Nova York – 13 anos atrás...
No galpão sombrio da máfia, a única coisa que se ouvia era o som dos socos que eu desferia no saco de pancada. Meus punhos, cobertos por ataduras malfeitas, se moviam com uma intensidade que eu nunca havia alcançado antes. A luz fraca das lâmpadas penduradas lançava sombras dramáticas sobre meu rosto, fazendo-me ficar mais atento a cada golpe lançado. Ao redor, observando de perto, estavam meu pai e seu subchefe, Hernandes. Eles avaliavam cada golpe que eu desferia com um sorriso satisfeito no rosto, o que fazia com que eu aumentasse a força e a precisão dos meus socos, como se cada golpe fosse um grito mudo de desafio e sobrevivência. Eu estava ciente de que, neste mundo, a força e a resistência seriam minhas únicas moedas de troca, e estava disposto a pagar qualquer preço para provar meu valor. Cada golpe fazia o saco de pancada balançar mais violentamente. O suor escorria pelo meu rosto, misturando-se com a determinação em meus olhos. Eu sabia que não podia parar, não enquanto meu pai e Hernandes observavam. O ar pesado do galpão parecia sufocar, mas eu ignorava a sensação, focando apenas nos meus punhos e no saco de pancada à minha frente. Meu pai sempre dizia que a fraqueza não era tolerada nesse mundo, e eu não podia decepcioná-lo. Cada soco era uma promessa silenciosa de que eu não falharia. A voz de Hernandes ecoou no galpão. — Bom trabalho, garoto. Mas não se esqueça, a técnica é tão importante quanto a força. — Ele se aproximou, observando-me com olhos críticos. — Se você errar o alvo, toda essa força é inútil. Eu assenti, ajustando minha postura e focando no ponto exato onde meus punhos deveriam atingir. Com cada golpe, eu tentava aperfeiçoar a técnica, lembrando das lições anteriores. A respiração se tornava mais controlada, e os movimentos, mais precisos. Meu pai deu um passo à frente, seu olhar duro mas orgulhoso. —Continue assim, e você vai longe. Lembre-se, nunca deixe que os outros vejam suas fraquezas. E nunca, jamais, desista. As palavras de meu pai ecoam em minha mente enquanto ele e Hernandes se afastam para continuar sua conversa. Volto a desferir socos no saco de pancada, mais determinado do que nunca a provar meu valor e a cumprir o destino que me espera. — Entre ele e Alexander, acho melhor escolhermos ele como chefe. Sinto que Alexander irá nos decepcionar — diz Hernandes. Paro de desferir socos e encaro os dois homens à minha frente. Tento normalizar minha respiração para tentar entender melhor a conversa. — Você sabe dos meus planos para Alexander — fala meu pai, com um tom grave. — Aliás, você sabe dos planos que tenho para os meus três filhos. Hernandes suspira, claramente preocupado. — Sim, eu sei. Mas Alexander pode nos fazer subir sem ser o chefe, não pode? Meu pai balança a cabeça com os olhos fixos em mim. — Alexander tem suas fraquezas, por isso estou criando sua força. — Faço uma careta, entendendo o que ele quer dizer. — Se Alexander falhar, Rodolfo o colocará em seu devido lugar. Digamos que Rodolfo será as rédeas de Alexander. Eu mantenho meus olhos fixos nele, sentindo o peso de suas palavras. Cada golpe desferido no saco de pancada parece insignificante comparado ao que está sendo discutido. Sabia que tudo o que fazia era uma preparação para o que poderia vir a ser o meu destino. — Você tem potencial — continuou meu pai, com sua voz carregada de expectativa e autoridade. — Alexander é inteligente e nos fará chegar onde sempre sonhamos estar. E você estará ao lado dele. Se houver qualquer falha no futuro, você o eliminará. Nada de fraqueza. Um Dom deve ser a força maior, e conhecendo Alexander como conheço, sei que há falhas nele impossíveis de serem reparadas. Por este motivo, você tem que estar pronto, Rodolfo, para eliminá-lo no futuro, se for preciso. As palavras dele ressoam em minha mente, e a gravidade da responsabilidade que ele acabara de colocar sobre meus ombros pesa mais do que qualquer treino físico. Eu sabia que o destino da nossa família e da organização dependia não só da força, mas da capacidade de tomar decisões difíceis e impiedosas. — Você teria coragem de eliminar seu irmão por lealdade à máfia? — Hernandes me questiona. Paro para pensar, o silêncio do galpão sendo preenchido apenas pelo som da minha respiração ofegante. Olho para o saco de pancada, tentando processar a gravidade da pergunta. Meus pensamentos giram em torno