6. O Plano

As algas seguiam contra a forte correnteza das cachoeiras invertidas e pela primeira vez eu sentia que não podia me mover livremente. As águas batalhavam contra mim. Me impediam de continuar.

- Lute, não com seu corpo, mas com sua mente. Ninguém pode fluir contra esse fluxo na base da força, muito menos revertê-lo, por mais poderoso que seja. Mas se você se concentrar, poderá passar por entre suas moléculas, fazendo com que ele desvie de você. É o primeiro passo para você conseguir controlar esse elemento. – Conseguia ouvir as algas falando comigo mesmo distantes e foi a primeira vez que percebi que as escutava não com os ouvidos, mas telepaticamente.

No momento em que parei de lutar contra o fluxo de água, fui levada por ele, como um tronco de árvore despencando de uma cachoeira, mas permaneci calma. Como as algas ensinaram, tentei me concentrar, sentir a força e ao mesmo tempo a leveza como tocavam em minha pele. Era como se aquela matéria inanimada fosse alguém com sentimentos, um ser pensante. Até que, por um momento, elas pararam de me arrastar e passaram por mim, como se permitissem que eu ficasse ali. Vagarosamente, comecei a seguir o rastro luminoso das algas e cheguei até onde havia sido puxada anteriormente, na minha queda, quando estava com as guerreiras. Já podia escutar, às margens, elas ainda me procurando.

Ao tentar sair da água, meu corpo não respondia. Havia um medo tomando conta de mim e travei. Consegui sentir que esse medo era uma fobia de Namos sobre ir para a terra. Uma memória surgiu em minha mente de um homem, seu dono, jogando-o no mato. Eu estava vivendo aquilo. Não era ele, era eu. Ali, eu era um animal como um peixe de aquário e esse homem me tirava da água e me jogava no meio de árvores. Eu sentia sufocamento, como quando morri afogada, mas era ainda pior. Um sentimento de confiança total que se quebrava. Aos poucos separei novamente meus pensamentos dos de Namos e fui tentando acalmá-lo. Eu estava frente a frente com um touro bravo, tentando ganhar sua confiança com carinho, logo depois de alguém acabar de fincá-lo com uma espada. Isso tudo dentro da minha cabeça, ainda ali parada dentro da água. Pedi a Namos que confiasse em mim. Que agora éramos um parte do outro e que eu nunca faria mal a ele. Que se algo desse errado em terra voltaríamos para a água imediatamente. Meu corpo voltou a se mexer e consegui, então, sair num salto digno de super-heróis do cinema, diante de Leiva.

A guerreira tomou um susto, quase caindo para trás e, em seguida, ao perceber que era eu quem estava ali na sua frente, encouraçada na pele de um animal, como se tivesse ido desfilar numa feira de estilistas originais de personagens de histórias em quadrinhos, deu um grito.

- Novata, é você mesma? – Questionou, Leiva, incrédula.

- Emma, meu nome é Emma, acho que tinha passado da hora de falar pra vocês. – Respondi para rostos espantados, onde as expressões de dúvida retratavam várias perguntas e parecia que meu nome não era a maior delas.

- Bom, não sei muito bem ainda tudo o que aconteceu, na verdade, mas vou explicar o máximo que eu conseguir.

Comecei a contar os detalhes sobre as algas, o lance de Salvadora, a existência de Namos, sem saber se haviam outros como ele, naquele mundo. Ao final, eu disse que agora iria confrontar a Rainha, com uma tranquilidade de alguém que não imaginava outro resultado que não a vitória.

- E isso tudo aconteceu em uma queda d’água? Ainda não estou acreditando – comentou a Shanera.

Leiva me olhava e não sabia como reagir. Se afastou por alguns instantes.

- Leiva e agora? – Perguntou Anna.

- Preciso pensar! – Ela respondeu de uma forma que parecia a de uma pessoa que acabava de descobrir que tudo que acreditava na vida era uma farsa.

- Leiva, não sei se temos muito o que pensar – replicou Farade.

- Claro que temos, vocês não entendem? Quanto tempo levamos para conquistar a confiança da Rainha? Para nos aproximarmos? Quantas batalhas? Quanto sofrimento? E eu sou responsável por vocês, a líder! Como posso confiar nessa história? Como posso simplesmente investir em uma revolução, de uma desconhecida? Não consigo saber ainda o que é certo, o que é errado...

- Leiva, nunca se sabe o que é certo ou errado, se sente... – Foi meio que minha resposta automática, suficiente para o olhar de dúvida dela se transformar em um olhar de esperança.

- Mas, então, qual é o seu plano? – Perguntou ela.

-Acredito que você seja muito mais capaz de criar um do que eu. Qual é o plano, Leiva? – A única vontade que eu tinha era de ir direto pra Rainha e acabar com ela, sem pensar muito em como fazer isso.

Leiva hesitou, franziu a testa, olhou para as guerreiras e concluiu:

- O maior trunfo ao nosso lado é que a Rainha não sabe de nada do que aconteceu e temos que manter assim até o momento certo, pegá-la de surpresa. Não vai ser muito fácil, com você com essa aparência, existe alguma forma de você se separar do seu animal que te incorporou?

- Não fui incorporada, é uma simbiose, estamos juntos. E sim, podemos nos separar. – Falei isso e instantaneamente nos separamos.

Todas ficaram espantadas com a imponência de Namos. Ele era bem grande, não poderia passar despercebido.

- Agora precisamos pensar como podemos disfarçá-lo, não acho que vai ser fácil entrar no castelo com ele escondido. - Leiva não conseguia pensar em uma solução.

- Na verdade tem uma forma. Eu posso fazer com que ele se torne um desenho em meu corpo, uma espécie de tatuagem. Bom, ele poderia fazer isso comigo também, adquirimos esse poder de camuflar um ao outro, o que requer muita confiança, pois só nós podemos fazer ou desfazer essa ação um pro outro. – A maioria das coisas que eu sabia agora eu não fazia ideia de como eu tinha aprendido.

Toquei na cabeça de Namos levemente, ele olhou pra mim e desapareceu, se tornando uma imagem em meu braço.

- Obrigado, meu amigo, vou tirar você daí o mais rápido que eu puder – eu disse a ele, tocando sua imagem em meu ombro com minha mão. Já sentia como se fossemos ligados há centenas de anos.

- Agora, vamos levá-la como prisioneira e quando você estiver bem próxima da Rainha, você utilizará as algas para atacá-la. – Parecia um bom plano.

- Mas e se as algas não a matarem? Ou se ela puder controlar as algas mais do que eu? – Perguntei, pela primeira vez, um pouco desacreditada de que conseguiria. Realmente a confiança inflada era da personalidade de Namos.

- Bom, acredito que todas devemos ter um pouco de fé em você, inclusive você mesma. Mas, em último caso, peço que faça algo por nós, se não funcionar... Que mande as algas... nos destruírem. – Leiva parecia muito emocionada ao falar isso, eu sentia que a responsabilidade que ela carregava pelas outras guerreiras era um peso enorme, que ela se importava muito.

- Espero não precisar fazer isso, mas eu entendo e prometo que farei o que estiver ao meu alcance para garantir isso.

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