CAPÍTULO 6

                                                               Maya Costa

         - L-Leandro? O que está fazendo aqui? – sinto o desespero tomar conta e calafrios percorrerem o meu corpo.

         Como ele descobriu onde eu estava? Como era possível? Ele sabia de tudo desde o início?

         Acho que vou vomitar...

         - Eu quem te pergunto meu amor – dá um passo em minha direção e eu dou outro para trás – O que VOCÊ está fazendo aqui? Passei o dia inteiro te procurando, não imagina o quanto  fiquei preocupado quando acordei hoje e vi que não estava em casa – ele dizia tudo com um tom muito calmo e até sorria de uma forma estranha, como se realmente estivesse preocupado, mas eu sabia que não passava de uma atuação.

         Ele não podia estar mais furioso do que agora, mas, ainda assim, não daria um escândalo na frente de Dona Eliana, a sua imagem de bonzinho estava sendo plantada. Tudo para não mostrar o verdadeiro Leandro, o monstro de todos os meus dias.

         - E-Eu... – eu não conseguia pensar em uma desculpa.

         Nada me vinha em mente, não tenho como escapar, falhei mais uma vez. Só espero sair viva disso no final.

         - Vamos para casa – segura firme em meu braço.

         - Não! – Dona Eliana se intromete puxando o meu outro braço – Nem mais um passo, Maya fica.

         - Minha senhora, já não te disseram para não se meter na vida dos outros? Tenho que resolver os meus problemas com a MINHA mulher – tira os olhos de mim e a encara.

         - Maya fica! Ela não vai voltar para casa com um monstro que nem o senhor, pensa que não sei o que a faz passar?

         - É mesmo? Quem vai me impedir de levá-la? Você? – a olha com desprezo.

         - Eu vou chamar a polícia – Ela diz indo em direção ao telefone, mas Leandro se coloca em sua frente.

         - Você está falando com a porra da polícia, agora vê se cala a boca e TOMA CONTA DA MERDA DE SUA VIDA – agora se vira para mim respirando pesado pela sua raiva - PEGUE A MERDA DAS SUAS COISAS E VAMOS - diz firme e pausadamente deixando sua fúria transparecer por cada sílaba.

         Dona Eliana olha pra mim assustada e nega com a cabeça, mas ignoro seu pedido. Eu sei que, se não obedecê-lo, Leandro é capaz de acabar com essa mulher inocente. Sempre serei grata à família de Sophie por fazer uma tentativa, mas eu tinha que aceitar a realidade, a minha vida já estava condenada. Eternamente presa a um monstro.

         - Adiante, não tenho todo tempo do mundo – o escuto dizer antes de entrar no corredor em direção aos quartos.

         Choro em silêncio. Eu sou fraca! Fraca demais para qualquer tipo de plano como esse, fraca demais para sair disso.

         Como não tinha tirado quase nada da mala ainda, foi bem rápido. Levo tudo para a sala e ele vai levando para o carro. Volto para pegar Théo e, antes de sair, paro para falar com Dona Eliana.

         - Não vá menina – toca em meu braço com carinho.

         - Obrigado por tudo, diga a Sophie que agradeço muito pela tentativa – a abracei e sussurrei em seu ouvido – Eu vou dar um jeito, vou falar com Sophie.

         - Toma cuidado – diz quando nos separamos.

         - Vamos – escuto Leandro falar atrás de mim.

         Ele me guia até o carro com a mão possessa no final das minhas costas. Aquele toque só me causa repulsa e arrepios. Seguro meu filho mais firme em meus braços e entro no banco de trás do carro.

         - VOCÊ ACHA QUE EU SOU IDIOTA? - ele grita assim que entra no carro e sinto o corpo de Théo tremer em meus braços. Ele tinha acordado assustado e eu encostei sua cabeça de volta em meu ombro com medo do que Leandro pode fazer.

         - Leandro, em casa...

         - CALE A BOCA! - dá um murro no volante - NO QUE ESTAVA PENSANDO? QUE EU NUNCA TE ACHARIA E VIVERIA FELIZ PARA SEMPRE? VOCÊ É MINHA MAYA, MINHA MULHER, MINHA POR DIREITO!

         - Por direito? Me comprou por acaso? Você me força a estar contigo! Não somos casados e nem nada, tudo não passa de um capricho seu.

         - É MESMO? POIS ENTÃO PROVA! PROVA QUE EU FIZ ISSO TUDO! QUERO VER CONSEGUIR.

         - Como me achou?

         - Simples! Existe uma coisa chamada GPS e o seu celular tem um sabia? Por que acha que eu te proíbo de colocar uma senha?

         - Você me rastreou Leandro? É sério isso? 

         - Assim como te rastreio todos os dias, sei de todos os seus passos querida. Pode deixar que em casa irei te mostrar o que merece em troca da sua arte querida.

                                                       Benjamin Padovanne

         Mais uma vez naquela praia, porém, mais uma vez, o cenário era diferente. O céu estava fechado, o vento zunia forte e frio, o mar estava cinza e os girassóis não brilhavam como nos primeiros dias, mas estavam cinza, escuros como a noite.

