As algas seguiam contra a forte correnteza das cachoeiras invertidas e pela primeira vez eu sentia que não podia me mover livremente. As águas batalhavam contra mim. Me impediam de continuar.
- Lute, não com seu corpo, mas com sua mente. Ninguém pode fluir contra esse fluxo na base da força, muito menos revertê-lo, por mais poderoso que seja. Mas se você se concentrar, poderá passar por entre suas moléculas, fazendo com que ele desvie de você. É o primeiro passo para você conseguir controlar esse elemento. – Conseguia ouvir as algas falando comigo mesmo distantes e foi a primeira vez que percebi que as escutava não com os ouvidos, mas telepaticamente.No momento em que parei de lutar contra o fluxo de água, fui levada por ele, como um tronco de árvore despencando de uma cachoeira, mas permaneci calma. Como as algas ensinaram, tentei me concentrar, sentir a força e ao mesmo tempo a leveza como tocavam em minha pele. Era como se aquela matéria inanimada fosse alguém com sentimentos, um ser pensante. Até que, por um momento, elas pararam de me arrastar e passaram por mim, como se permitissem que eu ficasse ali. Vagarosamente, comecei a seguir o rastro luminoso das algas e cheguei até onde havia sido puxada anteriormente, na minha queda, quando estava com as guerreiras. Já podia escutar, às margens, elas ainda me procurando.Ao tentar sair da água, meu corpo não respondia. Havia um medo tomando conta de mim e travei. Consegui sentir que esse medo era uma fobia de Namos sobre ir para a terra. Uma memória surgiu em minha mente de um homem, seu dono, jogando-o no mato. Eu estava vivendo aquilo. Não era ele, era eu. Ali, eu era um animal como um peixe de aquário e esse homem me tirava da água e me jogava no meio de árvores. Eu sentia sufocamento, como quando morri afogada, mas era ainda pior. Um sentimento de confiança total que se quebrava. Aos poucos separei novamente meus pensamentos dos de Namos e fui tentando acalmá-lo. Eu estava frente a frente com um touro bravo, tentando ganhar sua confiança com carinho, logo depois de alguém acabar de fincá-lo com uma espada. Isso tudo dentro da minha cabeça, ainda ali parada dentro da água. Pedi a Namos que confiasse em mim. Que agora éramos um parte do outro e que eu nunca faria mal a ele. Que se algo desse errado em terra voltaríamos para a água imediatamente. Meu corpo voltou a se mexer e consegui, então, sair num salto digno de super-heróis do cinema, diante de Leiva.A guerreira tomou um susto, quase caindo para trás e, em seguida, ao perceber que era eu quem estava ali na sua frente, encouraçada na pele de um animal, como se tivesse ido desfilar numa feira de estilistas originais de personagens de histórias em quadrinhos, deu um grito.- Novata, é você mesma? – Questionou, Leiva, incrédula.- Emma, meu nome é Emma, acho que tinha passado da hora de falar pra vocês. – Respondi para rostos espantados, onde as expressões de dúvida retratavam várias perguntas e parecia que meu nome não era a maior delas.- Bom, não sei muito bem ainda tudo o que aconteceu, na verdade, mas vou explicar o máximo que eu conseguir.Comecei a contar os detalhes sobre as algas, o lance de Salvadora, a existência de Namos, sem saber se haviam outros como ele, naquele mundo. Ao final, eu disse que agora iria confrontar a Rainha, com uma tranquilidade de alguém que não imaginava outro resultado que não a vitória.- E isso tudo aconteceu em uma queda d’água? Ainda não estou acreditando – comentou a Shanera.Leiva me olhava e não sabia como reagir. Se afastou por alguns instantes.- Leiva e agora? – Perguntou Anna.- Preciso pensar! – Ela respondeu de uma forma que parecia a de uma pessoa que acabava de descobrir que tudo que acreditava na vida era uma farsa.- Leiva, não sei se temos muito o que pensar – replicou Farade.- Claro que temos, vocês não entendem? Quanto tempo levamos para conquistar a confiança da Rainha? Para nos aproximarmos? Quantas batalhas? Quanto sofrimento? E eu sou responsável por vocês, a líder! Como posso confiar nessa história? Como posso simplesmente investir em uma revolução, de uma desconhecida? Não consigo saber ainda o que é certo, o que é errado...- Leiva, nunca se sabe o que é certo ou errado, se sente... – Foi meio que minha resposta automática, suficiente para o olhar de dúvida dela se transformar em um olhar de esperança.- Mas, então, qual é o seu plano? – Perguntou ela.-Acredito que você seja muito mais capaz de criar um do que eu. Qual é o plano, Leiva? – A única vontade que eu tinha era de ir direto pra Rainha e acabar com ela, sem pensar muito em como fazer isso.Leiva hesitou, franziu a testa, olhou para as guerreiras e concluiu:- O maior trunfo ao nosso lado é que a Rainha não sabe de nada do que aconteceu e temos que manter assim até o momento certo, pegá-la de surpresa. Não vai ser muito fácil, com você com essa aparência, existe alguma forma de você se separar do seu animal que te incorporou?