A água, que é o símbolo da vida e que compõe a maior parte do nosso corpo, pode nos salvar em um deserto escaldante, mas pode nos destruir, deixar sem ar, nos afogar. Tudo que existe nesse mundo, ou em qualquer outro mundo que ainda desconhecemos, possui duas faces tênues entre si, desde as moléculas mais básicas até os equipamentos mais complexos. Do oxigênio à bomba atômica. Tudo pode ser para o bem e para o mal. E também pode ser relativo, para o bem de uns e o mal de outros, dependendo do ponto de vista.
Mas, o que determina a forma como a fonte da vida será utilizada para a morte é o movimento dentro de uma interminável lei de ação e reação. Tudo que fazemos de errado retorna invariavelmente contra nós um dia. Mas repare que o sujeito “nós” é a representação de uma coletividade completamente interdependente e mesmo que você aja da forma mais correta possível, de acordo com os preceitos da sua consciência, a ação de outra pessoa pode se voltar contra você. Ou a ação combinada de pessoas. Ou a inação.Então, ao olhar nos meus olhos, que já conquistaram muitas pessoas, alguém poderia perceber que a cor que reflete a esperança, já não espera mais nada da vida.Desolada, já sem lágrimas no rosto, a fome se misturando com a sede e a vontade de não existir mais, tentando parar de sentir qualquer coisa, eu caminhava pelas ruas sem destino, sem saber por que ou para onde ir.Deparei-me com uma ambulância e muitos socorristas trazendo um empresário desfalecido de dentro de um prédio enorme. Pela movimentação dos funcionários, tratava-se de alguém importante. Senti uma sensação estranha como se aquela vida estivesse se esvaindo na minha frente e mesmo depois de tantas perdas recentes que tive, aquilo me tocou. Não sei se foi a constatação de que mesmo o dinheiro, a fama ou a força de vontade dos entes queridos não conseguem impedir a morte.Um rapaz jovem acompanhava aquele senhor e pude notar que a relação parecia ser entre pai e filho. Antes deles entrarem na ambulância eu percebi algo que me impressionou mais ainda: o olhar daquele rapaz cruzou com o meu, cheio de lágrimas, perdido, mas não era como o meu. Eu me sentia perdida no sentido de não querer mais ir por caminho nenhum, mas ele queria desesperadamente ir, só não sabia para onde. Pedi a Deus, se ele existisse mesmo, que os acompanhasse, pois se a mim não tivesse salvado, quem sabe a eles...Para mim não existia mais saída. O único caminho pareceu ser o mar! O mesmo mar que levou, naquele acidente de barco, meus pais, irmãos, marido e filhos e que me cuspiu viva para a areia, completamente sozinha, sem mais ninguém com quem contar, por quem ainda ficar. Esse mar, dessa vez, vai ter que me levar.A cada passo que dou me aprofundando nas águas, sentindo as ondas me empurrando contra minha decisão, ou a maré, me puxando a favor, era como se as mãos do meu amor fossem tocando meu corpo, subindo pelas minhas pernas, me agarrando, me possuindo aos poucos, com carinho, mas de um jeito tão intenso.Como ele me faz falta, como sinto saudade da forma como ele me olhava, de como me fazia sorrir com seu sorriso, de como me dava paz com seu peito me acolhendo e como me tirava do eixo com o jeito que me desejava.Lembrando dele, nem sinto o gelado da água, nem percebo ela chegando ao meu pescoço, as ondas já quebrando acima da minha altura e eu começando a engasgar.Lembro dos meus filhos brincando na areia, correndo em torno da gente... a verdadeira felicidade, era a alegria e a pureza nos olhos deles.Engulo mais água e apago por alguns momentos, não consigo precisar quanto, quando recupero a consciência, ouço gritos, pessoas querendo me salvar, tento afundar mais, ir mais longe, mas já não tenho forças para nada, só quero morrer logo, antes que alguém consiga evitar minhas intenções.E, finalmente, não sinto mais nada, nem o frio, nem dor, nem o som das pessoas, nada, tudo se tornou escuridão.