         Eu andava pela areia a procurando, mas ela não estava aqui. Não escutava a sua voz. Queria saber o seu nome para gritá-lo e fazê-la vir até mim, mas eu não sabia...

         Começo a achar que dessa vez ela não vem, porém esqueço qualquer coisa quando sinto dois braços me abraçarem por trás e o impacto do seu corpo desesperado bater contra o meu.

         - Ei... – virei sorrindo só com sua presença, mas meu sorriso se perde ao perceber que ela chorava e tremia compulsivamente – Ei... O que está acontecendo? Você está bem? – seguro seu rosto.

         - Achei que não viria hoje, você demorou tanto – soluça – Achei que teria de aguentar tudo isso sozinha – chora ainda mais e a puxo para um abraço.

         Queria tirar um pouquinho que fosse do seu desespero, mas não sei como.

         - Tudo isso o que?

         Pergunto, mas ela me encara calada. Seus olhos só me transpassam dor, medo, angústia. Tem algo muito errado com essa mulher e, mesmo não tendo ideia de quem seja, eu quero ajudá-la.

         - Da última vez você me pediu ajuda, mas não me disse o que aconteceu – tento aquecer o seu corpo contra o meu, ela parecia tão frágil.

         Mesmo com um ambiente caótico desses, o toque de sua pele na minha ainda era capaz de me causar choques e uma sensação muito boa. Era como se meu corpo se acendesse ao lado dela. Tenho certeza que não deveria estar sentindo isso, vou me casar com Helena!

         - Não vamos falar sobre isso agora – volta a me abraçar – Só o fato de você estar aqui já me ajuda – aperta ainda mais o abraço e eu movo minhas mãos por suas costas com o intuito de acalmá-la.

         - Me fala quem é você, me diz onde posso te encontrar...

         - Eu não posso fazer isso, não posso criar esperanças em algo que nunca vai acontecer.

         - Me deixa tentar te ajudar.

         - Eu não posso. Você já está com sua vida formada e planejada, está pra casar e eu não posso destruir tudo isso com os meus problemas. Você é o que importa aqui, isso tudo é pra você e não pra mim.

         - Você apareceu aqui por algum motivo. A minha mente me faz sonhar contigo e questionar muitas coisas. Se tudo isso tem uma razão, você não tem que ter medo, aqui ninguém te julga. Somos só nós dois.

         - Eu tenho medo – diz já voltando a chorar.

         - Medo do que?

         - De ele estar me vendo, me ouvindo... E se ele me encontrar? – arregala os olhos.

         - Ele quem?

         - Ele está chegando Benjamin, eu consigo sentir, não sei se vou sobreviver dessa vez.

         - Eu não estou entendendo, sobreviver ao que?

         - Eu não aguento mais, dói tanto...

         - Me conta o que posso fazer, eu quero te ajudar!

         - VOCÊ É MINHA, NÃO ADIANTA FUGIR – uma voz grossa grita.

         - É ele – se separa abruptamente de mim e eu a puxo de volta – Eu tenho que ir – se solta mais uma vez e sai correndo.

         - Volta aqui! – tento a acompanhar, mas parecia que minhas pernas pesavam cinco vezes mais – VOLTA AQUI!!!

                                                                     ...

         - VOLTA! – abro os olhos e logo escuto o barulho da tempestade do lado de fora – Porque eu sonho com essa mulher? O que ela está querendo dizer?

         Será que devo conversar com alguém desses sonhos? É muito estranho começar a sonhar com uma estranha do nada e ainda sentir algo diferente por isso. O que minha consciência quer dizer?

         Não sei o porquê, mas eu preciso encontrá-la, eu quero encontrá-la. Tenho que saber o motivo dessas aparições diárias, quero saber seu nome, onde está, se está bem...

         - Eu vou te encontrar, nem que seja a última coisa que eu faça. Vou te encontrar e entender o motivo de tudo. Quem quer que você seja e onde estiver, está precisando de ajuda urgente!

                                                               Maya Costa

         - Você ainda me paga por tentar fugir – Leandro entra em casa me arrastando pelo braço. Ainda bem que consegui colocar Théo no chão em segurança.

         Ele me empurra me fazendo cair sobre o sofá e eu vejo meu pequeno passar correndo por trás dele e ir se esconder atrás da cadeira da mesa.

         - QUEM VOCÊ PENSA QUE É? – me pega pelo pescoço – VOCÊ É MINHA!

         - EU NÃO SOU NADA SUA! – tomo força para empurrá-lo – NÃO TEMOS NADA! EU SOU SÓ A INFELIZ QUE VOCÊ PRENDE EM CASA E IMPEDE DE SER LIVRE, MAS NÃO SOU N-A-D-A SUA -  me dá um tapa forte me fazendo cambalear para o lado.

         Vejo meu pequeno continuar encarando tudo isso chorando baixinho no canto.

         - Você é minha porque eu quero – diz furioso segurando meu rosto e colocando contra a parede de forma abrupta – Você é minha porque pertence a minha desde aquela noite...

         - Que noite? A que me forçou estar contigo? A que me tirou mais um pedaço de minha dignidade?

