CAPÍTULO 12

        

                                                            Vicente Guerra

- Calma, isso tudo está muito confuso – tudo o que ela tinha me falado ecoava pela minha cabeça e me assustava.

Eu desconfiava que tinha algo errado, desconfiava que Leandro poderia ter feito algo do tipo, porém não posso ser precipitado. Isso é caso de polícia e não uma briguinha simples. Entendo que ela é a melhor amiga de Maya, mas ainda preciso confirmar isso com a verdadeira vítima, que insistia em negar tudo.

- Confuso como? Você mesmo a viu machucada, não viu? Acha que eu estou mentindo? – sua voz sobe um tom.

- Não estou dizendo isso, mas... – tento começar a me explicar, mas a expressão dela mudou rapidamente.

- Você acha que estou mentindo? – levanta claramente chateada – Não sei como pensei que isso poderia dar certo, como fui ingênua... – diz pra si mesma e vai em direção à porta.

- Srta. Suarez...

- Não! Eu pensei que você fosse bom como Maya tinha dito, mas, pelo visto, ela estava enganada – me olha com desprezo.

- Como você espera que eu reaja? Eu desconfiava que algo de errado estava acontecendo e até tentei falar com Maya, mas ela mesmo negou tudo. Preciso confirmar a sua versão, não estamos lidando com algo simples aqui.

- Não se conhece a história das pessoas sem perguntar as coisas. Por qual motivo eu viria até a sua empresa para inventar um absurdo desses?

- Eu pedi que ela me contasse e ela disse que não era nada! Eu desconfiei, perguntei e ela negou, apesar de saber que tem algo errado, meu irmão…

- Seu irmão é um covarde!

- Por que ela...

- Ela está sendo ameaçada! Você um estranho que chegou agora, acha mesmo que ela sairia contando as coisas assim de primeira?

- Meu irmão nem comentou nada sobre ela e o filho. Ele age estranho e esconde isso tudo dos meus pais...

- Justamente por isso que deveria acreditar no que estou dizendo. Você nem aqui mora, não convive com seu irmão, nem conhece ele direito pelo visto. Enquanto isso Maya passa por tudo calada, sabe quanto tempo demorou para eu receber uma confirmação dela? – nego – Muito tempo! E olha que eu a conheço desde a época da escola! Nós não somos nem capazes de imaginar cada coisa que ela passou durante anos calada por conta de uma criança.

Ela diz e eu fico sem qualquer coisa pra falar, não existem argumentos contra os fatos. Sophie está certa e eu não deveria ter duvidado.

- Como eu posso fazer para que ela me conte tudo?

- Vicente, eu não tenho mais nada a lhe dizer. Saiba que eu não tenho motivo nenhum para mentir pra você, já que nem te conhecia ou sabia da sua existência até que chegasse aqui. A única coisa que quero é a segurança de Maya. Ela é a minha melhor amiga e foi capaz de fazer por mim coisas que ninguém sequer foi capaz. Não tenho nada contra você e nem sua família, mas não posso negar que seu irmão é um monstro! Se não acredita em mim, vá até a casa dele agora. Tenho certeza que vai entender o que eu digo. Se me der licença, vou tentar ver minha amiga – diz e sai sem esperar que eu possa dar mais qualquer explicação.

                                                            Maya Costa

- Ei acorda – sinto Leandro me balançar forte e meu corpo doer com sua brutalidade.

- Ai! Eu já estou acordada, o que foi?

- Tenho que ir trabalhar e vou dar plantão hoje, ou seja, não vou poder te monitorar.

- E o que eu tenho com isso? Me deixa em paz – viro-me de lado tentando achar uma posição mais confortável.

- Acho bom que tenha entendido bem o recado que eu quis deixar ontem, entendeu? – segura meu rosto para encará-lo – Já volto amorzinho – deixa um beijo em minha boca. Faço questão de afastá-lo assim que começa, mas depois sinto a dor em meu corpo me fazendo voltar a me encolher.

