— Boa tarde, posso ajudar? — perguntei colocando minhas mãos suadas dentro dos bolsos do avental e logo senti uma caderneta e uma caneta.
Demorei alguns segundos para perceber que eram para anotar os pedidos. Empunhei a caderneta como um escudo e a caneta como uma espada.
Ele estava concentrado na tela do notebook, me dando a oportunidade de contemplar sua beleza.
Cabelos escorridos e castanhos se espalhavam um pouco de lado por sua testa quase cobrindo os olhos — que eu não sabia de qual cor eram — a pele era clara e ele parecia enorme a julgar pelo tamanho dos braços, pernas e tronco; os lábios eram rosados e carnudos. Eu senti um súbito desejo de beijá-lo.
Lis do céu baixa esse fogo que tu nem conhece o homi, vai que é um tarado?
Meu coração deu um salto quando os olhos verdes como esmeralda se voltaram para mim, estreitaram-se e depois se arregalaram. Olhei ao redor um pouco assustada.
— Boa tarde, moça. — era a voz mais grossa e firme que já ouvi em toda a minha vida — Gostaria por favor de um expresso duplo e um cupcake de morango.
Os olhos fixos na minha direção me deixavam com dificuldade de raciocinar.
Fiquei na dúvida, ele estava mesmo me encarando? Um homem tão bonito iria dar tanta bola para uma mulher de cachos bagunçados?
Eu não me achava nem um pouco feia. Na verdade, sempre fui bonita. Não uma deusa da beleza mas bonita com certeza e confiava no meu próprio taco. Mas para aquele homem me encarar assim do nada? Apesar que o meu interesse também foi de repente. Pensando desse modo, estávamos quites.
Ele continuava me encarando intensamente, comecei a me convencer que o mesmo cupido havia flechado a nós dois.
Apertei a caderneta na minha mão, anotei o pedido e sem conseguir mais encarar aqueles olhos verdes, dei as costas, andando a passos largos para o balcão. Eu estava suando como uma porca.
— Sobreviveu? — perguntou Ulisses com aquele sorriso detestável no canto da boca.
Balancei a cabeça em afirmação completamente nervosa e me virei para olhar o cliente na mesa mais uma vez. Ele me encarava com as sobrancelhas franzidas.
Ôxe, agora pronto! Eu devo tá é cagada!
— Alô-ô! Terra chamando! — interrompeu-me Ulisses estalando os dedos à minha frente.
— Deu tudo certo e eu me saí muito bem, chefe.
— Não, sem chefe, não gosto que me chame de chefe...
Sem conseguir segurar um sorriso, vi que a barista Suzy também ria enquanto preparava o café do bonitão da mesa dez. Suzy se debruçou no balcão e abriu um sorriso gentil para mim quando disse:
— Bem vinda, novata!
— Brigada...
— Quer sair pra beber hoje? Você é nova na cidade, né?
— Sou nova sim. Quem mais vai sair pra beber? — perguntei pensando em Maria Flor que não conseguia dormir sem mim.
— Ué, eu e você. Acho que vai ser bom sair pra relaxar um pouco depois do primeiro dia. Se livrar da ansiedade. — ela disse com simpatia.
Ulisses nos encarava pelo canto do olho, parecia um pouco curioso e ao mesmo tempo sem jeito.
— Você pode ir também... chefe. — brincou Suzy e logo de cara eu gostei daquela garota, bem diferente da repulsa que senti por Laura.
— Ah, se você tá me convidando, então acho que eu vou sim! — disse ele com as bochechas coradas e a mão alisando a nuca.
— Combinado então, depois do expediente uma cervejinha pra relaxar e conhecer melhor a novata. — disse Suzy.
— Eu só tenho que voltar cedo, viu? Tenho uma filha.
— Tudo bem. Voltamos no máximo até às dez da noite.
— Combinado. Mas você sabe que eu não bebo. — disse Ulisses.
