7. A Rainha Revelada

Seguimos para o Castelo da Rainha. Realmente as paisagens modeladas por água nas mais diferentes situações eram estonteantes, uma natureza que parecia inexplicável para os meus padrões de entendimento. Sinceramente, não me parecia um inferno, na verdade era algo visualmente bem distante do que minha imaginação estava acostumada a respeito de um submundo como eu acreditava que seria isso, após a morte.

Quando pudemos avistar o Castelo, no horizonte, foi a coisa mais impressionante que eu já tinha visto de uma construção, toda feita de água em movimento. Como isso era possível? Passamos por uma ponte sobre um rio, com mais quedas d’água ao redor e avistamos um outro grupo de mulheres que vinham em nossa direção.

Ao se aproximarem, a que estava a frente se dirigiu a Leiva:

- Leiva, o que faz indo em direção ao Castelo?

- Natane, se sua Rainha não disse a você sobre os negócios que tenho com ela, não serei eu quem direi. Aliás, se as guardiãs estão indo na direção contrária do Castelo, significa que não é mesmo algo pra você saber. – Leiva era desafiadora, não se intimidava. As mulheres ficaram visivelmente nervosas com a provocação, mas Natane percebeu que havia um pouco de razão no que a guerreira dizia.

- Nossa Rainha nos deu folga, mas isso não nos impede de escoltá-las até a presença dela.

Leiva me olhou, como se me perguntasse o que fazer.

Tentei pensar sobre o que seria melhor. Deveríamos enfrentá-las ali mesmo? Provavelmente um confronto seria equilibrado e minha nova condição poderia ser um fator a nosso favor. Deixar que as guardiãs chegassem ao Castelo e se unissem à Rainha, poderia anular justamente nossa vantagem numérica.

Ao mesmo tempo, não sabíamos o resultado de um embate, por mais favorável que pudesse ser, poderia anular outra vantagem que era a principal, o elemento surpresa. Durante o confronto, algumas delas poderia tentar alertar a Rainha. Enquanto pensávamos, quem desconfiava era a líder das guardiãs.

- Está me parecendo que esse assunto de vocês tem algo mais do que apenas uma rivalidade sua comigo... – Natane fitava Leiva e também me encarava – Já percebi que vocês tem uma prisioneira e essa história está mais e mais interessante.

- Como eu já te fiz entender, Natane, nosso assunto diz respeito à Rainha, foi ela mesma quem nos convocou, pessoalmente. Você tem mesmo certeza que vai deixar sua curiosidade a respeito de uma prisioneira poder gerar um castigo por parte da nossa querida Rainha? – Percebi que Leiva tentava de qualquer forma deixar o enfrentamento como última possibilidade e era mesmo o mais inteligente a se fazer.

A guardiã ponderou, engoliu muito se seu orgulho a seco e decidiu:

- Leiva, tenha sua chance! Você insistir tanto nisso significa uma psicologia reversa, não é? Sabe de uma coisa, você justamente quer que eu a contrarie pra ficar bem com a Rainha. Não cairei nessa, siga seu caminho e nós seguiremos o nosso, quando eu retornar, espero ver você tão aprisionada quanto essa pobre coitada, quem sabe até não serei eu quem terá que te aplicar algum castigo.

De forma genial, Leiva finalizou, deixando ainda mais no ar a dúvida e assim, não demonstrando sua real intenção :

- Se você acredita mesmo nisso, vá em paz! Se for para eu roubar seu cargo, você não poderá fazer nada a respeito.

Com uma troca de olhares ofensiva, que quase saiam faíscas, os grupos foram se afastando um do outro, até não se verem mais.

- Essa foi por pouco! – Exclamei com alívio.

- Mas estou pensando... A Rainha sabe algo sobre você, afinal, pediu sua cabeça, sabia que nós iríamos levá-la e ainda assim deu folga para as guardiãs. Parece que existe algo que não sabemos também, precisamos tomar cuidado.

O que Leiva disse fazia muito sentido, já estava preocupada novamente. Ficar com Namos me dava muita coragem e agora, sem ele em mim, já tinha dúvidas se atacar era mesmo uma boa ideia.

