E assim nos divertimos muito no Coluna, como nos velhos tempos. Só que éramos pessoas diferentes agora. Eu, no meu eterno vai e vem, entre idas e vindas ao banheiro e as doses que me deixaram numa boa a noite toda. Telma não saia do meu pé e lá pelas tantas já muito doida acabou confessando que Marta a incumbiu de cuidar de mim e que era para eu voltar para casa fosse como fosse. Ela já sabia da Heroína, todos sabiam e ela conhecia bem. O Alemão foi viciado em Heroína por um bom tempo. Na Alemanha é comum. Ela o conheceu assim. Hoje ele só cheira Cocaína. Ela passou muito sufoco com o cara e viu o rumo que as coisas estavam tomando. Por isso deu um tempo. Disse que a vida era minha e que elas não tinham o direito de interferir. Mas que estavam ali para ajudar. Lá pelas tantas Solange e Gracinha saíram para um programa.&
O calor do sol no meu rosto me despertou. As janelas abertas do quarto de hospital traziam a presença do dia. A brisa era suave e quente e o cheiro das flores invadiam o lugar.- Estou sentindo cheiro das flores! – gritei bem alto.Não estava com medo, nem insensível. Além dos odores do lugar senti o calor do sol e o sopro quente do vento no rosto.Eu estava sentindo! E estava bem.Dr. Marcelo e um enfermeiro entraram sorridentes me dando bom dia. Me surpreendi, pois retribui o cumprimento. Estava feliz em vê-lo! Em ver um rosto conhecido. E aquele alívio acho que na alma, em saber quem eu era e finalmente livre das alucinações.- Bom dia Laura. – Dr. Marcelo sorrindo.- Bom dia senhorita. – O enfermeiro simpático.- Bom dia senhores. Sou eu dr., a Laura. Bom dia pro senhor também.
Tinha sonhos e muito amor para dar a minha família que cuidou de mim e não deixou que eu me acabasse. Eles lutaram do jeito deles por minha vida e muitas vezes até mais que eu mesma. Assim sendo todo o sofrimento foi enterrado naquele belíssimo almoço de domingo organizado para me receber em casa. Eles me perdoaram e eu perdoei a mim mesma. Tudo era passado! Nos meses que se seguiram o objetivo era ficar limpa. Eu frequentava os grupos de Alcoólicos Anônimos (A.A), o de Narcóticos Anônimos (N.A.). Por um bom tempo me dediquei a um centro de recuperação que funcionava como um ambulatório. Oferecia oficinas, grupos de recreação e atividades artesanais, sala de convivência, biblioteca e grupos de conversa, além das consultas habituais de psicólogo e médico. Davam os remédios e café
Voltar para casa sem Marta foi difícil! Acho que de todos os tormentos que vivi esse foi o mais difícil. Porém ao entrar na cobertura senti uma imensa paz. Kalebe brincava na sala com Maria. Cheiro de comida no ar. A mesa posta para o jantar. Tudo limpo e arrumado. Assim como eu!O enterro de minha irmã foi majestoso.O velório varou a noite para que todos pudessem se despedir. Teve música, comes e bebes e um vídeo de despedida. Teve muita choradeira também. As mulheres que trabalharam para Marta a tinham como uma mãe, os amigos a adoravam e todos os afilhados estavam lá! Foi lindo!Ela estava linda e foi tudo do jeitinho que queria. Deixou tudo escrito, tudo pago e encomendado. E o Advogado, seu marido, realizou todas as suas últimas vontades e depois do enterro partiu. Foi para o sul. Tinhas parentes por lá.- Deixei
HEROÍNAUm romance de Raquel de Oliveira(Baseado em fatos reais)Renda-se como eu me rendiMergulhe no que você não conhececomo eu mergulhei.Não se preocupe em entender,viver ultrapassa qualquer entendimento.(Clarice Lispector)HEROÍNA(Baseado em fatos reais)DEDICO ESSE LIVRO:A todos aqueles que acreditam que viver ainda vale à pena.A vida, que pode ser surpreendente!Ao meu filho Kalebe.In memoriam aos amigos que se foram.
TESTEMUNHA OCULAR Pensar em olhar por aquela janela me enchia de um pânico de morte. Mesmo assim me movi em sua direção. Precisava ver para acreditar no que tinha acabado de acontecer! Terceiro andar e lá embaixo o corpo de João jazia espatifado dentro de uma lagoa de sangue. Mal podia acreditar! Ele se jogou do terceiro andar na onda, na neurose da droga e apavorado com toda a sacanagem que rolava em volta. Nada que pudéssemos prever. Aquela rota era só mais uma! E apesar de terem acontecido algumas coisas per
O maior reduto gay já visto no Rio de Janeiro e o mais famoso do país. Foi eternizado pela música de Agnaldo Timóteo como a Galeria do Amor.Por três décadas, a partir dos anos setenta foi um ‘point’ badalado em Copacabana, mas ser gay nos anos 90 ainda era visto como imoralidade e alvo de descriminação e rejeição. A Galeria era um dos poucos lugares do Rio onde podia-se soltar a franga literalmente e ser feliz!Repleta de michês que iam faturar dinheiro com os gays que frequentavam o lugar. Era o palco iluminado onde se gozava de plena liberdade de gênero e onde a paz reinava entre as mais diferentes tribos. Conservou seu ‘glamour’, encanto e até uma ingenuidade artística e romântica por três décadas. O final dos anos 90 foi perdendo espaço para a corrupção das d
Vida difícil aquela! Tempos de grandes aflições! Não que tivesse sido fácil até então. Mas existe a chuva e os temporais!E naquele momento grandes temporais sacudiam a vida das meninas.A morte do pai, o abandono da mãe, a família desfeita pela miséria, a luta para sobreviver. Marta tendo que se virar na vida e cuidar da família, menina ainda!Superou! Transformou-se em vitoriosa com a limonada que fez do limão que a vida lhe deu: a prostituição!E de sua irmãzinha Laura foi mãe! Cuidou e protegeu sua preciosa até o fim! E nisso também foi ganhadora!Laura enfrentou o abandono, a solidão, a depressão, o casamento fracassado, um marido violento e cruel, a revolta interior e a pior de todas as tormentas – as drogas. Ela fez escolhas infelizes
Sentiu o gelo da morte, mas mesmo assim ainda no escuro, ajeitou o braço e o corpo de seu Zé sob as cobertas e aí sim abriu a janela e olhou para cama. Seu Zé Carlos estava morto! Olhos fechados, boca meia aberta e um semblante tranquilo. Parecia dormir não fosse a cor de chumbo do rosto que lhe dava uma aparência macabra e doentia. Fechou os olhos e levou a mão sobre a boca e respirou profundamente. Ajoelhou na beira da cama e fez uma prece em favor da alma do pai, o abraçou, beijou sua testa fria como o gelo, agradeceu por tudo que ele fez por ela. Morreu como um passarinho Seu Zé! Sem fazer barulho.Marta estava acostumada com a morte. Nas calçadas por onde andava nas noites de puta em Copacabana já tinha visto uns defuntos. Alguns até vítimas de morte matada o que tornava a cena bem apavorante. Também enterrou o irmão mais