- Não fui incorporada, é uma simbiose, estamos juntos. E sim, podemos nos separar. – Falei isso e instantaneamente nos separamos.Todas ficaram espantadas com a imponência de Namos. Ele era bem grande, não poderia passar despercebido.- Agora precisamos pensar como podemos disfarçá-lo, não acho que vai ser fácil entrar no castelo com ele escondido. - Leiva não conseguia pensar em uma solução.- Na verdade tem uma forma. Eu posso fazer com que ele se torne um desenho em meu corpo, uma espécie de tatuagem. Bom, ele poderia fazer isso comigo também, adquirimos esse poder de camuflar um ao outro, o que requer muita confiança, pois só nós podemos fazer ou desfazer essa ação um pro outro. – A maioria das coisas que eu sabia agora eu não fazia ideia de como eu tinha aprendido.Toquei na cabeça de Namos levemente, ele olhou pra mim e desapareceu, se tornando uma imagem em meu braço.- Obrigado, meu amigo, vou tirar você daí o mais rápido que eu puder – eu disse a ele, tocando sua imagem em meu ombro com minha mão. Já sentia como se fossemos ligados há centenas de anos.- Agora, vamos levá-la como prisioneira e quando você estiver bem próxima da Rainha, você utilizará as algas para atacá-la. – Parecia um bom plano.- Mas e se as algas não a matarem? Ou se ela puder controlar as algas mais do que eu? – Perguntei, pela primeira vez, um pouco desacreditada de que conseguiria. Realmente a confiança inflada era da personalidade de Namos.- Bom, acredito que todas devemos ter um pouco de fé em você, inclusive você mesma. Mas, em último caso, peço que faça algo por nós, se não funcionar... Que mande as algas... nos destruírem. – Leiva parecia muito emocionada ao falar isso, eu sentia que a responsabilidade que ela carregava pelas outras guerreiras era um peso enorme, que ela se importava muito.- Espero não precisar fazer isso, mas eu entendo e prometo que farei o que estiver ao meu alcance para garantir isso.Seguimos para o Castelo da Rainha. Realmente as paisagens modeladas por água nas mais diferentes situações eram estonteantes, uma natureza que parecia inexplicável para os meus padrões de entendimento. Sinceramente, não me parecia um inferno, na verdade era algo visualmente bem distante do que minha imaginação estava acostumada a respeito de um submundo como eu acreditava que seria isso, após a morte. Quando pudemos avistar o Castelo, no horizonte, foi a coisa mais impressionante que eu já tinha visto de uma construção, toda feita de água em movimento. Como isso era possível? Passamos por uma ponte sobre um rio, com mais quedas d’água ao redor e avistamos um outro grupo de mulheres que vinham em nossa direção.Ao se aproximarem, a que estava a frente se dirigiu a Leiva:- Leiva, o que faz indo em direção ao Castelo? - Natane, se sua Rainha não disse a você sobre os negócios que tenho com ela, não serei eu quem direi. Aliás, se as guardiãs estão indo na direção contrári
Com minha fúria, consegui explodir longe todo líquido que estava à minha volta como um epicentro de um maremoto. O impulso dessa explosão me atirou alto e eu caí em algum lugar que eu não reconhecia. Uma penumbra me indicava que eu estava em outro lugar, completamente diferente. Ainda não tinha percebido nenhum local com pouca luz naquele planeta. Os dois Sóis mal eram percebidos, pareciam quase alinhados ao horizonte em diferentes direções. Olhando melhor eu pude perceber enormes construções em ruínas. Grandes sombras surgindo, deixando o cenário ainda mais escuro e assustador e um barulho de passos como que de enormes dinossauros não me pareceram animadores. O pensamento do que havia acontecido com Leiva e a Rainha e de como eu estava naquele lugar conseguiam ser mais fortes do que a expectativa a respeito do que vinha em minha direção. Eu continuava com Namos e ele me fazia entender que havíamos morrido.Fui agarrada por uma mão que logo se revelou de uma gigante, que me ergue
Um planeta inteiro e apenas eu, ali. Comecei a repetir as cenas do que tinha acontecido, em minha cabeça e me perguntava se minhas decisões haviam sido as mais acertadas. Passei a caminhar, vagar, sem rumo. Em algum momento, depois de não saber mais quantos dias se passaram, sem sequer ter a noção de tempo, que o dia e a noite talvez pudessem me dar ali, apenas me joguei na margem de um lago. Eu tentava conversar com Namos, mas nem o sentia mais em mim, era como se ele tivesse se escondido completamente. Procurei por algas, mas aparentemente todas elas haviam desaparecido no processo.Adormeci e o que aconteceu não dava pra eu distinguir se era um sonho ou realidade. Um homem alado simplesmente se materializou ao meu lado. Eu vi seus pés, primeiro, e em seguida, me virando, pude ver a sua silhueta, contra o Sol.- Emma, você não está nada bem. Levante-se, não vai querer que suas amigas a vejam assim quando eu trouxe-lás para cá, não é? - Dizia, uma voz masculina. Quanto tempo