Depois que ele sai, volto a chorar. Ainda sinto seus toques imundos, seus beijos nojentos e a dor de sua presença em mim. Sinto a humilhação que ele me faz passar e a vergonha de alguém descobrir o que acabou de acontecer aqui. Pelo visto eu teria que me acostumar com isso, já que, com certeza, aconteceriam mais vezes. Leandro não tem limites e não há quem possa colocá-los.

- Mamãe, vuxê ta aí? – a voz do meu pequenininho ecoa abafada do outro lado da porta.

Minhas costelas doíam e respirar estava difícil. Não consegui dormir nada essa noite, tinha passado o tempo inteiro chorando e evitando que Leandro me tocasse novamente depois de me "ensinar a me comportar". Eu preciso sair dessa casa.

- Mamãe? –Théo repete dando batidinhas  na porta dessa vez.

Não tenho como ignorar Théo, ele não é culpado de nada, então levanto bem devagar sentindo a dor de cada movimento. Abro a porta e vejo meu pequeno abrir um sorriso.

- Oi meu príncipe.

- Eu tô cum fome – faz bico.

- Vem, eu vou te dar algo pra comer. Espera só um tempinho pra eu tomar um banho rapidinho - ele assente e senta no chão do quarto com seu leãozinho.

Cada gota de água que tocava em meu corpo parecia um espinho furando minha pele. A minha barriga e virilha estavam cheias de marcas roxas, qualquer movimento parecia demandar três vezes mais energia e tudo o que eu queria fazer era ficar deitada chorando.

Após meu banho, coloco uma roupa leve e vou fazer o café do meu pequenininho.

- Mamãe, vuxê tá dodói?

- Não meu amor, por quê?

- Vuxê ta tiste.

- Não pequeno, a mamãe só está cansada – a campainha toca – Fica aqui tomando seu café – lhe entrego o pote com biscoitos e o copo de suco.

- Tá – se ajeita na cadeira.

Vou até a sala me apoiando pelos cantos para evitar sentir mais dor e abro a porta. Surpreendo-me ao ver Vicente e Sophie juntos.

- O que aconteceu com você? – Sophie diz assim que me encara.

- Am... Nada.

- Como nada? Você está horrível – a encaro de forma a tentar fazê-la entender que não poderia falar nada, já que Vicente estava ali.

- Onde está meu irmão Maya? – Vicente pergunta sério.

- Hoje ele vai dar plantão na delegacia.

- Foi ele quem fez isso? – Sophie me encara ainda assustada.

- Não – digo sem olhar para os dois.

- Não mente pra mim Maya, já chega de aguentar as atrocidades desse monstro.

- Sophie... – resmungo.

- Já contei tudo para Vicente, não precisa se preocupar – diz e eu me assusto.

- Você o quê?

- Isso mesmo que você ouviu. Depois de você ter parado de responder ontem, localizei a empresa dos pais dele, fui lá e contei tudo mais cedo. A gente precisa de ajuda para acabar com essa situação.

- Será que poderíamos conversar? – Vicente pergunta e logo percebo que já não tinha mais pra onde fugir.

Estava claro pelo meu estado que Leandro tinha feito algo errado e, se Sophie contou tudo, ele já tem a prova que precisava para confirmar a história. Não tenho como desmentir.

- Sim. Sophie, Théo está na cozinha tomando café.

- Vou ficar com o baixinho então – antes de ir ela se vira pra mim – Não tenha medo, ele pode nos ajudar.

Ela sai e Vicente me ajuda a sentar no sofá. Sim, minha situação estava tão deplorável que precisava de ajuda até pra me sentar.

- Acho que está na hora de ser honesta comigo, não acha? – diz sério.

- Não tenho mais pra onde correr, né? – nega e eu respiro fundo.

- Foi ele quem fez isso?

- Sim.

- Desde quando você atura isso?

- Tem quase 4 anos.

- Por quê?

- É muito mais complicado do que pensa e acho que ainda não estou preparada para contar tudo do início...

