Geórgia — Internato Santa Casa _ Quatro meses depois...
— Você deveria estar contente por estar indo embora, Halina. Não é o que sempre desejou? Observo a madre Carmen se servir com uma xícara de chá enquanto tenta me convencer que será melhor eu obedecer às ordens deixadas pelo meu pai e seguir o meu destino. Bom, ela sabe que tenho um casamento arranjado, o que ela não sabe é que o meu destino está fadado a me casar com um homem bem mais velho que eu. Madre Carmen tem razão em uma coisa: eu sempre desejei ficar longe deste lugar, nunca gostei das rezas, da cantoria, do "isso pode, isso não pode", porém, neste exato momento, eu gostaria de ficar para sempre aqui. — Mas também não quero ir para o inferno que meu pai escolheu para mim. — respondo, tentando manter a calma. Madre Carmen me olha com uma expressão misturada de pena e firmeza. — Halina, você precisa entender que, às vezes, não temos escolha. Há sacrifícios que precisamos fazer pelo bem de nossas famílias. Eu reviro os olhos, exasperada. — Sacrifícios? Madre, estou sendo vendida como um objeto. Isso não é um sacrifício, é uma sentença. Ela suspira, olhando para mim com olhos cansados. — Eu sei que parece injusto, mas talvez, com o tempo, você encontre uma maneira de tornar essa situação mais suportável. Às vezes, as pessoas mudam, as situações melhoram. Eu sabia que ela estava tentando me consolar, mas suas palavras soavam vazias. — E se não melhorarem? E se eu continuar presa a esse destino horrível? — pergunto, sentindo a raiva e o desespero crescerem dentro de mim. Madre Carmen coloca a xícara de chá de lado e me olha diretamente nos olhos. — Então, minha querida, você terá que encontrar forças dentro de você para sobreviver. E, quem sabe, um dia, mudar seu destino com suas próprias mãos. Uma lágrima involuntária cai em meu rosto, eu me sinto tão vazia por dentro. Madre Carmen se levanta e vem até mim, colocando uma mão reconfortante no meu ombro. — Halina, eu sei que parece impossível agora, mas você é forte. Você vai encontrar uma maneira de seguir em frente. Eu limpo a lágrima rapidamente, tentando não mostrar mais fraqueza. — Obrigada, Madre. Eu só... só não sei se consigo. Ela me dá um sorriso triste. — Você consegue, minha filha. Confie em si mesma. Eu me levanto, sentindo o peso do que está por vir. — Vou tentar, Madre. Prometo. Ela acena, ainda com a expressão preocupada. — Lembre-se, estarei sempre aqui se precisar de alguém para conversar. E que Deus esteja com você. Com um último aceno, saio da sala, sentindo-me um pouco mais para baixo, carregando o peso do meu futuro incerto. Talvez se eu estiver com sorte, Cosa Nostra me ajude, assim como ajudou minha irmã. Observo minhas malas prontas e vou até a cabeceira, pegando um porta-retrato onde estou com Paola. Ela é tudo o que me restou. Paola e eu não somos filhas da mesma mãe. Minha mãe não conseguia engravidar, então meu pai arrumou uma amante, e foi assim que Paola nasceu. Depois do seu nascimento, ela foi criada por minha mãe, enquanto a amante do meu pai nunca deixou de ser amante. Cinco anos depois, eu nasci. Quando minha mãe faleceu, eu tinha 9 anos e foi com essa idade que vim parar aqui. Por causa dos sonhos perturbadores que tenho, ele não teve paciência para cuidar de mim. Muitas vezes, acordava aos gritos, e isso era o suficiente para fazê-lo gritar e me chingar. Com o tempo, ele me colocou em um colégio religioso, dizendo que isso iria exorcizar meus demônios. Sorrio com tristeza lembrando que este lugar não me ajudou em nada; ao contrário, me fez aprender a viver sozinha. Vejo Paola uma vez por ano. Fora ela, não tenho mais ninguém. Quando ela vem me ver, traz várias cartas do meu primo Zael, que mora em Dubai. Ele disse que, se um dia eu precisar fugir, suas portas estão abertas. Fiquei tentada ao descobrir meu noivado com aquele homem, mas decidi não criar problemas para Zael. Ele e Paola são os únicos que se preocupam comigo; não quero ser uma dor de cabeça para ninguém. É horrível sentir-se sozinha. A única amizade que fiz aqui foi com Natália, que também faz parte da máfia e saiu no mês passado. Tirando ela, vivo sozinha. Aprendi a cuidar de mim mesma, a me consolar, guardar minhas feridas e mágoas, sorrindo como se nada estivesse acontecendo. Mas me sinto quebrada por dentro, e muitas vezes adormeço de tanto chorar. Meus pensamentos são interrompidos pelo som de passos se aproximando. Eu levanto a cabeça e vejo Madre Carmen entrando no quarto novamente, a expressão no rosto dela é de preocupação. — Halina, querida, um senhor está aqui para buscá-la. — ela diz, sua voz suave mas firme. Meu coração se aperta. O momento que eu