do significado de lealdade, família e poder. Meu pai observa minha reação, esperando minha resposta. A pressão é palpável, mas sei que este momento é crucial. Endireito-me, encarando Hernandes com firmeza. — Se for necessário para proteger a máfia e tudo que construímos, sim. — Respondo, minha voz firme, mas com uma ponta de tristeza. — Não seria fácil, mas entendo o que está em jogo. A lealdade à família e à máfia vem antes de qualquer coisa. Meu pai assente, satisfeito com minha resposta. — Isso é o que espero de você, Rodolfo. Precisamos de força e determinação para manter a ordem e o poder. Nunca se esqueça disso. Volto a desferir socos no saco de pancada, cada golpe agora carregado com o peso do compromisso que acabei de assumir. A responsabilidade de manter a máfia forte e unida recai sobre mim, e estou determinado a não falhar.Entro no quarto depois de um treino pesado e vejo Otávio atolado nos livros. Tiro a bermuda, jogando-a no cesto, e me preparo para entrar no banheiro quando sou parado por sua pergunta:— Ele não vem hoje? — Me viro e observo o caçula.Otávio, com 13 anos, ainda não foi inserido na máfia; em todas as seis tentativas, ele falhou miseravelmente. Tenho medo de que, em uma próxima falha, nosso pai o descarte.— Alexander está ocupado com os estudos e os hotéis, mas ele virá para sua iniciação.— Eu não quero isso, Rodolfo — diz, revoltado.Suspiro frustrado, enrolando-me em uma toalha e me sentando em frente a ele.— E você quer o que então? Morrer, já que não consegue matar?Ele abaixa a cabeça, e sinto um pouco de culpa por ter usado essas palavras. Se Alexander estivesse aqui, ele saberia o que dizer.— Eu não quero essa vida. Eu não nasci para isso.Olho para ele, vendo o medo e a confusão em seus olhos. É difícil encontrar as palavras certas, mas sei que preciso tentar.— Otávio, eu
NOVA YORK — Dois anos antes... — Eu só quero saber onde está minha filha, que inferno!Alexander vira a mesa, espalhando papéis pelo chão do escritório. Ele está completamente fora de controle. Meu pai observa, e é visível o ódio entre os dois. Vejo lágrimas não derramadas nos olhos de Alexander. Ele não reagiu assim quando Sônia foi morta pela Yakuza há um mês. Mas agora, com o sequestro de Alice, meu pai ultrapassou todos os limites. Nem eu posso perdoá-lo desta vez.— Você vai ou não vai fazer o que te mandei? — Nosso pai pergunta, inabalável, enquanto tira um charuto do bolso e o acende. — É uma vergonha ter que sequestrar sua filha para te convencer a comer uma buceta.Alexander o encara, com uma intenção assassina, entretanto, consciente de que não temos muito a fazer no momento. Infelizmente se meu pai morrer agora, nunca mais encontraremos Alice.Eu não queria que meu pai morresse, mas, chegando a este ponto, percebo que, se não colocarmos um fim nisso agora, Alice poderá s
Dias atuais... Desço do carro e me encosto no veículo, observando o mar de árvores altas e antigas cujas copas se entrelaçam no alto, formando um dossel verdejante que filtra a luz do sol em suaves raios dourados. Alexander escolheu um lugar realmente lindo para morar. A paz que este lugar inspira me faz refletir sobre o que eu pretendo fazer de verdade com o meu futuro.Talvez se eu tivesse continuado sendo apenas o executor da máfia, as minhas decisões não seriam tão difíceis de tomar, mas agora, como subchefe, o que vivo é uma tremenda dor de cabeça. Tomar decisões importantes que afetam não só a minha vida, mas também a vida de todos ao meu redor, não é fácil.Olho pela janela do carro e observo a foto de Halina no banco. Ela está sorrindo genuinamente, e me questiono se vale a pena arriscar tantas coisas por uma mulher que ainda nem conheci pessoalmente. É claro que Alexander vai tentar barrar este casamento. Ele já proibiu casamentos arranjados, e garotas com menos de 20 anos
Dois meses depois...Fizemos uma reunião para decidirmos o futuro de Halina. Sim, parece até engraçado dizer isso, nós, meros mortais, decidindo o futuro de alguém? Palhaçada.Na época em que meu pai era o chefe, eu não me importava com essas coisas. Tanto que, sem pensar duas vezes, aceitei me casar com Paola sem ver problemas. Mas agora, não consigo enxergar muita coisa dentro da máfia da mesma forma. Alexander conseguiu mudar minha maneira de pensar.O ambiente dentro da máfia e as dinâmicas de poder são bem mais complexos do que eu imaginava. Antes, via tudo em termos simples e aceitava as decisões sem pensar muito. Agora, com a responsabilidade de tomar decisões importantes e proteger aqueles que amo, vejo as coisas de um jeito diferente.A maneira estratégica e cuidadosa de Alexander me mostrou que há muito mais nuances e consequências do que eu percebia antes. Aprendi que nossas ações e decisões realmente influenciam o futuro das pessoas. Isso mudou a forma como encaro minhas
