um breve momento, o tempo parece parar. Ele franze a testa, como se tentasse me reconhecer, e um misto de curiosidade passa por seus olhos. Minha mente corre com perguntas e suposições, mas minha boca permanece fechada, incapaz de emitir qualquer som.De repente, ele dá um passo em minha direção, e meu corpo reage instintivamente. Eu me levanto e dou um passo para esquerda, afundando minha sandália na grama macia, mas algo me impede de fugir completamente. Talvez seja a curiosidade, ou talvez seja o estranho magnetismo que ele pa
Rodolfo finalmente solta um suspiro, como se estivesse absorvendo o peso das minhas palavras.— Eu entendo — responde calmamente. Ele encara o lago, e eu faço o mesmo, observando as luzes brincando na água enquanto uma brisa suave toca meu rosto. — Todos nós que nascemos neste meio passamos por essa mesma situação. Pode acreditar em mim, Halina, nenhum de nós tem direito de escolha.Suas palavras carregam uma verdade amarga, algo que ressoa profundamente em mim. A sensação de estar presa em um destino que não escolhi, compartilhada por ele, traz uma compreensão mútua. É como se, por um momento, não estivéssemos sozinhos em nossa resignação, mas ao mesmo tempo, a realidade de nossas vidas parece ainda mais sufocante.— Você já foi obrigado a fazer algo que não quis? — pergunto, minha voz suave, mas carregada de curiosidade.Rodolfo pondera por um momento, como se estivesse revivendo memórias que preferiria esquecer. Ele parece pesar suas palavras antes de responder, como se a verdade f