— Bebe sim. Água, suco… sem líquido o corpo humano já era. — ela disse com um risinho.
Quando o café ficou pronto voltei à mesa um pouco menos trêmula e com o coração batendo normalmente.
— Aqui está o seu pedido, senhor. — falei colocando sobre a mesa o café e o cupcake. — Espero que esteja do seu agrado.
— Por favor me chame de Pierre e muito obrigado. — disse erguendo os cantos da boca em um sorriso tímido.
Pierre, sempre considerei esse nome bonito. Talvez pelo seu significado: Pedra, rocha. Não era um nome raro, mas...
— Moça? — chamou ele me arrancando de minhas conjecturas.
— Oi! Desculpe... — respondi com um sobressalto.
— Pode me dizer o seu nome? Se não houver problema, claro.
— Flor de Lis, mas pode me chamar só de Lis.
Ele ergueu novamente os cantos dos lábios. Eu sempre soube que meu nome era lindo, mas sempre me surpreendia com a reação das pessoas ao ouvi-lo.
Ele continuava me encarando e o olhar parecia tão curioso que me fez pensar se era apenas o meu nome bonito.
— Flor de Lis... — repetiu como se testando como soava — Será que eu já não te conheço de algum lugar?
— Acho difícil, sou nova na cidade e aqui na SB Koffee também. Na verdade... Tu é o meu primeiro cliente.
— Me sinto honrado! — disse ele — Então verei você por mais vezes, estou sempre por aqui. — baixou o tom de voz em um sussurro — Acho que vou deixar um pedido na gerência para ser atendido apenas por você.
Senti minhas bochechas esquentando e não consegui esconder o sorriso satisfeito.
— Vixe, assim tu me deixa metida moço.
Subitamente ele ficou sério e as sobrancelhas se uniram, com um olhar especulativo.
— Você é Recifense?
— Sou sim. Como é que tu sabe?
— Pelo sotaque.
— Desculpa, eu sei que parece óbvio, mas é que as pessoas aqui chutam qualquer estado, menos Pernambuco. Tô começando a pensar que Pernambuco continua sendo um país.
— Eu já estive em Recife. Sou escritor e me encanto pela diversidade cultural do Brasil. — estendeu a mão para mim — Seja bem vinda Lis, a Selva de Pedra!
— Brigada. — respondi apertando a mão grande e macia estendida diante de mim.
— Eu acho que vamos nos dar muito bem.
Eu fiquei tão feliz com aquele comentário que tive dificuldade de conter o sorriso, até olhar para a cara de Laura que atendia um cliente e me encarava. Ela não parecia nada satisfeita com o que via.
— Calma! Deixa ver se eu entendi... Lá na missa da Bahia eles tomavam Cachaça no lugar de vinho, e tapioca no lugar de hóstia?!...— Pernambuco!!! — Corrigimos eu e Suzy pela milésima vez.— Lá as comidas são meio limitadas, né? Por isso vocês comem calango...— Ulisses cara, com todo o respeito, cala boca! — disse Suzy.As bochechas dele coraram e eu não sabia se sentia pena ou se dava um tapa.— É uma pergunta sincera. — disse ele, ajustando os óculos no rosto.— Na ve
— Mainha? É tu que tá aí?— Sou eu filha.— Mainha, tenha vergonha. Isso é hora de tu chegar em casa?— E isso é hora de tu tá acordada, Maria Flor? — perguntei eu segurando o riso.— Mainha... Que frio da merda! — disse ela ignorando minha pergunta.— Maria Flor Silva de Lima! Que boca suja é essa?— Oxe, tu fala merda o tempo todo.— Eu posso, v
— Essa espuma branca é o que, hein? — perguntei fazendo careta.— É leite, garota! — respondeu Suzy enfeitando o pires com um biscoitinho em formato de coração.— Posso tomar só a espuma? — perguntei com gracejo.— Nada disso! Eu fiz com o maior carinho. Na verdade eu pensei bastante em qual café fazer e cheguei a conclusão que um mocha seria simples e gostoso pra começar. — ela apontou para a xícara — Agora anda, prova...Segurei a xícara pela alça e sujei meu buço de leite fingindo que estava
