— Essa espuma branca é o que, hein? — perguntei fazendo careta.
— É leite, garota! — respondeu Suzy enfeitando o pires com um biscoitinho em formato de coração.
— Posso tomar só a espuma? — perguntei com gracejo.
— Nada disso! Eu fiz com o maior carinho. Na verdade eu pensei bastante em qual café fazer e cheguei a conclusão que um mocha seria simples e gostoso pra começar. — ela apontou para a xícara — Agora anda, prova...
Segurei a xícara pela alça e sujei meu buço de leite fingindo que estava dando um gole. Suzy estreitou os olhos ainda mais e eu dei um gole de verdade.
Senti um toque quente e cremoso em minha língua. O doce e o amargo se misturavam em uma completude perfeita. Não foi nem um pouco parecido com a primeira e única vez que tomei café.
— Esse negócio é docinho!
— Pois é e eu nem adicionei açúcar. — disse ela simulando uma expressão rígida.
— Vixe!... É muito bom! — disse eu esvaziando rapidamente a pequena xícara.
Suzy me olhava com um sorriso satisfeito.
— Gostou mesmo? De verdade? Eu posso fazer outro pra você. A gente tem tempo.
— Gostei de verdade! — respondi passando a língua no lábio superior.
Erguendo o seu pequeno nariz arrebitado, Suzy afastou os cabelos negros em corte chanel das bochechas sob as acentuadas maçãs do rosto. Seus olhos puxados se moviam de um lado para o outro enquanto ela parecia pensar em qual receita fazer.
— Já sei! — disse levantando o dedo para o alto — Vou fazer um Dalgona pra você com direito a gotas de chocolate.
Era meu quinto dia de trabalho e estávamos em nosso intervalo. No começo ela preparou alguns cafés mais elaborados, mas não demorou para nos entregarmos ao café espresso e foi aí que eu perdi a conta de quantas xícaras tomei.
Me alimentei de croissants, bolos e pães de queijo. Foi bom ter comido alguma coisa, pois eu nem imaginava que o excesso de cafeína poderia me afetar tanto quanto me afetou naquele dia. Cerca de uma hora depois comecei a sentir as consequências.
Minha colega devia estar acostumada ou talvez não tivesse tomado tanto quanto eu. Num dado momento ela me alertou para não exagerar, mas a essa altura eu já estava empolgada demais com o mundo para o qual havia sido transportada.
Eu estava pulando e rindo, enquanto segurava uma garrafa de água que Suzy me deu para aliviar os efeitos da cafeína. Nesse momento, Ulisses colocou a cabeça na sala reservada aos funcionários.
— O movimento tá aumentando.
Foi quando eu me dei conta de que havíamos passado da hora de intervalo.
— Já vou!... Javoujavoujavoujavou... Tenho que atender. Tenho que atender... — disse eu sentindo meu olho esquerdo tremer.
— O que houve com ela? — perguntou Ulisses para Suzy.
— Dei café pra ela experimentar e agora, que bom que a gente não tem tanque de café, se não eu acho que ela já tinha mergulhado...
— Pra quem não gostava, hein garota? — disse ele com o sorriso no canto da boca — Sabe com o que é que eu quero ver você mais empolgada ainda? — perguntou meu gerente.
— O que? — perguntei sentindo meu braço se mexer como se tivesse vida própria.
— Com o trabalho! Rumbora. — disse batendo palma para mim.
— Sim, sim, sim chefe! Você manda e eu obedeço! — eu disse batendo continência e correndo para a porta.
No salão principal, estava tocando Pela luz dos olhos teus de Vinicius de Moraes. Simulei que apoiava minha mão em um ombro imaginário e com a outra mão apertava a do parceiro de dança a minha frente. Juntos eu e meu cavalheiro de mentirinha, rodopiamos pelo salão principal. Girei, girei e girei até que esbarrei em um corpo grande e delgado.
— Opa! — disse uma voz grave e firme me segurando pelos cotovelos antes que eu pudesse me espatifar no chão com a força do impacto.
Esbugalhei ainda mais os olhos — que já estavam arregalados — quando fui abordada por um olhar profundo. Percebi que seus cílios eram de um castanho mais claro que os cabelos e as sobrancelhas. Percebi também que em meio ao verde de seus olhos haviam pequenos pontos dourados.
— Oooi filezinho! — apoiei as mãos em seus ombros, que ao contrário dos do meu parceiro de dança, eram de verdade. Firmes e quentes — Pensei que tu não fosse mais voltar, eu já tava com saudade...
