Os dias passaram mais devagar do que eu imaginava. Eu me sentia sufocada naquela casa, como se cada parede estivesse me vigiando, me lembrando que eu não tava ali porque queria.Falcão me tratava como se nada tivesse acontecido, como se fosse normal ele me tirar da minha casa e decidir que eu tinha que ficar ali. Ele saía, resolvia as merdas dele e voltava como se fosse dono de tudo—incluindo eu.A única coisa que eu consegui arrancar dele foi a permissão pra continuar trabalhando. Ele não gostou, mas aceitou. Pelo menos isso.Mas o que me incomodava de verdade era a mãe dele.Dona Cecília me olhava torto desde o dia que eu cheguei. No começo, achei que fosse surpresa ou preocupação, mas agora eu sabia que era outra coisa. Ela não gostava de mim ali.E, sinceramente? Eu também não gostava de estar.— Você comeu direito? — Falcão perguntou do nada, se sentando no sofá ao meu lado.Revirei os olhos.— Você acha que eu sou criança agora?Ele suspirou, passando a mão no rosto.— Tô pergun
Passei o resto do dia remoendo a conversa com minha avó. Eu sabia que ela tava certa, que esse mundo não era pra ela, mas eu precisava dela perto. Eu não ia conseguir passar por tudo isso sozinha.Quando Falcão chegou em casa à noite, jogando as chaves na mesa como sempre fazia, criei coragem.— A gente precisa conversar.Ele arqueou a sobrancelha, se jogando no sofá.— Lá vem… fala.Respirei fundo, tentando não perder a paciência antes de começar.— Quero que minha avó venha morar aqui.Ele riu de canto, balançando a cabeça.— Tá ficando doida, né?Trinquei os dentes.— Eu tô falando sério, Falcão.Ele me encarou por um momento, depois se levantou, vindo até mim devagar, como quem já sabe que a conversa não vai dar em nada.— Aqui não é lugar pra velha, Lara. Minha casa não é casa de família, cê sabe disso.— E daí? — Cruzei os braços, não recuando nem um centímetro. — Eu preciso dela aqui. Eu tô grávida, não dá pra ficar sozinha o tempo todo.Ele bufou, esfregando o rosto.— Cê não
Chegamos no posto e eu já tava com a cabeça a mil. A última coisa que eu queria era ter que lidar com Falcão o dia todo. O cara parecia ter um poder de ser insuportável, mas, quando ele decidiu que ia me acompanhar, não tinha jeito. O cara foi junto até o posto, e me olhava como se estivesse supervisionando até o ar que eu respirava.A médica nos chamou, e eu suspirei fundo, tentando me preparar pro que fosse vir.— Lara? — A doutora gritou lá de dentro, e eu passei por Falcão sem nem olhar pra ele. Ele que se virasse.Entrei na sala, e, claro, lá estava Falcão, tentando entrar junto, todo metido. Dei uma olhada nele e falei, sem paciência nenhuma:— Cê tá de sacanagem, né? Vai ficar aí fora.Mas, claro, Falcão não ia ficar de fora. Ele me olhou com aquele olhar de quem tava prestes a começar uma briga e disse:— Eu vou entrar, sim, Lara.Ah, meu Deus… Eu já sabia que não ia ter como vencer essa batalha. Revirei os olhos e dei de ombros. Se ele queria ser o rei do pedaço, que fosse. S
Falcão Beleza, lá vou eu, pensando na merda da situação e querendo, sei lá, fazer as paradas direito. Não queria que a Lara fizesse peso por causa da gravidez, tava começando a me preocupar com ela e com o bebê, então resolvi descer lá pra casa da avó dela e ajudar. Eu sabia que ela não tinha pegado nada quando fui lá levar ela pra casa, e como não queria que ela ficasse fazendo esforço, decidi dar esse rolê por ela. Vai saber o que pode acontecer, né? Antes de descer, parei na boca, entrei na sala e fui direto na gaveta da mesa, onde eu sabia que tinha um bolo de dinheiro. Peguei o dinheiro, contei rapidinho, e a grana parecia ser o suficiente pra ela fazer o que tivesse que fazer. Pra organizar as paradas do bebê, o chá revelação e essas merdas todas que ela queria. Era muito dinheiro, mas quem sou eu pra dizer não? Ela precisava de uma força, então lá fui eu, sem pensar duas vezes. Fechei a gaveta e botei a grana no bolso. Peguei o carro, dei aquela olhada pra ver se tava tudo