- Pode confiar em mim, eu não quero te fazer nenhum mal. Eu percebi que tinha algo de estranho logo no primeiro dia que cheguei.

- Por enquanto, só o que tenho coragem de falar é que eu não sou casada com seu irmão e nunca fui. Théo é filho dele, mas ele não assume pra ninguém, nem esteve comigo nos momentos mais importantes, eu o registrei sozinha. Leandro estava nos forçando a cumprir um teatro de "família feliz" pra você.

- Por quê?

- Ele não quer que ninguém descubra nada do que faz há anos.

- Você já o denunciou?

- Era o que eu mais fazia no início, mas fica um pouco difícil quando a pessoa denunciada é melhor amiga do delegado e cheia de contatos na delegacia. Todas as minhas denúncias devem ter sido arquivadas, se é que foram realmente documentadas. Aposto que aqueles policiais rasgavam o papel assim que eu saia da sala.

- Por que não me contou quando te perguntei naquele dia de madrugada?

- Porque Leandro está ameaçando Théo, ele falou que tem todos os recursos de matar ou tirar a guarda do meu filho sem nem levantar investigações e eu sei que isso é verdade. Não quero que meu filho sofra com nada, por isso aguento tudo calada.

- Você deveria ter me contado, eu poderia ter evitado de alguma forma.

- Como?

- Eu não sei, mas poderia ter pensado em algo – leva as mãos aos cabelos bagunçando os fios de uma forma nervosa.

- Agora já é tarde demais. Você já sabe de tudo, já está para ir embora e tudo vai voltar a ser como era antes.

- Não, eu vou te ajudar. Eu vou te tirar daqui.

- Já tentei fugir uma vez com Sophie e não deu certo.

- Mas dessa vez vai dar. Nós vamos tomar mais cuidado e quanto mais gente ajudando, mais chance tem de dar certo.

- Eu sei que você dará o seu melhor, mas eu não posso deixar de ficar com medo. Seu irmão vive ameaçando meu filho e eu não quero que nada aconteça a Théo.

- Calma, eu vou te proteger e ele não vai ter como fazer nada. Pode deixar que eu mesmo irei cuidar disso. Ainda hoje te digo como é que vou fazer pra te tirar daqui, só tenho que fazer umas ligações. Vou retornar a empresa, mas volto hoje à noite com mais notícias – diz se levantando e indo em direção a porta.

- Vicente – digo antes que possa sair – Obrigada.

- Você vai ver que nunca mais vai precisar passar por isso de novo. Agora tente repousar para melhorar a sua situação.

Assim que Vicente sai, Sophie aparece com Théo no colo.

- Contou tudo? – assinto – Agora você vai me falar o que foi que aquele monstro fez ontem – diz firme.

                                                 Benjamin Padovanne

- Me conta mais de você – estávamos deitados na areia da praia e eu estava deitado de lado tentando gravar cada detalhe dela.

Ela estava bem melhor do que no último sonho. Sua pele não estava toda machucada, seu olhar parecia ter voltado a ter um brilhinho de esperança e a energia que emanava dela já não era tão pesada.

- O que você quer saber?

- Primeiramente gostaria de saber seu nome.

- Isso eu não posso falar.

- Por quê? – faço bico contrariado.

Que insistência em guardar essa informação!

- Porque eu não sei – fala como se fosse óbvio.

Ela vira de bruços e começa a mexer na areia. Seus cabelos cacheados caem para o lado a deixando com uma imagem angelical. Tudo nela parecia milimetricamente desenhado. Sua pele era aveludada e macia, parecia que se tocava em algodão. Seu rosto delicado possuía algumas sardas, que lhe deixavam ainda mais bonita. Seus cabelos ruivos aloirados, longos e cacheados davam um toque selvagem ao seu rosto, mas, ao mesmo tempo, traziam uma aura de um anjo inocente. Por fim, seus olhos, os mais bonitos que já vi até hoje.

