Voltar para casa sem Marta foi difícil! Acho que de todos os tormentos que vivi esse foi o mais difícil. Porém ao entrar na cobertura senti uma imensa paz. Kalebe brincava na sala com Maria. Cheiro de comida no ar. A mesa posta para o jantar. Tudo limpo e arrumado. Assim como eu!
O enterro de minha irmã foi majestoso.
O velório varou a noite para que todos pudessem se despedir. Teve música, comes e bebes e um vídeo de despedida. Teve muita choradeira também. As mulheres que trabalharam para Marta a tinham como uma mãe, os amigos a adoravam e todos os afilhados estavam lá! Foi lindo!
Ela estava linda e foi tudo do jeitinho que queria. Deixou tudo escrito, tudo pago e encomendado. E o Advogado, seu marido, realizou todas as suas últimas vontades e depois do enterro partiu. Foi para o sul. Tinhas parentes por lá.
- Deixei
HEROÍNAUm romance de Raquel de Oliveira(Baseado em fatos reais)Renda-se como eu me rendiMergulhe no que você não conhececomo eu mergulhei.Não se preocupe em entender,viver ultrapassa qualquer entendimento.(Clarice Lispector)HEROÍNA(Baseado em fatos reais)DEDICO ESSE LIVRO:A todos aqueles que acreditam que viver ainda vale à pena.A vida, que pode ser surpreendente!Ao meu filho Kalebe.In memoriam aos amigos que se foram.
TESTEMUNHA OCULAR Pensar em olhar por aquela janela me enchia de um pânico de morte. Mesmo assim me movi em sua direção. Precisava ver para acreditar no que tinha acabado de acontecer! Terceiro andar e lá embaixo o corpo de João jazia espatifado dentro de uma lagoa de sangue. Mal podia acreditar! Ele se jogou do terceiro andar na onda, na neurose da droga e apavorado com toda a sacanagem que rolava em volta. Nada que pudéssemos prever. Aquela rota era só mais uma! E apesar de terem acontecido algumas coisas per
O maior reduto gay já visto no Rio de Janeiro e o mais famoso do país. Foi eternizado pela música de Agnaldo Timóteo como a Galeria do Amor.Por três décadas, a partir dos anos setenta foi um ‘point’ badalado em Copacabana, mas ser gay nos anos 90 ainda era visto como imoralidade e alvo de descriminação e rejeição. A Galeria era um dos poucos lugares do Rio onde podia-se soltar a franga literalmente e ser feliz!Repleta de michês que iam faturar dinheiro com os gays que frequentavam o lugar. Era o palco iluminado onde se gozava de plena liberdade de gênero e onde a paz reinava entre as mais diferentes tribos. Conservou seu ‘glamour’, encanto e até uma ingenuidade artística e romântica por três décadas. O final dos anos 90 foi perdendo espaço para a corrupção das d
Vida difícil aquela! Tempos de grandes aflições! Não que tivesse sido fácil até então. Mas existe a chuva e os temporais!E naquele momento grandes temporais sacudiam a vida das meninas.A morte do pai, o abandono da mãe, a família desfeita pela miséria, a luta para sobreviver. Marta tendo que se virar na vida e cuidar da família, menina ainda!Superou! Transformou-se em vitoriosa com a limonada que fez do limão que a vida lhe deu: a prostituição!E de sua irmãzinha Laura foi mãe! Cuidou e protegeu sua preciosa até o fim! E nisso também foi ganhadora!Laura enfrentou o abandono, a solidão, a depressão, o casamento fracassado, um marido violento e cruel, a revolta interior e a pior de todas as tormentas – as drogas. Ela fez escolhas infelizes
Sentiu o gelo da morte, mas mesmo assim ainda no escuro, ajeitou o braço e o corpo de seu Zé sob as cobertas e aí sim abriu a janela e olhou para cama. Seu Zé Carlos estava morto! Olhos fechados, boca meia aberta e um semblante tranquilo. Parecia dormir não fosse a cor de chumbo do rosto que lhe dava uma aparência macabra e doentia. Fechou os olhos e levou a mão sobre a boca e respirou profundamente. Ajoelhou na beira da cama e fez uma prece em favor da alma do pai, o abraçou, beijou sua testa fria como o gelo, agradeceu por tudo que ele fez por ela. Morreu como um passarinho Seu Zé! Sem fazer barulho.Marta estava acostumada com a morte. Nas calçadas por onde andava nas noites de puta em Copacabana já tinha visto uns defuntos. Alguns até vítimas de morte matada o que tornava a cena bem apavorante. Também enterrou o irmão mais
Marta foi morar em uma vaga no puteiro de Madame de Copacabana. Mudou-se definitivamente para essa vaga abandonando as noites das ruas de Copacabana como puta de calçada. Tinha dezesseis anos e já era bem conhecida nas ruas. Era prostituta desde os treze anos de idade e se virava no Calçadão. Foi indicada por um cliente muito rico e influente, frequentador das noites em Copacabana e que se encantou com a beleza da moça ao conhece-la em uma festa. Só assim para conseguir uma vaga na casa de Madame de Copacabana: indicação de freguês vip, esse era o Advogado!O Advogado conhecia Marta desde seus quatorze anos e era um apaixonado. Se apaixonou pela beleza nordestina de Marta desde a primeira vez que a viu e nunca mais deixou de procurar por ela. Ficaram amigos. Ele era moço solteiro, vindo do sul para trabalhar num grande escritório de advocacia. Esse escritório
Era a queridinha do patrão! E seus clientes sempre voltavam. Não importava em que calçada estivesse. Eles sempre voltavam!Avenida Prado Junior esquina com a Rua Ministro Viveiro de Castro era onde ficava seu ponto. O ponto das meninas do Ernesto. E o rebuliço era geral! Todos e todas comentando sobre o que passou o tal cafetão. Ele e seus homens foram perseguidos, capturados e amarrados. Tomaram uma surra de pau de parar o calçadão! Foi o tal Ringo de Copacabana que procurou o canalha até achar. Esse era um policial muito famoso na época, era durão e defensor das putas e dos travestis. Uma espécie de anti-herói. E diziam que era do tal Esquadrão da Morte.Chegou com alguns homens que pareciam policiais e arrancou Ernesto e seus cupinchas do Beco da Fome debaixo de porrada! Apanhou muito o cabra! Foram colocados na caçapa de
Conjunto Habitacional Marquês de São Vicente era o nome do novo lar das irmãs.Laura com quase doze anos e cheia de esperança em viver coisas felizes. Marta com vinte e um e cheia de planos na cabeça. Agora, elas eram proprietárias!O prédio era enorme. Sua estrutura sinuosa impressionava!Em forma de serpente! Era assim a estrutura do Minhocão que serpenteava aos pés do Morro Dois Irmãos. Com 500 metros de altura, 250 metros de comprimento e elevado sobre Pilotis, corredores longos, seis andares, mais de trezentos apartamentos, doze apartamentos por andar e cerca de dois mil moradores. Era um mundo aquele lugar e aos poucos, as meninas foram percebendo que fora a estrutura de cimento armado e as esquadrias de alumínio tudo remetia a uma grande favela. Um túnel que passava por baixo do prédio fazia um barulho constan