É o fim!Será que não morri? Uma dor pequena na cabeça começou a me incomodar e logo meu corpo inteiro parecia formigar, com uma sensação semelhante a de cortes com faca na pele. A dor se tornou muito grande, eu comecei a sentir uma leve e fina garoa em meu rosto e alguns pingos densos caindo, aos poucos, em meus olhos, até que consegui abri-los. O desespero começou a tomar conta de mim, nunca havia sentido tanto medo em minha vida. Sombras vagavam à minha volta e eu me vi numa espécie de santuário macabro, uma escuridão dominante com luzes vermelhas que faziam com que toda a água que jorrava de diversas fontes, parecessem sangue. Olhei para o céu e essas luzes que iluminavam tudo ao meu redor vinham de dois lados diferentes, de duas estrelas que pareciam com o Sol. As sombras eram como nuvens negras pequenas e baixas que se locomoviam rapidamente para todos os lados e algumas carregadas de chuva, inesperadamente se abriam e encharcavam por onde passavam. Uma dessas nuvens bem próxim
Era um lugar incomparável, de beleza indescritível. Algo que lembrava uma redoma no meio do mar, mas não era feita de ar e sim de fogo. Chamas esverdeadas com labaredas que lutavam contra as águas e o resultado era um jogo de luz, praticamente um arco-íris com centenas de tonalidades de cor.A Rainha das Águas se aproximava das chamas e quando chegou bem próximo, parou. Começou a se despir até ficar completamente nua. Uma alga pousou em seu braço e a dor que a rainha sentiu foi enorme. Ela gritou tão alto que as ondas sonoras moveram a água. Uma infinidade de algas vieram instantaneamente e começaram a cobrir seu corpo. Cada toque lhe causava a sensação de que um pedaço de seu corpo era arrancado.Parecia que o que ainda a mantinha em pé eram as próprias algas. Mas quando ela já estava toda coberta, como se um enxame de abelhas brilhantes a tivesse atacado, ela conseguiu, com um grande esforço, mexer seu pé para frente e caminhar alguns poucos passos em direção às chamas.A
- Precisamos levar a garota até a Rainha logo, Leiva! - Dizia uma mulher no meio do grupo. As outras guerreiras estavam contrariadas.- Leiva, eu vou! Já percebi que é a única saída! - Consegui dizer aquilo no meu momento de maior coragem e idiotice, até então. Leiva me olhou, sorriu pra mim, enquanto acariciava minha face e disse:- Certo, se vamos fazer isso, vamos pelo menos levá-la pelo centro da cidade até o castelo de água, pegamos a rota das quedas. Acredito que ela, junto da rainha, não terá mais uma oportunidade de aproveitar a nossa única diversão por aqui.- Rota das quedas? Ebaaa! Precisamos que mais condenadas apareçam por aqui mais vezes - disse uma das garotas que, até então, parecia tão tímida. Negra, rosto como se fosse de porcelana, quase uma boneca. Ela, imediatamente após o comentário, tomou um tapa atrás da cabeça de outra que estava ao seu lado, que fisicamente era o oposto desta: grande, forte, pele mais amarelada, cabelos escuros cortados na altura d
Não conseguia imaginar para onde eu poderia estar indo.No fundo daquelas águas, entradas que pareciam cavernas. Quando eu já não conseguia mais segurar a respiração, eu tentei puxar o ar e, mais uma surpresa, eu consegui respirar. Não me afoguei como antes. Mais algas foram se aproximando, se amontoando sobre mim e quando finalmente parei de ser sugada eu estava dentro de uma enorme gruta com milhões de algas brilhantes que pareciam fazer uma festa para minha chegada. A visão era como de um caçador de tesouros encontrando milhões de milhões de moedas de ouro em uma caverna gigante escondida.As algas foram me empurrando e me levaram perto de uma rocha, onde se juntaram e criaram um formato de trono. Outras também se juntaram e formaram uma imagem humana que resultaram num corpo brilhante. Duas vieram aos meus ouvidos e grudaram neles.- Agora você pode nos escutar, Salvadora! - Disse uma voz estridente. Eu me espantei, estava ouvindo as algas.- Eu acho que fiquei louca