Lindos e hipnotizantes.

Cor de mel com um toque de verde. Radiantes ao sol, brilhantes como a esperança de ser feliz. Externamente tristes, mas profundamente em busca de uma chance de liberdade. Poderia passar horas ao lado dela só para poder encará-la.

- Como assim você não sabe seu nome? Isso é o básico de todo mundo!

- Não sei. Sinto que tenho um, todo mundo tem, mas, por algum motivo, não consigo me lembrar. É como se...

- Se eu não pudesse saber..

- Sim – sua expressão fica triste.

- E o que você sabe?

- Não muito.

- Mas existe algo da sua vida que você possa me contar além do que já me mostrou?

- Eu não me lembro de nada. Tudo o que eu te contei é o que sei de mim.

- Você existe ou é só invenção da minha cabeça?

- O que você acha? – me encara.

- Eu acho que você é a coisa mais intrigante que tem me acontecido nesses últimos tempos. Não te conheço, mas desejo muito te encontrar. Quero muito saber o motivo de ter começado a te ver.

- Acho que sua esposa não vai ficar muito feliz em saber disso.

- Nem me fale nisso – reviro os olhos.

- Você a ama? – me encara curiosa.

- O que é amar?

- Não acho que exista uma definição para o amor. Cada um tem uma concepção diferente a depender da pessoa que ama.

- Eu gosto dela, sinto que é diferente das outras, sinto um grande carinho por ela depois de tudo o que me fez...

- Então você sente gratidão.

- Não sei, isso é tudo muito confuso ainda.

- Acho que, se fosse realmente amor, você saberia. As pessoas sabem quando amam.

- E o que eu faço?

- Olha dentro de você, escute seu coração. O problema é que você está racionalizando tanto o sentimento, que não se permite sentir se ele é verdadeiro. Não existem explicações lógicas para o amor, ele simplesmente acontece.

- Já não sei mais o que sinto.

- Uma hora você vai saber. Uma hora você vai ter certeza de tudo o que sente.

                                                               ...

Aquela conversa tinha mexido comigo. Eu sei que sentia por Helena algo diferente do que senti por outras mulheres, mas não sei o que. Gostaria de tê-la ao meu lado para o resto da vida, porém não tenho certeza se sinto o mesmo que ela com a mesma intensidade. Eu só sei que desejo estar com ela e não decepcioná-la. Acho que com o tempo esse sentimento pode crescer dentro de mim e eu passe a vê-la com outros olhos. Talvez mais apaixonados.

As pessoas aprendem a amar com a convivência, certo?

Meu telefone toca me tirando de meus pensamentos e vejo que era Vicente.

- Benjamin?

- Oi.

- Preciso de sua ajuda para algo um pouco complicado.

- Está tudo bem?

- Comigo sim, mas com a pessoa que quero ajudar não.

- De quem você fala?

- Da esposa do meu irmão. Se é que posso falar que ela é isso.

- Do que está falando? Como não pode falar que ela é a esposa dele?

- Acabei de descobrir uma confusão muito grande, não vai dar tempo de explicar tudo por telefone. Porém, acabei de confirmar que meu irmão tem maltratado a mulher que diz ser sua esposa.

- Como você descobriu?

- A melhor amiga dela veio me alertar. Eu até desconfiei dela, mas, quando voltei a casa do meu irmão, pude confirmar tudo.

- E o que pretende fazer com ela?

- Quero tirá-la de lá sem que Leandro saiba. Ela está sofrendo agressões há uns quatro anos sem ter como denunciar ou falar pra ninguém.

- E por que ela não fez isso?

- Primeiro porque meu irmão é melhor amigo do delegado e tem contatos na polícia, então ela desconfia que nenhuma de suas denúncias foram levadas a sério. Segundo porque só ele tem como bancar os remédios que o filho dela precisa.

- Quatro anos é muito tempo.

- Sim, por isso quero tomar alguma atitude em relação a isso o quanto antes. Pode me ajudar?

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo