Uma risada escandalosa ecoa pelo banheiro, e Harper larga o pedaço do espelho, ignorando o sangue que pinga de sua mão. Ela se aproxima de mim com um sorriso orgulhoso nos lábios, deslizando a outra mão pelo meu ombro.— Você me disse tantas vezes para não esperar por você para resolver meus problemas — Harper murmura, num tom orgulhoso, enquanto saio do banheiro. Ela me segue. — Decidi resolver meus problemas assim que saí da casa de Henry naquele dia.— Não me diga que foi você quem… — murmuro, relutando em completar a frase ao me virar novamente para encará-la. Ela sorri e balança a cabeça negativamente.— Eu? Não, bobinho. Não fui eu quem provocou aquele incêndio acidental, mas… — confessa, ampliando o sorriso. — Alguns milhares de dólares para o cara certo e... whoosh! Pena que aquela m*****a sobreviveu.A raiva explode em meu peito antes que eu possa me conter. Em um movimento, agarro Harper pelo pescoço e a pressiono contra a parede do quarto. Seus olhos se arregalam, e o sangue
“Evie Ashford”Após algum tempo ouvindo todo o relato sobre boa parte do passado de Sebastian — algo que, no fundo, nem sequer me surpreendeu —, saímos da banheira quando a água já estava fria.Envolta em um roupão, sento-me na cama enquanto Henry se afasta para pegar algo no banheiro. Ao voltar para o quarto, ele me puxa para perto, e seu maxilar se contrai quando seus olhos param em meus braços.Acompanho seu olhar e encontro o motivo de sua reação: as marcas em meus braços começam a escurecer. Com um suspiro, ele pega um frasco de hidratante e começa a aplicá-lo sobre a pele machucada. Seu toque, cuidadoso e lento, parece conseguir apagar não apenas a dor física, mas também as memórias desta noite.— Pronto — murmura, depositando um beijo suave sobre minha pele. Seus olhos encontram os meus, cheios de preocupação. — Melhor?Assinto, segurando suas mãos para beijá-las. É difícil acreditar que as mesmas mãos que fizeram um estrago em Sebastian possam me tocar com tanta delicadeza.Ele
“Alguns dias depois…”Meu olhar permanece fixo nos papéis espalhados sobre a mesa de centro, enquanto as lágrimas embaçam minha visão. A cada documento que releio, sinto como se o ar nos pulmões diminuísse.Prontuários inexistentes. Registros médicos apagados. É como se aqueles meses de escuridão nunca tivessem acontecido.Em seu lugar, fotos. Dezenas delas. Eu, supostamente viajando pelo mundo durante o período em que mal conseguia dar dois passos sem tropeçar. Check-ins em restaurantes, hotéis, países… Uma vida que nunca vivi, registrada em detalhes perturbadores.E então, a cereja do bolo: um acidente nos Alpes Franceses, cuidadosamente planejado e convincente, ocorrido poucos dias antes da minha ida à clínica de Adrian, justificando perfeitamente minha perda temporária de visão e invalidando de vez o argumento de que eu estava cega na data em que assinei todos aqueles documentos.Sinto como se estivesse me afogando em mentiras tão bem construídas que até começo a duvidar das minhas
Respiro fundo, ajustando o vestido Valentino azul royal em frente ao espelho antes de pegar a bolsa de mão e me virar para sair do quarto. Meu estômago se revira a cada passo, reclamando com a expectativa da noite que está por vir. Ao descer as escadas, encontro Sebastian Morgan, meu marido, digitando algo em seu celular. Alto, com cabelos loiros, um sorriso cativante e, o principal: meu. Com um sorriso bobo, me aproximo.— Estou pronta, meu am…— Não falei para você ir com o vestido vermelho? — Sebastian me interrompe, lançando um olhar avaliador enquanto guarda o celular no bolso.— Sim, falou, mas esse combina mais com o ambiente. Está ruim?— Não, querida — ele diz, finalmente segurando minha mão para me guiar até a saída da nossa casa. — Mas precisamos brilhar esta noite. Temos um prêmio para receber.— Não seja exagerado, meu amor. Nós nem sabemos se vamos ganhar aquele…— Óbvio que vamos, querida — ele me interrompe, abrindo a porta do carro com um sorriso confiante. — Com aquel
