CAPÍTULO 15

                                                       Benjamin Padovanne

         - Você está muito calado hoje. Aconteceu alguma coisa? – ela diz ao meu lado me encarando curiosa.

         Estávamos sentados na areia de frente para o mar. O dia estava ensolarado e a brisa marina estava fresca. O vento batia em seu rosto e fazia seus cabelos voarem para trás, deixando o seu rosto livre para ser admirado.

         - Estava pensando em algo que fiquei sabendo esses dias – digo num suspiro.

         - Más notícias?

         - Sim, mas o problema já foi resolvido há um tempo.

         - Então não pode mais prejudicar ninguém, não é?

         - Não pode mais prejudicar, mas ainda machuca saber.

         - Como assim? – muda sua postura e se vira de frente para mim jogando seu cabelo todo para um lado.

         Admiro a sua capacidade de ser tão leve em cada movimento ao mesmo tempo em que me sinto surpreso por ser capaz de me sentir atraído por cada um deles..

         - Eu descobri que meu pai, assim como aquele homem que te batia, também era um agressor. Minha mãe passou pelo mesmo que você.

         - Eu sinto muito - sua expressão se entristece - Mas já está tudo bem agora? Ela já se livrou dele?

         - Sim. Na verdade, a vida nos livrou dele.

         - Ele morreu?

         - Na cadeia. Os presos descobriram o motivo da sua prisão e o mataram.

         - Eu sinto muito por isso, perder alguém desse jeito não deve ser fácil, mesmo ele tendo feito coisas ruins.

         - O que me angustia é que eu não sinto dor pela morte dele, mas sim por não ter percebido que minha mãe passava por isso antes. Eu me sinto culpado por não ter tentado impedir.

         - Você não tem culpa.

         - Claro que tenho! Eu poderia não ter ido embora, sei lá, poderia ter notado o comportamento dele e feito algo antes.

         - Não é bem assim... - diz num suspiro.

         - Como não é bem assim? Geralmente tem um sinal, não é? Com você eu notei logo que tinha algo errado.

         - São duas coisas diferentes, Benjamin.

         - Por quê?

         - Não é igual com todo mundo e cada um tem uma forma de lidar ou esconder isso.

         - E como é que se pode ajudar então?

         - Sempre mantenha os olhos atentos, uma hora os sinais vão aparecer, mas nem sempre são os mesmos.

         - Isso é realmente complicado.

         - Sim, existem várias formas de relações abusivas. Às vezes, a agressão é somente psicológica e depois evolui para a física, às vezes o ciúme é excessivo e a mulher fica em uma situação de cárcere, entre outras milhares de formas que mulheres ficam presas dentro de um ambiente com seu agressor.

         - Algo que não entendo é como não percebem esse comportamento desses covardes antes de se permitirem se envolver.

         - Geralmente, quando os conhecemos, não possuem esse modo de agir. No começo demonstram ser carinhosos, amorosos, insistentes e até românticos. Querem sempre estar ao nosso lado e demonstram preocupação, eles fornecem a atenção que estamos precisando no momento. Então, aos poucos, em pequenas atitudes, depois que todos já acostumaram com ele de um jeito, a personalidade começa a mudar. Começa por um ciúme bem bobo, depois uma ofensa, ameaças, humilhações... A coisa piora de vez quando o primeiro tapa é recebido e começa uma rotina de agressões que fica cada vez mais frequente e sem motivo.

         - Eu ainda não consigo acreditar que minha mãe passou por isso. Ela é uma pessoa tão próxima a mim e eu pensava que estava tudo bem.

         - É porque ela soube disfarçar, ela soube esconder tudo o que estava sentindo para pôr a sua felicidade em primeiro lugar.

         - Eu sei. Só não entendo o porquê de ela não ter me falado nada. Eu a apoiaria em tudo sempre.

         - Às vezes, a gente passa por isso porque está pensando em proteger alguém... – seus olhos voltam a encarar o mar.

         Era como se sentisse na pele o que estava falando.

         - Quem você protege?

         - Oi?

         - Quem você protege? Você falou isso como se fosse a sua realidade.

         - Eu só estava dando um exemplo.