         - Mamãe...

         - Eu não te forcei a nada!

         - Mamãe eu tô cum xono.

         - Claro que forçou! Você se aproveitou da minha situação, do meu sofrimento.

         - Mamãe, vamo pu quato.

         - Não parecia estar sendo forçada enquanto gemia embaixo de mim.

         - EU GEMIA DE DOR SEU ESTÚPIDO!

         - Mamãe...

         - CALA A BOCA PIRRALHO! – Leandro me solta e vai andando em direção a Théo com a mão levantada, mas corro, passo em sua frente e me ponho em frente ao meu filho, recebendo o tapa que ele iria dar em Théo.

         - VOCÊ NÃO TOCA NELE! QUER BATER? FAÇA EM MIM, MAS NO MEU FILHO VOCÊ NÃO TOCA! – sinto Théo abraçar forte uma das minhas pernas.     .

         - Não se esqueça que esse menino também é meu, acho que está na hora de ele aprender como se comportar adequadamente.

         - NÃO! ELE NUNCA SERÁ SEU! Ele é MEU filho, você perdeu qualquer direito quando o renegou, quando não soube ser pai, quando não fez questão. A única pessoa com autoridade sobre ele sou eu.

         - É ASSIM QUE VOCÊ QUER? – diz e eu continuo séria em sua frente - Então assim será.

         Leandro me puxa e tira o corpo de Théo de perto de mim com um empurrão, vejo meu pequeno cair no chão no ato. Quando menos espero, sinto o impacto de socos em meu estômago e uma enorme vontade de vomitar. Depois de cair no chão, ele ainda vem pra cima de mim com chutes, só consigo me encolher tentando diminuir o impacto.

         Escuto o choro alto do meu menino a cada pancada...

         Meu Deus, faz ele parar...

         Meu Deus, me deixa viver por Théo...

         - Nunca mais ouse me desafiar – diz me fazendo encará-lo, quando finalmente se cansa de me bater – Você está proibida de sair dessa casa e pode ter certeza que acabo contigo se tentar de novo.

         Ele sai da sala e em pouco tempo sinto meu pequeno sentar em minha frente com os olhos cheios de lágrimas.

         - Mamãe...

         - Meu amor – digo com dificuldade.

         Sinto seus dedos passarem pelo meu rosto levemente.

         - Deculpa.

         - Não é sua culpa meu anjo.

         - Pu que o homem mau num te dexa? Pu que a gente num podi i embola?

         - Eu não sei meu anjo, eu não sei.

         - Eu num goto de te dodói.

         - Vem – me esforço para levantar, mas sinto uma dor horrível – Temos que ir para o quarto, dormir em nossa caminha.

         - Eu vô pegá geo – vejo-o ir em direção à cozinha e voltar com o pequeno pacotinho térmico que eu sempre uso nele quando se machuca.

         Sorrio em perceber como Théo é observador. Ele sempre diz estar sarado após usar o gelo em seus machucados. Levantei do chão ignorando a dor e pego em sua mãozinha, que agora estava estendida em minha direção.

         Ajudo-o a subir na cama e me deito ao seu lado. Théo levanta a minha blusa e coloca o gelo, me fazendo gemer com o contato.

         - Vai salar mamãe, dói, mas vai salar.

         - Vai sim, porque eu estou sendo cuidada pelo melhor médico do mundo – sorri beijando sua bochecha – Mas meu médico precisa dormir.

         - Mamãe, é ceto batê?

         - Não, nunca faça isso com ninguém. As coisas sempre devem ser resolvidas como conversa e com a verdade. Sempre que algo de errado acontecer contigo, lembre sempre do que eu te digo: nunca levante a mão para ninguém, seja paciente, carinhoso e justo. Escute o que a pessoa tem a dizer e não tire conclusões precipitadas.

         - O que é ixu? Concuzões pepitados?

         Às vezes, eu esqueço que estou falando com uma criança de três anos. Talvez esqueça porque ele sempre foi o meu melhor ouvinte.

         - É quando você não deixa a pessoa falar a verdade e fica adivinhando sozinho o que aconteceu. Se você não escuta, não vai saber a verdade.

         - E pu que o homem mau num fax axim?

         - Porque ele não é um homem certo meu bem – beijo sua testa novamente e começo a balançar o seu corpo novamente para embalá-lo no sono – Agora vamos descansar que o dia foi longo e você já deveria estar dormindo.

         - Mamãe, eu pometo que um dia eu te tilá dati e te poteger do homem mau.

         - Acredito em cada uma das suas palavras, meu herói – sorrio.

         Permito-me chorar abraçada ao pequeno corpo de Théo. Abraço ele forte e repito pra mim mesma que Leandro nunca mais iria levantar um dedo pra ele.

         Se esse era o meu destino, se era isso que eu tinha que aguentar pelo resto da minha vida, então eu suportaria, porque eu sei que é isso que uma mãe faria para proteger seu filho. Porque é disso que eu senti falta por toda a minha vida, mas não deixaria faltar para essa criança. Tudo o que sou e faço é pra ele. O meu pequeno anjo.

         Meu pequeno Théo.

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