Chego do hospital com meu pai. Carrego Michael nos braços, ele ainda dorme profundamente, mas sei que não vai resistir por muito tempo. Coloco-o no berço com cuidado, observando seu rostinho tranquilo. Quando volto para a sala, a carranca de meu pai me encara com um olhar carregado de reprovação.— Deus! Tinha que ser esse lugar? Justo aqui? Você fez de propósito, não fez? — Ele questiona, ainda sentado no sofá apertado da nossa minúscula sala, a voz cheia de frustração.Minhas mãos se fecham na cintura, uma tentativa de controlar a ira que começa a crescer dentro de mim.— Deus, digo eu! Você realmente acha que eu gostaria de morar nesse fim de linha? Lembre-se que nossa pobreza não foi um acidente! Eu me sinto tão desafortunada nessa vida que acho que, se perdesse uma agulha num palheiro, eu a encontraria se me sentasse nele. Se não puder ajudar, fique calado. Afinal, o importante é participar, não é mesmo? — As palavras saem com uma raiva abafada, como se eu carregasse o peso de um
Fiz o almoço e levei para papai. Dei uma papinha de abacate e mel que eu comprei ontem para Michael. Depois que almoço, vou tomar banho. A secretaria havia me dito que eu precisava chegar às duas horas da tarde.Saio às dez horas da noite.Coloco uma calça jeans escura, uma camiseta preta e uma blusa de moletom da mesma cor. Calço tênis preto e depois de dar um beijinho em Michael que já está dormindo, dou um beijo no meu pai.—Pai, estou indo.—Obrigada por estar fazendo isso por mim. Do jeito que aquele homem olhou para mim quando ele descobriu o roubo, sei que eu sofreria muito nas mãos dele. Acredito que por você não ter nada a ver com o roubo ele não irá te cobrar tanto.Eu me arrepiei com suas palavras. Meu pai não sabe da missa a metade. Ele não sabe quem Daniel se tornou e com quem ele se meteu.Pai, vou indo. Não quero chegar atrasada no meu primeiro dia de trabalho. Dou um beijo nele e tento não pensar muito sobre isso durante o trajeto até o Olimpo.Logo que chego sou orien
Lucy chega nesse momento, seu semblante se fecha imediatamente ao me ver falando com Mancini.— Explique depois para a senhorita Johnson as regras.A secretária assente com um leve movimento de cabeça.— Sim, senhor Mancini.Ele abre a porta de forma brusca, como se convidasse não apenas a entrar, mas também a sentir o peso do ambiente.— Entre!Empurro o carrinho para dentro do escritório, sentindo o peso invisível das tensões no ar. Três homens altos e corpulentos estão em pé, rodeando um senhor de meia-idade que parece menor do que realmente é, encolhido sob a pressão dos olhares.Mancini se aproxima lentamente, sua voz baixa como um murmúrio cortante.— O senhor é um tanto corajoso, Sr. Fox. Preciso lembrá-lo com quem está lidando?A presença dele preenche o ambiente. Ele se senta com a calma controlada de quem sabe que domina a situação. Sua postura rígida e o olhar severo fazem o senhorzinho hesitar antes de responder.— Sinto muito, senhor Mancini. Eu errei. Não notei que ela e
— Por que você manteve o meu pai com vida, mesmo com o roubo? Foi por causa de Daniel?Antony me encara diretamente, e o sorriso que aparece no rosto dele é tão irritante quanto desconcertante.— Porque não somos tão maus assim, hoje em dia. Resolvemos rumar para o bem, para o lícito, para o correto. Estamos nos empenhando muito nisso.Olho para ele com descrédito, mordendo a língua para não retrucar. Desvio os meus olhos dos dele, mas ele continua:— E se eu dissesse que aquela conversa que você ouviu foi uma armação?A minha cabeça se ergue de imediato.— Armação? Como assim?— Sim, isso mesmo que ouviu, senhorita Johnson. O senhor Fox, em comum acordo comigo, entrou no meu jogo. Tudo aquilo que ouviu não faz mais parte de nós. Hoje agimos dentro da lei. Se ele tivesse me roubado, eu faria um boletim de ocorrência, como qualquer cidadão comum. Todos nós estávamos nos divertindo às suas custas.Sinto meu rosto queimar de indignação.— Por que fez aquilo? — pergunto, tentando conter o
