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Victoria

Olho para as nuvens vendo mais do que elas realmente estão mostrando, minha mente de artista e escritora amadora vê formatos e ideias em quase tudo, e tento pela milésima vez começar a escrever de novo, já que não consigo encostar o pincel numa tela e deixar fluir algo bom.

Também não consigo colocar uma palavra com sentido no caderno desde aquele maldito dia. O dia em que minha alma morreu e até hoje não ressuscitou. Estou sentada na varanda da cabana que comprei há três anos para viver reclusa em uma montanha longe da cidade e um ódio ferve meu sangue todas as vezes que eu tento fazer o que mais amo e me sinto bloqueada pelos traumas que meu maldito ex me deixou.

A ansiedade ameaça me atacar, mas respiro fundo dez vezes e encaro a foto da minha mãe colada na primeira página do caderno que ela me deu quando eu tinha quinze anos e tento não deixar que a depressão faça meu coração sangrar mais, no entanto é difícil quando eu perdi há quatro anos a pessoa que mais amava na vida.

Eu nunca vou perdoar meu maldito pai por ter me feito casar com um de seus sócios em trabalho sujo e ter permitido que o desgraçado abusasse de mim por seis meses até eu cravar uma faca no peito do miserável e quase matá-lo, uma pena que eu não tenha conseguido. Ele sobreviveu.

Eu só tinha dezenove anos!

Agora com vinte e dois, eu luto todos os dias contra uma depressão que quer me agarrar e me fazer não levantar da cama nunca mais e com crises de ansiedade que me faz chorar sem parar. Eu luto tanto e as vezes me arrisco a dizer que me orgulho da minha força. Isso quando minha baixa autoestima não me atinge e eu me sinto um lixo, fraca e inútil.

Talvez eu tenha algum complexo de bipolaridade.

Está tarde, sendo assim, desisto de tentar escrever e entro para a cabana, tranco a porta e vou para a cama. Hoje está tão frio, por isso, pego três cobertores, me deito e faço a coisa mais recorrente em todos esses anos, choro até dormir.

Durmo por apenas três horas e me levanto, não consigo passar disso. Faço o que tenho que fazer na minha pequena cabana, pego a velha caminhonete que roubei do meu pai e vou para a cidade vizinha que é onde eu trabalho de atendente em uma cafeteria.

— Bom dia Srta. Carver. Como está indo? — o Sr. Paul, um cliente recorrente e que gosta de passar horas me contando histórias, pergunta.

— Tentando. — respondo lhe servindo seu café expresso duplo de sempre.

Ele me pergunta sobre meu estado todos os dias desde que me viu ter uma crise de ansiedade após eu ter visto um homem parecido com Robert entrando na cafeteria, ele me ajudou com inspiração e expiração, então acabei contando um pouco do meu trauma para ele sem me aprofundar muito.

— Só irei acreditar quando não vir mais essas manchas debaixo de seus olhos. — se refere as minhas olheiras que eu tento disfarçar com maquiagem, e beberica seu café.

— Quem sabe um dia. — volto ao balcão e busco um pedaço de bolo de limão que ele sempre come também.

— Meu filho Josh chegará amanhã na cidade depois de dez anos trabalhando na marinha. Qual a chance de vocês saírem em um encontro?

— Absolutamente nenhuma! — exclamo um pouco desesperada — Eu não quero nenhum homem na minha vida. Tá repreendido em nome de Jesus!

— Que horror, Srta. Carver... Um dia você encontrará o homem certo.

— Uma mulher pode ser feliz sozinha, Sr. Paul. Homem não trás nada além de problemas, sem querer ofendê-lo.

— Tudo bem, filha. Eu já causei muitos problemas para minha Dália, por isso ela me trocou pelo Leonard e hoje são uma bela família, enquanto eu, vivo uma vida solitária tendo como única amiga, uma jovem atendente. — vejo os olhos do velho ficarem marejados.

— Todos devemos aprender com nossos erros, há consequências para todos eles. — falo suavemente — Com licença.

Me retiro e passo o restante do meu expediente atendendo clientes, limpando mesas, até que finalmente as duas da tarde, Flora, a moça que fica o restante do dia até fechar, chega. Troco de roupa, visto um casaco e saio, com uma leve sensação de repente de que algo diferente irá acontecer.

Eu só espero que não seja nada ruim.

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Paro um pouco minha corrida para respirar fundo, sentindo uma dor aguda no processo. Todo meu corpo surrado dói. Eu vivi em cativeiro durante toda minha vida e minha fulga não foi nenhum pouco pacífica, eu lutei com muitos humanos de uma vez e não há nenhum lugar em meu corpo que não dói.

Tenho inúmeros cortes e contusões causados pelos espancamentos e torturas que eu vinha sendo submetido, sem contar as incontáveis doses do meu esperma que eles tiravam a força do meu corpo usando fêmeas humanas aliadas deles com a ajuda de remédios que ativavam meus impulsos sexuais. 

Me forço a voltar a correr, estou há dias correndo e me sinto quase sem forças. Não sei onde estou ou para onde estou indo, apenas sei que já estou longe do inferno que eu estava, mas não posso parar, mesmo que eu morra de exaustão. A primeira oportunidade que tive de escapar, não desperdicei.

Estive observando, esperando que os humanos que me tinham preso cometessem um erro e eles finalmente tinham, pensando que eu estava derrotado demais para lutar. Minha ideia que para ser sincero, pensei que não daria certo, acabou dando. Eu me fingi de morto e os ataquei com guarda baixa sem os malditos dardos de sonífero enquanto tentavam me transferir de um cativeiro para outro.

Com certeza queriam continuar roubando meu esperma usando fêmeas diferentes. Eu espero que eles não tenham mesmo conseguido nenhum outro sucesso em suas tentativas de reprodução durante esses anos.

Caio de joelhos depois de algumas horas, fraco e mais ferido do que eu esperava. Olho para cima e avisto montanhas, é um ótimo lugar para me esconder e descansar até meu corpo se curar um pouco.

Com muita dificuldade eu subo o morro, segurando grunhidos de dor. Levo minha mãe até minha costela e sinto o sangue escorrer novamente, eu havia conseguido estancar com uma atadura de pano em volta de mim mas parece não estar segurando mais nada agora. Sinto-me mais fraco do que nunca, devo ter perdido muito sangue e não como há dias.

Mais a frente consigo enxergar uma cabana de madeira, sorrio levemente com esperança brotando dentro de mim, mas é a última coisa que vejo antes de perder a consciência de vez e cair no chão.

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