Acordo de repente, sentindo todo o meu corpo doer. A escuridão ainda me cerca, e me pergunto se ainda é noite. O silêncio é pesado, cortado apenas por um “bip” irritante. Tento me levantar, mas a dor rapidamente me atinge, provocando um gemido involuntário.Ao tentar mover o braço esquerdo, sou tomada por uma dor excruciante, acompanhada pelo peso desconfortável de algo que o imobiliza. Meu coração dispara, intensificando o “bip” que ecoa nos meus ouvidos. Então percebo: estou em um hospital.Com esforço, levanto o braço direito. Lentamente, toco meu rosto, tentando entender por que tudo continua escuro se estou acordada. Meus dedos encontram curativos sobre os olhos, e o pânico me atinge, frio e alucinante.Luto para me sentar na cama, ignorando a dor latejante. Meus dedos deslizam pelo lençol até o botão de chamada. Pressiono-o repetidamente, desesperada por respostas.Depois do que parece uma eternidade, ouço passos apressados se aproximando. A porta do quarto se abre e alguém se ap
“Algumas semanas depois… Por Henry Blackwood”O céu londrino está particularmente cinzento hoje, embora isso dificilmente seja uma novidade. Após pegar um novo café — as duas últimas xícaras esfriaram enquanto eu lia relatórios — finalmente posso me dar ao luxo de parar por alguns minutos.Há sete anos, quando decidi me aventurar no mercado hoteleiro, tudo se resumia a um hotel caindo aos pedaços, comentários descrentes, risadas debochadas… Hoje, não só calei a boca de cada um, como fiz da All Seasons um dos maiores impérios da Europa. No auge dos meus 32 anos, me orgulho de tudo o que criei.Meus pensamentos são interrompidos pela vibração do celular sobre a mesa, me fazendo revirar os olhos.— Claro, eu não preciso de descanso, não é mesmo? — resmungo, girando a cadeira de volta para a mesa de mogno. Ao pegar o celular, encontro uma mensagem de Harper, minha noiva.“Não se esqueça do jantar na casa dos meus pais. Estou com saudades.”É inevitável não soltar uma risada ao ler a última
“Alguns dias depois… Por Henry Blackwood”Após três horas de reunião com os acionistas, permaneço na cadeira enquanto os outros membros deixam a sala. Junto o relatório em cima da mesa, observando Benjamin, que me lança o mesmo olhar de todo o tempo da reunião.— Então? — pergunto assim que a porta se fecha, deixando-nos a sós. Benjamin arqueia as sobrancelhas, fingindo não entender. — Você estava inquieto durante toda a reunião.— Estava ansioso para te mostrar isso — ele sorri, abrindo uma revista de negócios sobre minha mesa. — Parece que dessa vez você estava errado sobre Sebastian.Franzo o cenho ao ver as reportagens. São fotos de Evie Ashford em aparições recentes. Em uma delas, ela sorri em um café próximo à Torre Eiffel. Em outra, posa elegantemente diante da Galleria Vittorio Emanuele II, em Milão.— Paris, Milão… Talvez a pressão tenha sido demais, afinal — Benjamin comenta com um tom debochado. — E a querida CEO da Majestic decidiu se rebelar.— Interessante — murmuro, afas
“Evie Ashford”O som familiar dos passos de Sebastian no corredor me faz sorrir antes mesmo de ele entrar. Como todas as manhãs deste último mês, ele chega ao quarto trazendo meu café da manhã, mas desta vez, sua energia é contagiante: abre as cortinas, cantarola… Desde o acidente, Sebastian tem sido meu porto seguro, o único que permaneceu. Seguindo seu conselho, tenho evitado contato direto com as pessoas. A ideia de sentir a pena nos olhares alheios, mesmo sem poder vê-los, me sufoca.Mas, às vezes, no silêncio da casa, sinto falta das minhas amigas. Das risadas, das conversas, da cumplicidade. Sebastian diz que elas me mandam mensagens, sempre com desculpas elaboradas sobre compromissos inadiáveis. É mais fácil assim, suponho. Mais fácil para elas lidarem com minha ausência do que com minha nova realidade.Ao menos tenho Sebastian. Seu otimismo teimoso, sua presença constante. E, por enquanto, isso precisa ser suficiente.— Bom dia, querida — Sebastian me saúda com um beijo suave.