KateVi quando aquele homem alto entrou no escritório de Mancini. Ele passou por mim sem sequer notar minha presença, movendo-se com uma determinação fria. Sempre soube que o uniforme de empregada nos torna invisíveis, mas, de certa forma, isso não deixa de ser conveniente. Lucy, a secretária, sai da antessala e vai para o corredor, parando como uma estátua diante da porta de Antony.— O que houve? — pergunto, curiosa.— Don está com o senhor Mansur. Quando ele entra em uma sala, é proibido ficar na antessala.— Por quê? — insisto.— As paredes deste cassino são muito finas.— Ah, tá. — Murmuro, sentindo um peso no peito. Esse emprego parece piorar a cada dia.Respire, digo a mim mesma. Vai dar tudo certo.— Você acha que aconteceu algo para ele estar aqui? — questiono, incapaz de conter minha curiosidade.— Com certeza.Que estranho, penso.Não demora muito, e a porta se abre. Mancini sai de lá transtornado. Assim que Lucy o vê, abaixa a cabeça. Eu faço o mesmo, instintivamente.Deus
No dia seguinte, levanto-me bem cedo. O silêncio da casa ainda repousa nos cantos enquanto coloco a água para ferver. O aroma do café fresco enche a cozinha e acalma meu coração, que insiste em começar o dia aos pulos. Meu pai surge pelo corredor, ajeitando o colarinho da camisa, e não demora a pegar a sua xícara fumegante. Ele a segura como se o calor fosse sua força para enfrentar o dia. Depois de alguns goles e poucas palavras, sai decidido a resolver a sua aposentadoria.Quando Michael acorda, já terminei boa parte das tarefas domésticas. Ao vê-lo, meu coração aquece. Seu sorriso é como um raio de sol invadindo um dia nublado. Aproximo-me do berço com um sorriso largo, aquele que guardo só para ele. "Bom dia, meu pequeno!" Acaricio a suas bochechas macias e o encho de beijos, arrancando dele gargalhadas que fazem ecoar vida pela casa. O pego nos braços, sentindo o seu cheirinho único, e o balanço suavemente antes de trocá-lo.Cada dia que passa ele se parece mais com Daniel.Deus,
KateAo chegar à ala norte, o ar está carregado, quase palpável, como se as paredes escondessem um segredo prestes a explodir. As garçonetes se reúnem em pequenos grupos, cochichando com uma excitação evidente. O nome do novo chefe é o centro de todas as conversas, e a tensão paira no ambiente como uma corda esticada, prestes a se romper.De repente, Laura, a moça das fichas, aparece. Desde que nos tornamos amigas, ela parece ter um radar para surgir nos momentos mais inesperados. Assim que me vê, caminha apressada na minha direção.— O chefão está aqui. Já pediu uma reunião com todas as garçonetes, por isso esse alvoroço. — Seus olhos brilham de curiosidade.— É mesmo? E o que você está fazendo aqui? Pelo que eu sei, você trabalha no caixa vendendo fichas. — Brinco, tentando esconder meu próprio nervosismo.— Estou aqui de enxerida, claro. E você? Não é de trabalhar nesse horário.— Entrei mais cedo para resolver umas coisas. — Forço um sorriso, tentando mudar de assunto.— Você viu
Eu o encaro, pela expressão do meu rosto ele sabe que estou resoluta em afastá-lo de minha vida. —Kate... —Ele diz, rouco. —Daniel, por favor... Eu o encaro com tristeza e vejo que ele fica desconcertado. Embora ele tenha permitido que eu o afaste, sei que ele não aceita. Então a expressão dele muda e ele encara-me de um jeito duro, o seu rosto uma pedra. —Por favor, o quê? O seu lugar é ao meu lado!—Não temos volta. Não, depois da decisão que tomou. As minhas palavras não apenas o incomodam de novo, mas sinto que consigo enfurecê-lo. Contemplo-o com temor, enquanto fecha os olhos e aperta os punhos... é a primeira vez que eu o vejo assim. Ele dá um passo em minha direção. Eu me encolho como um animal acuado.—Não. —Ergo as minhas mãos. — Por favor.Ele me olha ofegante. O seu rosto se transforma novamente, ele me olha como uma fera. —Deus! A decisão que tomei foi por você! Quantas vezes terei que repetir isso?! — Daniel urra.Um sentimento de tristeza se crava no meu peito. —