As algas seguiam contra a forte correnteza das cachoeiras invertidas e pela primeira vez eu sentia que não podia me mover livremente. As águas batalhavam contra mim. Me impediam de continuar.- Lute, não com seu corpo, mas com sua mente. Ninguém pode fluir contra esse fluxo na base da força, muito menos revertê-lo, por mais poderoso que seja. Mas se você se concentrar, poderá passar por entre suas moléculas, fazendo com que ele desvie de você. É o primeiro passo para você conseguir controlar esse elemento. – Conseguia ouvir as algas falando comigo mesmo distantes e foi a primeira vez que percebi que as escutava não com os ouvidos, mas telepaticamente.No momento em que parei de lutar contra o fluxo de água, fui levada por ele, como um tronco de árvore despencando de uma cachoeira, mas permaneci calma. Como as algas ensinaram, tentei me concentrar, sentir a força e ao mesmo tempo a leveza como tocavam em minha pele. Era como se aquela matéria inanimada fosse alguém com sentimen
Seguimos para o Castelo da Rainha. Realmente as paisagens modeladas por água nas mais diferentes situações eram estonteantes, uma natureza que parecia inexplicável para os meus padrões de entendimento. Sinceramente, não me parecia um inferno, na verdade era algo visualmente bem distante do que minha imaginação estava acostumada a respeito de um submundo como eu acreditava que seria isso, após a morte. Quando pudemos avistar o Castelo, no horizonte, foi a coisa mais impressionante que eu já tinha visto de uma construção, toda feita de água em movimento. Como isso era possível? Passamos por uma ponte sobre um rio, com mais quedas d’água ao redor e avistamos um outro grupo de mulheres que vinham em nossa direção.Ao se aproximarem, a que estava a frente se dirigiu a Leiva:- Leiva, o que faz indo em direção ao Castelo? - Natane, se sua Rainha não disse a você sobre os negócios que tenho com ela, não serei eu quem direi. Aliás, se as guardiãs estão indo na direção contrári
Com minha fúria, consegui explodir longe todo líquido que estava à minha volta como um epicentro de um maremoto. O impulso dessa explosão me atirou alto e eu caí em algum lugar que eu não reconhecia. Uma penumbra me indicava que eu estava em outro lugar, completamente diferente. Ainda não tinha percebido nenhum local com pouca luz naquele planeta. Os dois Sóis mal eram percebidos, pareciam quase alinhados ao horizonte em diferentes direções. Olhando melhor eu pude perceber enormes construções em ruínas. Grandes sombras surgindo, deixando o cenário ainda mais escuro e assustador e um barulho de passos como que de enormes dinossauros não me pareceram animadores. O pensamento do que havia acontecido com Leiva e a Rainha e de como eu estava naquele lugar conseguiam ser mais fortes do que a expectativa a respeito do que vinha em minha direção. Eu continuava com Namos e ele me fazia entender que havíamos morrido.Fui agarrada por uma mão que logo se revelou de uma gigante, que me ergue
Um planeta inteiro e apenas eu, ali. Comecei a repetir as cenas do que tinha acontecido, em minha cabeça e me perguntava se minhas decisões haviam sido as mais acertadas. Passei a caminhar, vagar, sem rumo. Em algum momento, depois de não saber mais quantos dias se passaram, sem sequer ter a noção de tempo, que o dia e a noite talvez pudessem me dar ali, apenas me joguei na margem de um lago. Eu tentava conversar com Namos, mas nem o sentia mais em mim, era como se ele tivesse se escondido completamente. Procurei por algas, mas aparentemente todas elas haviam desaparecido no processo.Adormeci e o que aconteceu não dava pra eu distinguir se era um sonho ou realidade. Um homem alado simplesmente se materializou ao meu lado. Eu vi seus pés, primeiro, e em seguida, me virando, pude ver a sua silhueta, contra o Sol.- Emma, você não está nada bem. Levante-se, não vai querer que suas amigas a vejam assim quando eu trouxe-lás para cá, não é? - Dizia, uma voz masculina. Quanto tempo