Eu estava na frente de Ulisses, sem conseguir encará-lo.De cabeça baixa, eu olhava para meus sapatos altos. Inspirei fundo e falei tudo o que passava pela minha mente.— Chefe, pode me demitir. Mas saiba que eu nunca, nunquinha na minha vida, fui tão irresponsável. Tirando na adolescência... Nessa fase sim, eu fui muito doida. Mas, depois de adulta, em todos os meus trabalhos anteriores fui elogiada por chegar cedo e sair tarde. O que aconteceu aqui ontem foi… Excepcional. — fechei os olhos com força esperando minha demissão.— Então na adolescência você se metia em altas aventura? — falou Ulisses, com deboche.Levante
Pierre nos deixou em casa depois que liguei para os pais da Jéssica. Percebi pelo tom de voz da mãe que ela não parecia nem um pouco satisfeita pela surra que a filha levou. “Minha filha tá com olho roxo, nisso que dá deixar gente civilizada junto com todo tipo de gente” ela disse, e eu senti vontade de entrar no telefone e quebrar a cara daquela mulher, mas como Flor bateu na outra criança me segurei e, com muita educação, sugeri que seria importante as meninas conversarem e se desculparem uma com a outra. Ela afirmou que concordava, porém o seu tom de voz não passava o mesmo. Flor estava mais calma depois de ganhar de Pierre algumas folhas em branco e várias canetinhas coloridas, isso a distraiu durante todo o caminho de volta para casa — Graças a Deus as crianças esquecem rápido. Diferente dos adultos, eu por exemplo, não cons
— É claro que eu entendo... Você tem uma filha. — disse Ulisses alisando a nuca — Mas eu preciso que você pelo menos deixe um recado da próxima vez. — Eu tava tão avexada que nem pensei nisso. — respondi completamente envergonhada. — Imagino que sim, mas tente dar um jeito de avisar da próxima vez. Eu mesmo cubro você se for preciso. Mas se você não avisar e o proprietário aparecer por aqui, não vou ter como te proteger. Entende? — Claro e desculpa de novo. — Magina… Você me paga uma ice e estamos quites. — disse voltando ao seu humor habitual. — Opa! Eu ouvi cerveja? — perguntou Suzy entrando na sala dos funcionários. <
— Tia eu não queria te dar mais trabalho. — disse eu com sinceridade. Apesar de estar muito ansiosa pelo jantar com Pierre, eu estava com a consciência pesada, pois minha tia havia trocado a folga dela no hospital para que eu pudesse sair. — Não se preocupe querida, essas garotas vão dormir daqui a pouco. — ela disse rindo. — Tu vai deixar eu em casa. — reclamou Flor com os braços cruzados sobre o peito. — Flor, já te falei que tu vai achar chato. É passeio de adulto. — Tu devia era me acompanhar na igreja como prometeu. — disse minha mãe. — Mainha, eu já pedi desculpas. — respondi sem
— Como assim você quer roubar o título de São Paulo de Nova Iorque brasileira? — perguntou Ulisses com o dedo para o alto. — Eu quero lá roubar nada de ninguém! Tô te contando uma história que tu pelo visto não conhece. — respondi irritada — Vem cá, tu faltou as aulas de história, foi? — Eu… — passou a mão na nuca — Na verdade eu era um bom aluno. Só não lembrava de ter ouvido histórias sobre a Paraíba… Desculpa, desculpa! Pernambuco. — Histórias do teu país, peste! — disse eu com as sobrancelhas franzidas. — Você tá certa… Desculpa de novo, eu sou um idiota sem a intenção de ser idiota. — ele estava corado. — Tudo bem, Zé Ruela! Vou ser tua