Geórgia — Internato Santa Casa _ Quatro meses depois...— Você deveria estar contente por estar indo embora, Halina. Não é o que sempre desejou?Observo a madre Carmen se servir com uma xícara de chá enquanto tenta me convencer que será melhor eu obedecer às ordens deixadas pelo meu pai e seguir o meu destino. Bom, ela sabe que tenho um casamento arranjado, o que ela não sabe é que o meu destino está fadado a me casar com um homem bem mais velho que eu.Madre Carmen tem razão em uma coisa: eu sempre desejei ficar longe deste lugar, nunca gostei das rezas, da cantoria, do "isso pode, isso não pode", porém, neste exato momento, eu gostaria de ficar para sempre aqui.— Mas também não quero ir para o inferno que meu pai escolheu para mim. — respondo, tentando manter a calma.Madre Carmen me olha com uma expressão misturada de pena e firmeza.— Halina, você precisa entender que, às vezes, não temos escolha. Há sacrifícios que precisamos fazer pelo bem de nossas famílias.Eu reviro os olhos
Embarcamos no avião do Dom, o que me deixou um pouco aliviada já que não conseguia parar de chorar. Entrei e me sentei em um canto isolado.Enquanto o avião decola, sinto a pressão no meu peito aumentar. A visão das nuvens lá fora não traz a tranquilidade que eu esperava. Em vez disso, só me sinto mais presa. Tento distrair a mente olhando pela janela, mas as lágrimas ameaçam voltar. O silêncio no avião é opressor.Decido buscar um pouco de consolo em uma das cartas que Paola me trouxe. Com as mãos tremendo, retiro o envelope da bolsa e começo a ler. As palavras dela, cheias de amor e apoio, me aquecem um pouco. As lembranças dos momentos que passamos juntas me trás um pouco de paz. Se Paola acredita tanto em mim, talvez eu consiga encontrar uma forma de enfrentar o que está por vir. Fecho os olhos por um instante, respirando fundo, tentando não me deixar abater. Esse não ser o fim da minha história.Quando desembarcamos a primeira pesssoa que avisto é Paola, meu coração se enche d
Paola foi embora exatamente há duas horas. Agora são quase uma da manhã e, sem conseguir dormir, decido sair para caminhar um pouco lá fora.Visto um vestido longo rosado, coloco uma rasteirinha e saio. O elevador chega imediatamente e desço para passear no jardim do condomínio.Vejo alguns guardas a postos; uns me cumprimentam, outros me ignoram.O lugar aqui é lindo. Tem algumas árvores e muitas flores, a grama verdejante se perde entre as árvores, criando um tapete natural que se estende pelo jardim.Enquanto caminho, sinto a fragrância das flores que permeia o ar, uma mistura suave e revigorante que acalma meus sentidos. As árvores, altas e imponentes, oferecem sombra e abrigo, seus galhos balançando suavemente com a brisa noturna. Cada folha parece sussurrar segredos antigos, histórias de tempos passados.As flores, em suas cores vibrantes, pintam o cenário com toques de alegria e vida. Margaridas, tulipas, rosas – todas em plena floração, como se estivessem comemorando a beleza
À medida que ele se aproxima, as luzes fracas do condomínio iluminam parcialmente seu rosto. Meu coração bate ainda mais rápido, e um frio percorre minha espinha. Tento lembrar de onde conheço aquele rosto, mas as luzes fracas dificultam meus pensamentos.Ele para a poucos metros de mim, seu olhar varrendo o jardim como se estivesse à procura de algo – ou de alguém. O ar parece mais denso, e eu prendo a respiração.Finalmente, nossos olhares se encontram. Por um breve momento, o tempo parece parar. Ele franze a testa, como se tentasse me reconhecer, e um misto de curiosidade passa por seus olhos. Minha mente corre com perguntas e suposições, mas minha boca permanece fechada, incapaz de emitir qualquer som.De repente, ele dá um passo em minha direção, e meu corpo reage instintivamente. Eu me levanto e dou um passo para esquerda, afundando minha sandália na grama macia, mas algo me impede de fugir completamente. Talvez seja a curiosidade, ou talvez seja o estranho magnetismo que ele pa