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3. Selva de Pedra

— Boa tarde, posso ajudar? — perguntei colocando minhas mãos suadas dentro dos bolsos do avental e logo senti uma caderneta e uma caneta.

Demorei alguns segundos para perceber que eram para anotar os pedidos. Empunhei a caderneta como um escudo e a caneta como uma espada.

Ele estava concentrado na tela do notebook, me dando a oportunidade de contemplar sua beleza.

Cabelos escorridos e castanhos se espalhavam um pouco de lado por sua testa quase cobrindo os olhos — que eu não sabia de qual cor eram — a pele era clara e ele parecia enorme a julgar pelo tamanho dos braços, pernas e tronco; os lábios eram rosados e carnudos. Eu senti um súbito desejo de beijá-lo.

Lis do céu baixa esse fogo que tu nem conhece o homi, vai que é um tarado?

Meu coração deu um salto quando os olhos verdes como esmeralda se voltaram para mim, estreitaram-se e depois se arregalaram. Olhei ao redor um pouco assustada.

— Boa tarde, moça. — era a voz mais grossa e firme que já ouvi em toda a minha vida — Gostaria por favor de um expresso duplo e um cupcake de morango.

Os olhos fixos na minha direção me deixavam com dificuldade de raciocinar.

Fiquei na dúvida, ele estava mesmo me encarando? Um homem tão bonito iria dar tanta bola para uma mulher de cachos bagunçados?

Eu não me achava nem um pouco feia. Na verdade, sempre fui bonita. Não uma deusa da beleza mas bonita com certeza e confiava no meu próprio taco. Mas para aquele homem me encarar assim do nada? Apesar que o meu interesse também foi de repente. Pensando desse modo, estávamos quites.

Ele continuava me encarando intensamente, comecei a me convencer que o mesmo cupido havia flechado a nós dois.

Apertei a caderneta na minha mão, anotei o pedido e sem conseguir mais encarar aqueles olhos verdes, dei as costas, andando a passos largos para o balcão. Eu estava suando como uma porca.

— Sobreviveu? — perguntou Ulisses com aquele sorriso detestável no canto da boca.

Balancei a cabeça em afirmação completamente nervosa e me virei para olhar o cliente na mesa mais uma vez. Ele me encarava com as sobrancelhas franzidas.

Ôxe, agora pronto! Eu devo tá é cagada!

— Alô-ô! Terra chamando! — interrompeu-me Ulisses estalando os dedos à minha frente.

— Deu tudo certo e eu me saí muito bem, chefe.

— Não, sem chefe, não gosto que me chame de chefe...

Sem conseguir segurar um sorriso, vi que a barista Suzy também ria enquanto preparava o café do bonitão da mesa dez. Suzy se debruçou no balcão e abriu um sorriso gentil para mim quando disse:

— Bem vinda, novata!

— Brigada...

— Quer sair pra beber hoje? Você é nova na cidade, né?

— Sou nova sim. Quem mais vai sair pra beber? — perguntei pensando em Maria Flor que não conseguia dormir sem mim.

— Ué, eu e você. Acho que vai ser bom sair pra relaxar um pouco depois do primeiro dia. Se livrar da ansiedade. — ela disse com simpatia.

Ulisses nos encarava pelo canto do olho, parecia um pouco curioso e ao mesmo tempo sem jeito.

— Você pode ir também... chefe. — brincou Suzy e logo de cara eu gostei daquela garota, bem diferente da repulsa que senti por Laura.

— Ah, se você tá me convidando, então acho que eu vou sim! — disse ele com as bochechas coradas e a mão alisando a nuca.

— Combinado então, depois do expediente uma cervejinha pra relaxar e conhecer melhor a novata. — disse Suzy.

— Eu só tenho que voltar cedo, viu? Tenho uma filha.

— Tudo bem. Voltamos no máximo até às dez da noite.

— Combinado. Mas você sabe que eu não bebo. — disse Ulisses.

— Bebe sim. Água, suco… sem líquido o corpo humano já era. — ela disse com um risinho.

Quando o café ficou pronto voltei à mesa um pouco menos trêmula e com o coração batendo normalmente.

— Aqui está o seu pedido, senhor. — falei colocando sobre a mesa o café e o cupcake. — Espero que esteja do seu agrado.

— Por favor me chame de Pierre e muito obrigado. — disse erguendo os cantos da boca em um sorriso tímido.

Pierre, sempre considerei esse nome bonito. Talvez pelo seu significado: Pedra, rocha. Não era um nome raro, mas...

— Moça? — chamou ele me arrancando de minhas conjecturas.

— Oi! Desculpe... — respondi com um sobressalto.

— Pode me dizer o seu nome? Se não houver problema, claro.

— Flor de Lis, mas pode me chamar só de Lis.

Ele ergueu novamente os cantos dos lábios. Eu sempre soube que meu nome era lindo, mas sempre me surpreendia com a reação das pessoas ao ouvi-lo.

Ele continuava me encarando e o olhar parecia tão curioso que me fez pensar se era apenas o meu nome bonito.

— Flor de Lis... — repetiu como se testando como soava — Será que eu já não te conheço de algum lugar?

— Acho difícil, sou nova na cidade e aqui na SB Koffee também. Na verdade... Tu é o meu primeiro cliente.

— Me sinto honrado! — disse ele — Então verei você por mais vezes, estou sempre por aqui. — baixou o tom de voz em um sussurro — Acho que vou deixar um pedido na gerência para ser atendido apenas por você.

Senti minhas bochechas esquentando e não consegui esconder o sorriso satisfeito.

— Vixe, assim tu me deixa metida moço.

Subitamente ele ficou sério e as sobrancelhas se uniram, com um olhar especulativo.

— Você é Recifense?

— Sou sim. Como é que tu sabe?

— Pelo sotaque.

— Desculpa, eu sei que parece óbvio, mas é que as pessoas aqui chutam qualquer estado, menos Pernambuco. Tô começando a pensar que Pernambuco continua sendo um país.

— Eu já estive em Recife. Sou escritor e me encanto pela diversidade cultural do Brasil. — estendeu a mão para mim — Seja bem vinda Lis, a Selva de Pedra!

— Brigada. — respondi apertando a mão grande e macia estendida diante de mim.

— Eu acho que vamos nos dar muito bem.

Eu fiquei tão feliz com aquele comentário que tive dificuldade de conter o sorriso, até olhar para a cara de Laura que atendia um cliente e me encarava. Ela não parecia nada satisfeita com o que via.

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