Leiva me olhou e parece que leu minha mente.

- Não, você não tomou a decisão errada! Esse é o melhor plano!

Realmente espero que ela tenha razão. De qualquer forma chegou a hora, já estávamos aos pés do Castelo.

- Leiva, esse castelo é feito de água, mesmo? Onde é sua entrada? Não tem portões?

- Bom, eu não contava com isso, normalmente as guardiãs abrem as entradas. – Disse, Leiva, tentando se lembrar de como isso era feito. – Os arpões... Eles têm algas na ponta. É com eles que as guardiãs movem as águas e abrem passagens.

Ela olhou pra mim e perguntou com um semblante descrente:

-Você consegue?

Sinceramente não fazia ideia. Apesar de Namos estar em mim, não estarmos em simbiose fazia eu ter muito menos conhecimento, sentir muito menos poder, na verdade não me sentia em nada especial.

Resolvi tentar. Me concentrei e tentei chamar as algas. Comecei a perceber que conseguia, mas elas não tinham como chegar até mim. Elas não saiam da água, o que significava que eu precisaria de uma quantidade grande de algas para que tivessem força suficiente pra criar algo como uma onda, desde o leito do rio, para que chegassem até mim. Ou eu poderia simplesmente ir até a margem e buscar algumas.

Como não senti nenhuma alga nas paredes de água do castelo, achei que seria importante ter um reforço delas e também testar se conseguia fazer aquilo. Fui me concentrando mais e sentindo a quantidade de algas aumentar. Elas estavam vindo de longe, não sei se era meu poder ou a comunicação delas mesmas. A quantidade se tornou gigantesca e comecei a sentir como se milhões de micro patas elétricas me tocassem. Aos poucos a sensação ia se tornando insuportável, mas eu continuava aguentando. Elas iam criando uma ponte, uma extensão. Quanto mais algas chegavam, mais distante elas podiam ir. Elas podiam seguir dali em diante, carregando água, mas parece que a intenção era criar um elo com o rio até chegarem em mim.

Aqueles micro choques que eu levava foram diminuindo, como se eu me acostumasse com aquilo ou simplesmente começasse a entender como tornar aquele controle natural.

Percebi, então, que o elo continuava não para manter o contato com a água, mas porque elas queriam que todas as algas viessem e se unissem a mim. As guerreiras vendo um cordão de água brilhante, flutuando pelo ar ficaram espantadas e admiradas. Eu já tinha decidido o que iria fazer desde que resolvi chamar as algas, iria camuflá-las nas paredes do castelo.

Elas fizeram exatamente isso, chegaram e possuíram toda a estrutura da construção, já sem seu brilho como antes. Resolvi deixar duas algas comigo, uma em cada palma de minhas mãos e, com elas, consegui movimentar a água e criar uma passagem de entrada para o prédio.

As guerreiras entraram e caminharam pelo imponente castelo, subiram as escadas e passaram pelos corredores, dirigindo-se à torre onde a Rainha ficava. Resolveram que deveriam me pegar pelos braços e conduzir como se me carregassem, em situação de prisioneira.

Quando chegamos ao final do corredor maior, no topo do castelo, a passagem de água se abriu.

-Finalmente vocês chegaram, já não era sem tempo! Foi difícil escolher quem seria a contemplada? - A voz ecoava pelo salão, mas a Rainha ainda não tinha aparecido. - Eu aposto que foi Anna. - Sua voz foi chegando mais perto até que chegou a nossa vista. Ela estava com uma roupa totalmente diferente. Um vestido longo, branco com tons roxos. O tecido parecia diferente de tudo que eu já tinha visto, era parecia algo elástico e ao mesmo tempo viscoso. Ele moldava o corpo da Rainha e possuía complementos de um material semelhante a renda, mas fluídos.

Não lembramos que deveríamos ter escolhido alguém para ser libertada. Leiva improvisou, afinal ela era boa nisso:

-Tem razão, no final das contas escolhemos Anna. - Respondeu sem titubear e nem dar muita relevância para aquilo.