temia chegou. Tento me recompor, guardando o porta-retrato na bolsa e limpando qualquer vestígio de lágrimas do meu rosto. — Estou pronta, Madre. — digo, tentando manter a voz calma. Ela me dá um sorriso encorajador. — Lembre-se do que conversamos, Halina. Você é mais forte do que pensa. Com um aceno de cabeça, sigo Madre Carmen até a entrada principal do internato. Lá, vejo um homem, de pé ao lado de um carro preto e luxuoso. Ele me encara e vem ao meu encontro. — Sou Apolo, o responsável pela sua segurança. — ele diz sem rodeios, acenando para o motorista colocar minhas malas no carro. — Vamos. Observo o homem a minha frente abrindo a porta do carro, ele deve ser o homem que minha irmã tanto falou o ano passado. Eu dou uma última olhada para trás, para o lugar onde passei tantos anos. Apesar de tudo, sentirei falta de algumas coisas e pessoas aqui. Enquanto o carro se afasta do internato, minhas mãos apertam o porta-retrato dentro da bolsa. Eu não sei o que o futuro reserva, mas tenho que acreditar que de alguma forma, encontrarei uma saída. Talvez o Dom possa me ajudar, assim como ajudou Paola. Ou, em um momento de desespero, talvez eu precise recorrer à oferta de Zael em Dubai. De qualquer forma, eu não desistirei sem lutar. Fecho os olhos e respiro fundo, tentando reunir toda a força e coragem que ainda tenho dentro de mim.Embarcamos no avião do Dom, o que me deixou um pouco aliviada já que não conseguia parar de chorar. Entrei e me sentei em um canto isolado.Enquanto o avião decola, sinto a pressão no meu peito aumentar. A visão das nuvens lá fora não traz a tranquilidade que eu esperava. Em vez disso, só me sinto mais presa. Tento distrair a mente olhando pela janela, mas as lágrimas ameaçam voltar. O silêncio no avião é opressor.Decido buscar um pouco de consolo em uma das cartas que Paola me trouxe. Com as mãos tremendo, retiro o envelope da bolsa e começo a ler. As palavras dela, cheias de amor e apoio, me aquecem um pouco. As lembranças dos momentos que passamos juntas me trás um pouco de paz. Se Paola acredita tanto em mim, talvez eu consiga encontrar uma forma de enfrentar o que está por vir. Fecho os olhos por um instante, respirando fundo, tentando não me deixar abater. Esse não ser o fim da minha história.Quando desembarcamos a primeira pesssoa que avisto é Paola, meu coração se enche d
Paola foi embora exatamente há duas horas. Agora são quase uma da manhã e, sem conseguir dormir, decido sair para caminhar um pouco lá fora.Visto um vestido longo rosado, coloco uma rasteirinha e saio. O elevador chega imediatamente e desço para passear no jardim do condomínio.Vejo alguns guardas a postos; uns me cumprimentam, outros me ignoram.O lugar aqui é lindo. Tem algumas árvores e muitas flores, a grama verdejante se perde entre as árvores, criando um tapete natural que se estende pelo jardim.Enquanto caminho, sinto a fragrância das flores que permeia o ar, uma mistura suave e revigorante que acalma meus sentidos. As árvores, altas e imponentes, oferecem sombra e abrigo, seus galhos balançando suavemente com a brisa noturna. Cada folha parece sussurrar segredos antigos, histórias de tempos passados.As flores, em suas cores vibrantes, pintam o cenário com toques de alegria e vida. Margaridas, tulipas, rosas – todas em plena floração, como se estivessem comemorando a beleza
À medida que ele se aproxima, as luzes fracas do condomínio iluminam parcialmente seu rosto. Meu coração bate ainda mais rápido, e um frio percorre minha espinha. Tento lembrar de onde conheço aquele rosto, mas as luzes fracas dificultam meus pensamentos.Ele para a poucos metros de mim, seu olhar varrendo o jardim como se estivesse à procura de algo – ou de alguém. O ar parece mais denso, e eu prendo a respiração.Finalmente, nossos olhares se encontram. Por um breve momento, o tempo parece parar. Ele franze a testa, como se tentasse me reconhecer, e um misto de curiosidade passa por seus olhos. Minha mente corre com perguntas e suposições, mas minha boca permanece fechada, incapaz de emitir qualquer som.De repente, ele dá um passo em minha direção, e meu corpo reage instintivamente. Eu me levanto e dou um passo para esquerda, afundando minha sandália na grama macia, mas algo me impede de fugir completamente. Talvez seja a curiosidade, ou talvez seja o estranho magnetismo que ele pa