         - Sua boca fala isso, mas seus olhos falam outra coisa.

         - Olha, esquece o que eu disse.

         - Não. Se estiver passando por isso pra proteger alguém, não acha que protegeria melhor se saísse desse ambiente e tentasse uma vida mais calma? Longe de dores de cabeça?

         - Não é tão fácil assim como parece.

         - E como é?

         - Eu...

                                                                 ...

         Acordo com o Pager e meu celular tocando ao mesmo tempo. Desligo o Pager já levantando da cama para começar a me arrumar e atendo a ligação enquanto corro para o meu closet.

         - Benjamin? – era Vicente.

         - Oi.

         - Vem para o hospital! Agora!

         - O que está acontecendo?

         - Não tenho tempo de explicar por aqui, só vem o mais rápido que puder.

                                                          Vicente Guerra

         Depois de um longo tempo de voo, de ter conversado bastante com Maya sobre a sua vida e de ter ficado chocado com tudo o que essa mulher passou, finalmente chegamos em solo italiano. Vou até o quarto onde ela e Théo estavam para chamá-la.

         - Maya – digo balançando seu corpo de leve e ela logo acorda.

         - Já chegamos? – pergunta e eu assinto.

         Ela acorda Théo e todos descemos do avião.

         - Vamos deixar as suas coisas em minha casa e depois vamos ao hospital para te examinarem, tudo bem? – digo indo em direção ao carro.

         - Sim.

         - Mamãe, vuxê tá dodói?

         - Não é nada sério meu amor.

         Depois que ela terminou de contar toda a história de sua vida, eu tinha passado um bom tempo refletindo sobre sua força e sobre como meu irmão havia sido um covarde. Ele tinha se aproveitado de um momento ruim para atender a seus caprichos porque não suportou a ideia da rejeição. Como um ser humano tem coragem de fazer aquilo? Como pôde ser tão baixo para conseguir o que queria? Como não teve a sensibilidade para perceber que aquele não era o momento certo para uma aproximação? Como não pôde aceitar um não?

         - Eu vou ligar para Sophie e avisar que já chegamos – diz já discando no celular.

         - Sim, eu vou ver se já desembarcaram nossas coisas.

         Foi em questão de minutos para deixar de pensar que estava tudo indo bem. Fui até o local para checar as malas e o que tinha que ser resolvido e quando voltei a situação estava caótica. Maya estava desmaiada no chão e Théo estava sentado ao seu lado chorando.

         - Preciso de uma ambulância urgente! – um dos funcionários do aeroporto particular dizia nervoso pelo walkie talkie.

         - MAMÃE ACODA! – ele tocava no rosto dela desesperado.

         - O que foi que aconteceu? – pergunto ao funcionário.

         - O senhor conhece essa mulher?

         - Sim, ela veio comigo.

         - Acabei me esbarrando nela sem querer e ela caiu desmaiada. Já mandei chamar uma ambulância. Eu juro que foi sem querer, eu não a vi atrás de mim.

         - Está tudo bem, só me ajuda a colocar essas coisas no carro, que a levarei diretamente para o hospital.

         - Senhor, é melhor não tocar nela, pode haver lesões internas. É melhor esperar os paramédicos.

         - Então ficarei à espera da ambulância. Apenas me ajude a colocar essas malas no carro e depois eu venho buscar.

         - Sim, senhor.

         - Tio Vixente a mina mamãe... – Théo pega em minha mão.

         - Calma baixinho – o pego no colo – Já está vindo ajuda. Vai ficar tudo bem – o abraço forte tentando acalmá-lo e ele faz o mesmo. Aos poucos vejo seu choro cessar.

         Logo que a ambulância chega, peço para a levarem ao hospital em que Benjamin trabalha e ligo para ele pedindo que vá diretamente ao hospital.

                                                      Benjamin Padovanne

         - Fui chamado? – pergunto à enfermeira.

         - Sim doutor, na s...

         - Benjamin! – Vicente aparece segurando uma criança no colo – Por favor, a ajude!

         - O que foi que aconteceu?

         - Ela desmaiou no aeroporto depois de ter se esbarrado com um funcionário. Ela tem sentido dor nos últimos dias, mas não foi ao médico.

