Capítulo dois

Por Hannah Luiza 

Não demora muito, e Carlinhos chega com Matheus. Eles me procuram, e, assim que me veem, caminham na minha direção.

— Vocês podem, por favor, abaixar as armas? — digo a eles, que me encaram. — Estão assustando as meninas.

— Pedindo com esse jeitinho, eu faço qualquer coisa — Matheus responde com uma de suas gracinhas de sempre.

— Sendo assim, então se mate, por favor — retruco, tentando manter um tom fofo, e ele sorri de lado.

— Se eu fizer isso, você vai sentir falta do pai aqui — ele provoca, e eu reviro os olhos.

— Vamos parar com esse papinho de casal, porra! Halu, o que aconteceu? Algum vizinho viu que porra aconteceu aqui? — Carlinhos interrompe.

— Primeiro, maneira no palavrão, estamos numa escola. Segundo, não sei. Vou chamar a Rita; foi ela quem chegou primeiro e talvez tenha visto algo.

Chamo Rita para falar com os meninos, e ela se aproxima, mais pálida do que já é. Vendo o desconforto dela, faço um sinal para Carlinhos, que entende e coloca o fuzil atrás das costas.

— Rita, esses são MT e Luizinho, os donos do morro. Pode contar tudo o que viu para eles.

— Satisfação, tia. Agora manda o papo do que aconteceu no bagulho — Matheus diz, e Rita tenta se explicar, gaguejando.

— Halu, vamos dar uma geral, e qualquer coisa eu bato um fio — Carlinhos diz. Em seguida, dou um beijo em sua bochecha. Amo demais esse meu irmão.

— Qual foi, porra! Os outros vão pensar o quê? — ele reclama.

— Que eu amo esse meu irmão mais do que tudo — respondo, sorrindo.

— E eu não ganho beijinho? — Matheus pergunta, e eu reviro os olhos.

— Vai caçar o que fazer, Matheus.

— Assim você magoa o coração do bandido aqui.

— A Carla vai vir para a escola hoje? — pergunto.

— A situação tá embaçada. Vou deixar ela em casa hoje, guardada.

— Mais tarde eu passo lá para pegar ela e irmos na pracinha.

— Beleza! — Ele me dá um beijo na bochecha e chama Carlinhos para ir embora.

Assim que os dois saem, vou atrás de Rita, que fugiu na velocidade da luz. Tomo um rápido café no refeitório e vou para a minha sala. Sei que hoje teremos poucos alunos, é sempre assim.

Como havia previsto, vieram apenas cinco alunos. A escola estava quase deserta, e Rita achou melhor não ter aula no turno da tarde. Ajudei-a a trancar tudo, e fomos embora.

— Deus te abençoe e te guarde, minha filha — ela diz assim que coloco as sacolas na casa dela.

— Amém! Fica com Deus, tia.

No caminho para casa, decido passar na padaria onde minha amiga trabalha.

— E aí, vadia? — cumprimento, enquanto ela estava de costas.

— E aí, Madre Teresa da Favela. Hoje é sexta, vai pro baile?

— Com toda a certeza que não.

— Saiba que o seu amor vive te procurando — ela diz, debochada.

— Até onde eu sei, não tenho amor nenhum.

— É sério, amiga. O MT vive perguntando de você quando estou no baile.

— Como se ele nunca me visse — reviro os olhos.

— Depois que você parou de ficar com ele, ele mudou.

— Halu, tava ficano com quem? — Gigante, um colega de bairro, pergunta, se aproximando.

— Oi, Gigante. É brincadeira da sua amada Macla. Ela vive presa no passado.

— Sabe que, se tu tiver ficano com alguém, vamo ficá de olho. Tu é nossa princesa, temos que te proteger, principalmente dos cria do asfalto.

— Eu queria ter essa sorte — minha amiga sem neurônios diz com os olhos brilhando.

— Como se fosse grande coisa — digo, revirando os olhos e tirando dinheiro do bolso. — Vai trabalhar e me dá um sonho de doce de leite.

— Você já é o próprio sonho, gata — ouço Gabriel me cumprimentar, sorrindo.

— E aí, Gabriel, tudo bem? — pergunto, mordendo o sonho.

— Pô, mina, tu é a única que não me chama pelo meu vulgo.

— “Mata Rindo” é um apelido tão tosco, e eu acho seu nome tão lindo.

— Só o nome que tu acha lindo? E o dono dele? — ele diz, com uma expressão safada.

— Qual foi, Mata Rindo! Que intimidade toda é essa? Qué morrer, vacilão? — Matheus aparece com uma cara nada boa.

— Foi mal aí, patrão — Gabriel responde, assustado.

Reviro os olhos para Matheus, que se acha meu segurança particular.

— Estou indo lá — digo, finalizando meu sonho.

— Já vai? — Gigante pergunta.

— Um bandido é pouco, dois é muito, e três? Tá na minha hora. Tchau, Macla. Quando fechar, passa lá em casa.

— Tu só vai porque cheguei, né? — Matheus pergunta, rindo.

— Eu vou porque tenho coisas a fazer.

— Vai brotar no baile hoje? — ele pergunta, sabendo a resposta.

— E desde quando eu broto no baile?

Em casa, coloco um funk para tocar, arrumo tudo e preparo o almoço. Depois de comer, me deito no sofá e ligo a TV para assistir à N*****x. Estou quase pegando no sono quando ouço uma algazarra e vou até a janela. Lá, vejo uma criança, no máximo uns dez anos, sendo arrastada por uma moto. Mais distante, avisto uma mulher com um bebê, chorando e gritando.

A moto acelera, e o menino grita de dor. A mulher, desesperada, continua gritando. Eu fico ali, perguntando-me o que essa criança fez para ser tratada dessa forma. A moto se afasta, e eu me aproximo.

— Senhora, o que houve? — pergunto, ajudando-a a se levantar e a levar para minha casa. A mulher volta a chorar, e o bebê se agita.

— E... E... Eles vão matar meu menino — ela diz. Vou até a cozinha, preparo uma água com açúcar e entrego para ela.

Ela se acalma e me explica que o menino invadiu a escola e roubou os computadores para vender e colocar comida em casa.

Peço para que ela permaneça em minha casa e digo que farei de tudo para trazer o filho dela de volta. Vou até os vapores e peço que me levem até lá em cima. Antes de chegar, ouço um disparo e torço para que não tenha chegado tarde demais.

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