Roupas espalhadas.
Imagens numa TV sem som.
Um odor rançoso rouba o ar.
Luzes intrometidas invadem o ambiente pelas frestas da persiana.
No chão, garrafas vazias de whisky.
Sobre a caixa de pizza aberta, uma mosca.
Atônito, ergueu-se do sofá.
Olhou para si mesmo.
Olhou ao redor.
Calmaria após tornado.
De novo.
De novo.
E de novo.
Era sempre assim quando ela cruzava o seu caminho.
Sutil.
Dominante.
Avassaladora.
Quando de longe ele a via se aproximando, sabia que não conseguiria pará-la.
Possessiva, abraçava.
Seguia-o além das portas de seu apartamento.
Ali.
Distante de tudo e de todos.
Ela o controlava por dias.
Às vezes semanas.
Exausto era sugado pela súcubus que drenava toda a sua energia sexual.
Rotina.
Trabalho.
Sono.
Diante dela, tudo se prostrava.
Tentava afastá-la, retomar o autocontrole.
Tentava levantar da cama, mas sedutora ela sussurrava: “Só por hoje.”
Ele era forte mas ela persuasiva.
Sem resistir, entregava a ela todo o seu tempo.
E toda a sua vida.
Às vezes parecia paixão.
Outras vezes, obsessão.
Muitas vezes a odiava.
Outras vezes se agarrava a ela como seu último recurso.
Alguns momentos a aceitava.
Em outros tinha vontade de abraçá-la e se jogar do mais alto penhasco.
Em sua cabeça, ninguém deveria tê-la.
E ele, que a tinha, não podia mais se ver sem ela.
Não a dividiria com ninguém.
Ninguém.
Alguns momentos ele chorava, em outros gritava.
Algumas vezes quebrava tudo, em outras a envolvia com seus braços fortes e a aninhava junto ao peito.
Até que, do mesmo modo como chegava, ela partia.
E ele se sentia culpado.
Devastado.
Precisaria recomeçar tudo.
Mas ele ficava à espreita, porque ela sempre voltava.
Respirei bem fundo quando li o letreiro diante de mim.SB Koffee.Imediatamente dei início ao meu mantra mental: "Eu vou conseguir. Não importa o que aconteça. Eu vou conseguir."Puxei minha trança por sobre o ombro, passei as mãos pela blusa desfazendo qualquer aspecto amarrotado, deixado pela viagem no ônibus lotado do qual tinha acabado de descer e, antes de dar um passo sequer, o ônibus arrancou do ponto espalhando sobre mim a lama do meio fio.A fúria me tomou por completo. Virei na direção do ônibus e fechei o punho para o alto gritando com toda a força dos meus pulmões: — Além de boca suja, é mal educada. — disse meu gerente — Não te ensinaram bons modos lá na Bahia? — completou sacudindo a mão para que eu apertasse.Obedientemente eu apertei a mão estendida diante de mim e forcei um sorriso, tentando de algum modo anular a minha primeira impressão.— Me chamo Flor de Lis. Desculpe e é um desprazer! — rosnei entredentes. Eu não conseguia me controlar, era mais forte que eu.O sorriso preguiçoso se abriu para mim e foi a primeira vez que percebi como ele era bonito, apesar de babaca.— Fica sussa! — tomou-me pela mão me puxando para a cafeteria — V2. Calango com Farinha
— Boa tarde, posso ajudar? — perguntei colocando minhas mãos suadas dentro dos bolsos do avental e logo senti uma caderneta e uma caneta.Demorei alguns segundos para perceber que eram para anotar os pedidos. Empunhei a caderneta como um escudo e a caneta como uma espada.Ele estava concentrado na tela do notebook, me dando a oportunidade de contemplar sua beleza.Cabelos escorridos e castanhos se espalhavam um pouco de lado por sua testa quase cobrindo os olhos — que eu não sabia de qual cor eram — a pele era clara e ele parecia enorme a julgar pelo tamanho dos braços, pernas e tronco; os lábios eram rosados e carnudos. Eu senti um súbito desejo de beijá-lo. — Calma! Deixa ver se eu entendi... Lá na missa da Bahia eles tomavam Cachaça no lugar de vinho, e tapioca no lugar de hóstia?!...— Pernambuco!!! — Corrigimos eu e Suzy pela milésima vez.— Lá as comidas são meio limitadas, né? Por isso vocês comem calango...— Ulisses cara, com todo o respeito, cala boca! — disse Suzy.As bochechas dele coraram e eu não sabia se sentia pena ou se dava um tapa.— É uma pergunta sincera. — disse ele, ajustando os óculos no rosto.— Na ve4. O Pacto
— Mainha? É tu que tá aí?— Sou eu filha.— Mainha, tenha vergonha. Isso é hora de tu chegar em casa?— E isso é hora de tu tá acordada, Maria Flor? — perguntei eu segurando o riso.— Mainha... Que frio da merda! — disse ela ignorando minha pergunta.— Maria Flor Silva de Lima! Que boca suja é essa?— Oxe, tu fala merda o tempo todo.— Eu posso, v
— Essa espuma branca é o que, hein? — perguntei fazendo careta.— É leite, garota! — respondeu Suzy enfeitando o pires com um biscoitinho em formato de coração.— Posso tomar só a espuma? — perguntei com gracejo.— Nada disso! Eu fiz com o maior carinho. Na verdade eu pensei bastante em qual café fazer e cheguei a conclusão que um mocha seria simples e gostoso pra começar. — ela apontou para a xícara — Agora anda, prova...Segurei a xícara pela alça e sujei meu buço de leite fingindo que estava
Eu estava na frente de Ulisses, sem conseguir encará-lo.De cabeça baixa, eu olhava para meus sapatos altos. Inspirei fundo e falei tudo o que passava pela minha mente.— Chefe, pode me demitir. Mas saiba que eu nunca, nunquinha na minha vida, fui tão irresponsável. Tirando na adolescência... Nessa fase sim, eu fui muito doida. Mas, depois de adulta, em todos os meus trabalhos anteriores fui elogiada por chegar cedo e sair tarde. O que aconteceu aqui ontem foi… Excepcional. — fechei os olhos com força esperando minha demissão.— Então na adolescência você se metia em altas aventura? — falou Ulisses, com deboche.Levante
Pierre nos deixou em casa depois que liguei para os pais da Jéssica. Percebi pelo tom de voz da mãe que ela não parecia nem um pouco satisfeita pela surra que a filha levou. “Minha filha tá com olho roxo, nisso que dá deixar gente civilizada junto com todo tipo de gente” ela disse, e eu senti vontade de entrar no telefone e quebrar a cara daquela mulher, mas como Flor bateu na outra criança me segurei e, com muita educação, sugeri que seria importante as meninas conversarem e se desculparem uma com a outra. Ela afirmou que concordava, porém o seu tom de voz não passava o mesmo. Flor estava mais calma depois de ganhar de Pierre algumas folhas em branco e várias canetinhas coloridas, isso a distraiu durante todo o caminho de volta para casa — Graças a Deus as crianças esquecem rápido. Diferente dos adultos, eu por exemplo, não cons