         - Vou acompanhar o caso, ela está em que sala? – volto-me à enfermeira.

         - Trauma dois.

         - Te darei notícias assim que possível.

         Cheguei à sala de trauma e um dos meus colegas de departamento já tinha começado a examiná-la.

         - Me atualize, por favor – peço me aproximando ao ver um roxo em sua costela esquerda.

         - Sons respiratórios fracos do lado esquerdo. Tem uma fratura na costela – me entrega o filme do raio-X.

         - Perfurou o pulmão – digo assim que coloco o filme contra a luz.

         - Mande preparar uma sala de cirurgia, por favor – avisa à enfermeira que estava na sala.

         - Precisa que eu entre com você para auxílio? – pergunto quando ele se prepara para movimentar a maca.

         - Acredito que não, mas preciso ser rápido, quero evitar um sangramento maior – diz já levando a maca.

         - Eu vou atualizar os parentes e depois vou direto pra lá, quero acompanhar o caso. Pode ir começando a cirurgia.

         - Sim.

         Volto à sala de espera para informar Vicente.

         - O que houve? – levanta assim que me vê – Diz que ela vai ficar bem.

         - Tem uma fratura na costela que perfurou o pulmão esquerdo e precisa de correção. Vamos ter que fazer uma pequena cirurgia para corrigir.

         - Faça tudo para salvá-la, acabamos de chegar.

         - Como foi que ela conseguiu essa fratura?

         - Meu irmão bateu nela há uns três dias.

         - Ela está sentindo dor de uma costela quebrada por três dias e não foi ao médico?

         - Ela pensava que iria passar com o tempo como os outros machucados e não podia ir ao hospital, senão teria que denunciar Leandro e você sabe no que ia resultar – assinto – Ela está acostumada a isso e pensou que era só um machucado.

         - Acredito que não vai haver complicações, mas pode ser que corra algum risco.

         - Por favor, não sei como ele ficaria se perdesse a mãe – aponta para o menino, que estava sentado no sofá quieto.

         - Vou para a sala de cirurgia para acompanhar a operação.

         - Vou ficar esperando notícias aqui.

         Vou para a sala de cirurgia e começo a esterilização para poder participar.

         - Com licença Doutor Cruz, mas a Sra. Artigaz está tendo uma crise e me pediram para te avisar – entra uma enfermeira para avisá-lo.

         - Benjamin, pode assumir? – pergunta.

         - Sim.

         - Eu tinha só começado a preparar a paciente.

                                                           Vicente Guerra

         - Tio, cadê mina mamãe?

         - Ela está dodói e o médico está ajudando a melhorar.

         - E vai demolar muto?

         - Um pouquinho pequeno, ela ficou muito machucada e agora o corpo dela está doendo muito.

         - Foi o homem mau que fez ixu?

         - Homem mau?

         - O que molava lá na noxa casa – sinto uma dor ao ouvir a forma a qual Théo se referia a Leandro, o próprio pai.

         Mas eu não podia fazer nada se essa era a forma que ele demonstrava ser para aquela criança. Era apenas o "homem mau" e  nunca passaria disso. Os traumas já estão enraizados em sua cabeça.

         - Sim, foi ele quem fez isso.

         - Ele num vai mais fazê né? A gentilongi né?

         - Não, agora vocês estão seguros e ninguém vai machucar sua mãe mais.

         Meu telefone começa a tocar e vejo que era Sophie.

         - Vicente está tudo bem? Vi que tinha uma ligação perdida da Maya e ela não atende meus retornos.

         - Não Sophie, Maya está em cirurgia agora.

         - Cirurgia? Mas o que houve? – levanto e me afasto um pouco para Théo não ouvir.

         - Assim que chegamos, parece que ela se esbarrou em um dos funcionários do aeroporto.

         - Ele precisa de cirurgia por causa de um esbarrão?

         - Parece que ela estava com uma das costelas quebradas e acabou perfurando o pulmão esquerdo.

         - Eu sabia que tinha alguma coisa errada com essas dores que ela estava sentindo. Eu falei que ela tinha que ir ao hospital.

         - Sabemos que Maya costuma esconder suas dores para não sair de perto de Théo.