Falcão Saí do quarto puto. Minha mãe tinha que aprender a fechar a porra da boca antes de falar merda. Desci as escadas ainda fervendo de raiva e fui direto pra cozinha pegar um copo d’água, tentando esfriar a cabeça.Sombra tava na sala, largado no sofá, com um baseado na mão. Ele me olhou e soltou um riso debochado.— Qual foi, patrão? Tá com a cara de quem quer matar um.Joguei o copo na pia e me encostei na parede, cruzando os braços.— Minha mãe enchendo o saco. Meteu o louco pra cima da Lara, falou que ela quer dar golpe da barriga.Sombra riu de canto.— Ué, e tu já não falou essa merda também?Revirei os olhos.— Já, mas uma coisa é eu falar. Outra é os outros.Ele gargalhou.— Ah, agora entendi. Tu pode chamar de vagabunda, mas se alguém falar, o bagulho fica doido?Peguei o beck da mão dele e dei um trago, sentindo a fumaça acalmar meu peito.— A mina tá carregando meu filho, porra. E eu falei merda no calor do momento. Agora já era, é minha responsa.Sombra balançou a cabe
A casa tava estranhamente quieta. Depois da treta com a mãe do Falcão, eu achei que ia rolar guerra todo dia, mas ela sumiu pro quarto e nem olhou mais na minha cara. Melhor assim.Eu desci pra cozinha pra beber água, ainda com a cabeça a mil. Minha vó tava dormindo no quarto que o Falcão tinha improvisado pra ela, e ele? Sei lá. Provavelmente na sala, largado no sofá ou fumando um.Encostei no balcão, passando a mão pela barriga. Já tava começando a sentir uns incômodos, umas dores leves. A médica disse que era normal, mas toda vez que doía, eu ficava com aquele medo idiota de acontecer alguma coisa.Minha vida tinha virado de cabeça pra baixo tão rápido que às vezes eu me perguntava como eu ainda tava de pé. Perdi meus pais, mudei de cidade, fui morar no morro, engravidei de um cara que eu mal conhecia… e agora tava aqui, tentando construir alguma coisa no meio desse caos.Ouvi passos pesados vindo da sala e logo o Falcão apareceu na porta da cozinha, sem camisa, com o cabelo todo b
A tarde seguiu devagar. O movimento na loja diminuiu, e eu pude finalmente respirar um pouco. Tava cansada, mas sabia que não podia deixar que a cabeça ficasse só nas mesmas questões, na mesma conversa com Falcão. Eu precisava de um tempo para parar de pensar nele, parar de me preocupar com o que ele faria ou deixaria de fazer.Quando a chefe me dispensou, fui embora sem nem olhar para trás. Falcão estava lá fora, me esperando. Mas eu não queria mais aquela tensão, aquela necessidade de respostas que nunca vinham. Fui em direção ao carro, sem dar espaço para mais palavras desnecessárias. Não ia mais me prender naquilo.Ele me observou em silêncio enquanto eu entrava no carro. O caminho até minha casa foi tranquilo, e eu finalmente consegui focar em mim, em como seria bom chegar em casa, relaxar e pensar em coisas que realmente importavam. Ficar ali, remoendo os mesmos problemas, não ia me levar a lugar algum.Quando chegamos em frente à nossa casa, ele parou o carro e me olhou. Não qu
LaraEu não sabia o que fazer com tudo isso. Falcão me deixava confusa, me fazia sentir coisas que eu não queria, mas que, no fundo, não dava pra negar. Eu tava ali, tentando manter o controle da situação, mas tudo que ele fazia era me deixar mais perdida. Não sabia se tava me apaixonando por ele ou se odiava o que ele representava.Eu saí do quarto sem olhar pra trás, e quando fechei a porta, senti uma espécie de alívio, mas ao mesmo tempo, um vazio. O ar da casa parecia mais denso, como se as coisas tivessem parado de se mover ali dentro. Como se tudo girasse em torno daquele homem, que, por mais que eu tentasse, não conseguia entender.O corredor estava silencioso, e eu me apoiei na parede por um instante, tentando organizar meus pensamentos. Mas, o que eu sentia agora? Raiva? Desespero? Confusão? Uma mistura de tudo. E, por mais que eu tentasse, não conseguia fugir disso.A raiva começou a tomar conta de mim quando pensei naquela mulher. Ele tinha ido pra cama com ela na minha fre