Rodolfo finalmente solta um suspiro, como se estivesse absorvendo o peso das minhas palavras.— Eu entendo — responde calmamente. Ele encara o lago, e eu faço o mesmo, observando as luzes brincando na água enquanto uma brisa suave toca meu rosto. — Todos nós que nascemos neste meio passamos por essa mesma situação. Pode acreditar em mim, Halina, nenhum de nós tem direito de escolha.Suas palavras carregam uma verdade amarga, algo que ressoa profundamente em mim. A sensação de estar presa em um destino que não escolhi, compartilhada por ele, traz uma compreensão mútua. É como se, por um momento, não estivéssemos sozinhos em nossa resignação, mas ao mesmo tempo, a realidade de nossas vidas parece ainda mais sufocante.— Você já foi obrigado a fazer algo que não quis? — pergunto, minha voz suave, mas carregada de curiosidade.Rodolfo pondera por um momento, como se estivesse revivendo memórias que preferiria esquecer. Ele parece pesar suas palavras antes de responder, como se a verdade f
Sou despertada pelo som estridente da campainha. Ainda meio grogue, me pergunto se o mundo está pegando fogo para alguém me acordar tão cedo. Apresso os passos até a porta, destrancando-a rapidamente. Quando abro, dou de cara com Paola, que está acompanhada por uma senhora e um senhor, ambos carregando uma quantidade impressionante de sacolas. — Bom dia, querida! — Paola cumprimenta, entrando como se já estivesse em casa. — Espero que esteja pronta para um dia agitado. Olho para as sacolas e depois para eles, tentando processar a cena. — O que está acontecendo? — pergunto, ainda meio atordoada. — Precisamos nos preparar para o noivado, lembra? — Paola diz, desanimada. Minha mente, ainda lutando para acompanhar, finalmente desperta por completo ao perceber que o dia que eu temia se aproximava. O noivado estava cada vez mais perto. — Deixa eu te apresentar. Essa é Rose — Paola diz, abraçando a mulher pelos ombros, que me sorri calorosamente. — Ela ficará aqui com você para te aux
O dia foi como imaginei: cansativo e cheio de obrigações que não me deixaram um minuto para pensar em paz. Entre os preparativos do noivado, as idas e vindas para acertar detalhes que pareciam nunca acabar, e as conversas insistentes sobre temas que não me interessavam, senti o peso de tudo o que está por vir.Enquanto Paola discutia cores de flores e tipos de tecidos para a decoração, minha mente vagava, presa nas lembranças daquela manhã. O aviso velado que Paola me deu sobre Rodolfo ecoava em meus pensamentos, e quanto mais eu tentava afastá-lo, mais ele se fixava em minha mente. Depois da conversa com ele, algo em mim despertou. Tento convencer a mim mesma de que estou criando expectativas demais, que estou sonhando acordada e que isso não é real. Mas não consigo evitar. Aqueles olhos verdes, claros e intensos, pareciam penetrar em minha alma, dissipando qualquer escuridão que ali habitava. E aquele sorriso... genuíno e envolvente, me transportava para lugares que eu nunca imagi
Hoje foi um dia terrível. As demandas da máfia às vezes me enlouquecem e me deixam à beira da insanidade.Minha mente está um turbilhão de pensamentos, e um deles é Halina. O encontro com ela foi completamente diferente do que eu havia imaginado. Foi estranho, mas de uma forma que eu não esperava.Ela estava deslumbrante, muito mais linda e atraente do que na foto. Seu sorriso... eu adoraria poder ver aquele sorriso todos os dias. Esses pensamentos estão me consumindo.Eu esperava que o encontro fosse um choque de realidade, algo para me lembrar de manter a distância. No entanto, o oposto aconteceu. Conhecê-la foi uma experiência incrivelmente agradável. Conversar e sorrir com ela me deixou encantado e, de certa forma, até mesmo desarmado.Eu juro que pensei que, ao vê-la, a realidade seria diferente. Quem é louco o suficiente para se apaixonar por alguém apenas com base em uma foto? Eu, aparentemente. O que preciso fazer agora é desviar meu foco dela, antes que isso se transforme em
Vejo o sol nascer pela varanda do meu quarto. Não consegui pregar o olho a noite toda, e já sequei duas garrafas de uísque, mas meus pensamentos continuam os mesmos. Ela. Sempre ela. Passo as mãos pelos meus cabelos, lembrando da noite passada. Assim que cheguei em casa, a vi no jardim pela janela do meu quarto. Já era tarde da noite, o que me fez questionar o motivo dela ter perdido o sono de novo. O silêncio da madrugada parecia envolver tudo, exceto minha mente inquieta. Me pergunto se o que a manteve acordada de novo, foram os mesmos pensamentos que me atormentam agora. Será que ela também pensa em mim? Será que ela sente a mesma angústia que me consome? É impossível. Ela não iria se importar com um estranho que conheceu apenas uma noite. Mesmo assim, a sensação persiste.Talvez eu esteja apenas criando uma narrativa para justificar minha própria obsessão. Meus pensamentos giram em torno dela, e cada lembrança da noite retrasada é como um eco incessante em minha mente. Ser