         - Eu sei, mas agora ela pode correr risco de não estar mais ao lado dele pra sempre.

         - Acho que não vai chegar a esse ponto. Ela já está em cirurgia com um amigo meu cirurgião e acredito que fomos rápidos o suficiente para evitar mais danos.

         - Por favor, não me deixe sem notícias.

         - Quando tiver mais informações, falo com você.

         - Tudo bem, estou indo para a faculdade agora, mas, qualquer coisa, me mande uma mensagem. E como está Théo?

         - Ele está bem, apesar de ter visto a cena toda.

         - Deve estar assustado.

         - Sim, mas já está mais calmo agora.

         - Tudo bem, vou indo então.

                                                                   ...

         Em questão de três horas vejo Benjamin aparecer novamente na sala de espera. Théo já dormia em meus braços novamente e eu rezo para que continue dormindo até poder ver Maya.

         - Diz que deu tudo certo – digo indo em sua direção.

         - Sim, não houve maiores complicações e ela já está sendo levada para um quarto.

         - Podemos vê-la?

         - Ela está sedada, deve acordar em algumas horas.

         - Ela vai ficar bem?

         - Tudo se encaminha para que sim.

         - Obrigado Benjamin. Se o pior acontecesse, não imagino o que faria.

         - Eu vou checá-la e garantir que esteja bem. Se quiser, pode ir para casa e depois te ligo pra avisar que ela acordou.

         - Tenho que ir buscar meu carro no aeroporto junto com nossas malas. Vou levar Théo para tomar um banho e comer alguma coisa.

         - Garanto que assim que ela acordar, eu te aviso.

                                                     Benjamin Padovanne

         Vou para a UTI para acompanhar a recuperação da paciente e acabo encontrando Helena no caminho.

         - Amor, pensei que seu plantão tinha sido ontem a noite – Helena diz surpresa ao me ver.

         De fato, mal tinha saído do hospital e já estava de volta.

         - Sim, dei plantão ontem, mas Vicente acabou de chegar com um caso e me pediu para que acompanhasse.

         - Está tudo bem com Vicente?

         - Sim, é uma pessoa que ele está ajudando.

         - E o que houve?

         - Eu não sei com detalhes, estou indo para a UTI justamente para acompanhar.

         - Eu vou contigo.

         Vamos para a seção dos pós-operatórios e pego o prontuário. Depois entrei no quarto, podendo, pela primeira vez, olhar para o rosto da paciente. Foi só encará-la para que o prontuário caísse da minha mão com o susto.

         Então ela existe. Não era invenção da minha cabeça.

         - Benjamin, está tudo bem?

         Escutava Helena fazer milhares de perguntas em plano de fundo, mas eu era incapaz de responder no momento, pois estava concentrado demais em gravar cada detalhe da mulher à minha frente.

         Como era possível que a vida tivesse planejado isso? Que tipo de brincadeira era essa?

         Ela era exatamente como eu tinha sonhado: cabelos cacheados loiro arruivados, pele clara e sardas no rosto... Só faltava olhar para aqueles olhos. Deveriam ser lindos, exatamente como nos meus sonhos. E a sua voz? Deveria ser deliciosa de se ouvir.

         Ela tinha que acordar! Eu tenho que ter a oportunidade de conversar com ela de verdade, de saber mais sobre ela.

         - Amor – Helena toca de leve em meu braço me tirando do transe.

         - O-oi...- digo ainda encarando a moça.

         Preciso saber seu nome.

         - Você está estranho. Estou aqui falando contigo, só que você parecia estar em outro mundo.

         - Acho que é só o cansaço, estou bem – pego o prontuário da mão dela.

         - Eu vou pegar um pouco de água pra você, só um minuto.

         Espero ela sair para abrir o prontuário e procurar ansioso pelo nome dessa mulher. Ainda não parece real que uma total desconhecida dos meus sonhos seja exatamente a mesma pessoa que eu e Vicente estávamos tentando ajudar. Procuro a folha de entrada no hospital e vejo as letras de Vicente:

         "Maya Costa"

         - Maya. Seu nome é Maya - sussurro.

         Só podia ser lindo como a dona.

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