-Muito bem, então! Trato é trato! - A Rainha movimentou os braços ao alto e eu pressenti que ela iria jogar alguma alga em Anna. Não pensei muito e me atirei no caminho, pulando na direção da Rainha. Ela lançou a alga que tocou e grudou no meu nariz e eu caí sobre ela, derrubando-a e apertando minhas mãos em seu rosto, com as algas que eu carregava. Ela começou a gritar e seu grito parecia que podia alcançar todo o planeta. Seu rosto queimava, parecia que derretia em minhas mãos. Até que ela me empurrou, me tirando de cima dela e rolou para o canto da sala, se levantando devagar, de costas para nós.

-Garota, parabéns pela sua coragem! Quer dizer que você realmente pode manipular as algas? Mas você realmente acreditou que tinha alguma chance? - Enquanto a Rainha falava, se virou novamente para nós e seu rosto desfigurado esfumaçando, se recuperava, cicatrizava e gradativamente voltava ao normal. - Estou aqui há aproximadamente 50 anos. Mas eu já sou uma milenar. Eu vim para esse planeta pra esperar você. Eu sei mais sobre você do que você mesma. Meu poder é maior do que qualquer sonho seu que você sequer ainda teve.

Nesse instante, ela ergueu sua mão direita e fez um movimento com o indicador apontado para cima, de forma suave, como uma indicação. As algas que estavam nas paredes do castelo acenderam, mas não como antes. Elas pareciam chamas, alaranjadas feito fogo. Se juntavam e mais e mais iam diminuindo nosso espaço, como se as paredes ganhassem espessura e fossem se aproximando umas das outras em nossa direção. Paredes essas que se tornavam flamejantes, das quais se começava a sentir um calor intenso, mas a agua não evaporava.

Eu tentava controlar as algas, mas não conseguia. Elas não me obedeciam como antes. Eu comecei a sentir o motivo, elas tentavam me dizer. As algas que a Rainha tinha apanhado durante todos esses anos, passadas pelas chamas criadas por um gás aquático, mudavam sua estrutura molecular, o que permitia que Raquel, a rainha, com seu nível de desenvolvimento, pudesse controlar especificamente essas algas modificadas, que estavam já por toda a parte do castelo e não percebemos. Essas algas conseguiam ter influência sobre as algas naturais e comandá-las.

-Eu não consigo controlá-las, elas estão sob o comando das outras algas, que seguem as ordens da Rainha - avisei as guerreiras. - Realmente não sei o que fazer.

Elas aproximaram-se de mim. A parede de água já tinha passado pela Rainha e ficávamos cada vez mais acuadas.

Sem pensar muito em qualquer alternativa, toquei na imagem de Namos na minha pele e pedi mentalmente que ele se unisse a mim. Rapidamente, estávamos em simbiose, eu saltei em mergulho para a parede, atacando a Rainha, que não teve tempo de reação. Derrubei-a e comecei a golpeá-la. Comecei a desferir sequentes socos em seu rosto, com uma força que sequer permitia que se notasse que estávamos submersas. Ela não conseguia ter reação. As algas pararam de empurrar as paredes e tentaram me atacar. Os choques que elas desferiam não me afetavam. Talvez fosse alguma resistência que adquiri, talvez fosse a pele de Namos. Eu estava enfurecida. Até que senti um golpe, como se uma lança me perfurasse pela barriga. Era uma parte do vestido da Rainha que se desgrudou do braço dela se mostrando uma espécie de osso pontiagudo que atravessou meu corpo. Aparentemente aquele vestido, não era bem um vestido, mas também uma simbiose.

Eu caí de lado, sangue saiu pela minha boca, como lava saindo de um vulcão em erupção.

Leiva, incrédula pelo ocorrido, repetiu o meu salto, em direção à Rainha, agarrou aquela ponta que me feriu e apunhalou a Rainha de baixo para cima, perfurando seu pescoço e atravessou sua boca, provavelmente atingindo seu cérebro

As algas atacaram Leiva e eu não vi mais nada além de um clarão.

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