Aquilo era absolutamente incrível. Todas estavam reunidas novamente. E salvas! As guerreiras começaram a contar detalhes desconexos, de tudo que aconteceu com elas. Eu acreditava que muito tempo tinha se passado, mas para elas passou muito mais. Elas experimentaram coisas completamente diferentes, situações que nunca imaginaram. Seus corpos, apesar de um pouco diferentes, mais adaptados a uma outra realidade, principalmente com o detalhe de uma pele mais espessa, de uma realidade gélida, também tinham a necessidade da alimentação. Algumas estavam com problemas que desenvolveram por conta do ar, que possuía gases tóxicos naquele planeta e ainda estavam abaladas por uma guerra na qual foram forçadas a participar. Apesar de machucadas ou doentes, nenhuma delas havia morrido. Nenhuma. Mesmo diante de alguns momentos separadas, se mantiveram unidas o máximo que conseguiram. Disseram que meu sacrifício as inspiraram a unirem-se. Criaram até um lema, uma frase que identificava-as como
O tempo foi passando e eu comecei a ficar um pouco preocupada. Não que fosse ruim ter tranquilidade, ter recursos, poder acompanhar a recuperação de todas as que se feriram. Mas, o fato era que eu tinha ficado com uma promessa de algo que eu não sabia o que era. As meninas começaram a perguntar o que deveriam fazer, se podiam voltar a tentar ter uma rotina, formar um lar, tentar viver. E eu não fazia a menor ideia do que responder pois a qualquer momento uma nova guerra poderia cair em suas cabeças. Na verdade, era o mais provável de acontecer. Incentivar que elas pudessem sonhar, fazer planos, me parecia injusto. Dizer não parecia ainda mais injusto. Fui pedindo um pouco mais de paciência, que ainda precisávamos cuidar umas das outras, mas praticamente não tínhamos mais o que esperar. Mesmo as que ainda estavam em recuperação já se sentiam plenamente capazes e dispostas. Achei que deveria desenvolver um plano. Criar uma espécie de treinamento. Mantê-las ativas. Chamei aquelas que c
Depois do evento do tsunami, o caminho natural foi estruturar o planeta para uma nova realidade. E isso significava sedimentar, fincar raízes. Pois a estrutura fornecida por Athos era incrível, mas além de temporária, comportava metade da população que o planeta tinha. Enquanto trabalhavam para aumentar essa estrutura, para que o planeta fornecesse mais recursos para todos viverem bem, criavam laços. Amizades, compromissos, apego sentimental, tanto entre pessoas, quanto com criações e realizações. Quem construía uma casa, com cada detalhe planejado, obviamente se apegava aquele lugar. Com ajuda dos outros, uniam-se enquanto comunidade, também. Criavam novas identidades. Não eram mais as Gigantes ou as Mileniuns, ou Tsun, como os que morreram no tsunami ficaram conhecidos. Eram um povo só. No máximo, se identificavam pela região que se fixaram, como os de "Além das AM" (Árvores Molhadas, como eram chamadas as árvores que ficaram submersas e retornavam de acordo com uma espécie de mar
A felicidade parecia constante e duradoura, o que me assustava a todo momento. Minha experiência me dizia que o "felizes" nunca era para sempre e no meio de cada acontecimento que nos aproximava, que nos fortalecia, a cada nova demonstração de amor, não só entre nós, mas também entre todos no planeta, vinha em mim um pensamento de decepção pelo futuro. A impressão que eu tinha sempre era a de que, quando Athos reaparecesse, tudo iria se acabar. Guerra, mortes, caos. Nada mais seria a mesma coisa. Por isso, eu queria aproveitar cada minuto, cada momento, cada atitude. Mas, ao que tudo indica, não existe ordem sem o caos. - Majestade, existe algo que precisa de sua atenção de forma urgente! - Gritava, Ninfar, nossa chefe de guarda, entrando pela porta do salão principal do Castelo, onde estávamos arrumando as coisas para o nosso almoço coletivo tradicional. - O que aconteceu, Ninfar? Houve outra epidemia de gatos fofinhos nascendo no planeta? - Brincava, Natane lembrando de um
O tour acabou se tornando rapidamente algo muito maior. Krakor insistia que eu dissesse, a cada área visitada, melhorias que poderiam ser feitas baseadas nas necessidades e gostos do povo de Néon e depois que me soltei e comecei a falar, nos tornamos praticamente artistas. Tudo estava absolutamente incrível já e o cuidado e carinho nos detalhes de cada nova mudança eram impressionantes. Nem de longe aquilo era Néon. Era muito melhor. Se depois da intervenção de Athos, o planeta já tinha se tornado algo muito maior, aquele país que era criado ali era o ápice. Krakor controlava muito bem os elementos, incluindo a água e até os mecanismos de funcionamento das paredes do Castelo, das cascatas artificiais, tudo que funcionava antes com as algas, ele conseguiu reproduzir. Era mesmo uma pena não tê-las ali. Krakor disse que sentia muito minha perda. Explicou o quanto os animais significavam no Universo. A maioria deles não evoluía. Se mantinham em planetas de primeiras vidas, sua partícula