O sorriso tímido surgiu no rosto de Pierre e eu senti minhas mãos tremendo um pouco mais. Quando, de repente, Ulisses se colocou na minha frente.
— Peço desculpas senhor, ela não está bem. — disse ele passando um braço sobre meus ombros e me levando de volta para a sala dos funcionários.
— Mais um espresso, por favor! — falei apontando um dedo para o alto.
— Cê tá louca, meu? Escuta aqui, quando você melhorar...
— Quando você melhorar!... — imitei engrossando minha própria voz e caindo na risada.
Logo parei apoiando a mão no peito quando senti meu coração dar um sobressalto estranho.
— Chefe, acho que eu tô infartando. — disse eu respirando fundo na tentativa de controlar os batimentos cardíacos.
Ulisses me deu um analgésico, água e me fez comer uma maçã que tinha na bolsa. Depois me colocou em um táxi para casa, mesmo com todos os meus protestos.
— Não precisa de tudo isso não. — falei sentindo um suor frio tomar meu pescoço.
— Precisa sim. Você vai pra casa e vai descansar — olhou para mim avaliando se eu estava bem — O efeito da cafeína não dura muito, você vai sobreviver.
— Eu não quero perder o dia de trabalho.
— Lis… Amanhã a gente conversa. — falou firme.
Ele me acompanhou até o táxi, pagou o motorista e deu instruções para que eu chegasse em casa segura. O meu comportamento no meu recente ambiente de trabalho ia de mal a pior desde o meu primeiro dia, me admirava muito por Ulisses ainda não ter me demitido.
Para piorar a situação, quando olhei pela janela do táxi percebi Laura cochichando ao ouvido de um dos funcionários enquanto olhava maliciosamente para mim.
Nunca pensei que pudesse ser tão odiada por aquela garota, ainda mais por motivos que só existiam na cabeça maluca dela.
Eu estava na frente de Ulisses, sem conseguir encará-lo.De cabeça baixa, eu olhava para meus sapatos altos. Inspirei fundo e falei tudo o que passava pela minha mente.— Chefe, pode me demitir. Mas saiba que eu nunca, nunquinha na minha vida, fui tão irresponsável. Tirando na adolescência... Nessa fase sim, eu fui muito doida. Mas, depois de adulta, em todos os meus trabalhos anteriores fui elogiada por chegar cedo e sair tarde. O que aconteceu aqui ontem foi… Excepcional. — fechei os olhos com força esperando minha demissão.— Então na adolescência você se metia em altas aventura? — falou Ulisses, com deboche.Levante
Pierre nos deixou em casa depois que liguei para os pais da Jéssica. Percebi pelo tom de voz da mãe que ela não parecia nem um pouco satisfeita pela surra que a filha levou. “Minha filha tá com olho roxo, nisso que dá deixar gente civilizada junto com todo tipo de gente” ela disse, e eu senti vontade de entrar no telefone e quebrar a cara daquela mulher, mas como Flor bateu na outra criança me segurei e, com muita educação, sugeri que seria importante as meninas conversarem e se desculparem uma com a outra. Ela afirmou que concordava, porém o seu tom de voz não passava o mesmo. Flor estava mais calma depois de ganhar de Pierre algumas folhas em branco e várias canetinhas coloridas, isso a distraiu durante todo o caminho de volta para casa — Graças a Deus as crianças esquecem rápido. Diferente dos adultos, eu por exemplo, não cons
— É claro que eu entendo... Você tem uma filha. — disse Ulisses alisando a nuca — Mas eu preciso que você pelo menos deixe um recado da próxima vez. — Eu tava tão avexada que nem pensei nisso. — respondi completamente envergonhada. — Imagino que sim, mas tente dar um jeito de avisar da próxima vez. Eu mesmo cubro você se for preciso. Mas se você não avisar e o proprietário aparecer por aqui, não vou ter como te proteger. Entende? — Claro e desculpa de novo. — Magina… Você me paga uma ice e estamos quites. — disse voltando ao seu humor habitual. — Opa! Eu ouvi cerveja? — perguntou Suzy entrando na sala dos funcionários. <
— Tia eu não queria te dar mais trabalho. — disse eu com sinceridade. Apesar de estar muito ansiosa pelo jantar com Pierre, eu estava com a consciência pesada, pois minha tia havia trocado a folga dela no hospital para que eu pudesse sair. — Não se preocupe querida, essas garotas vão dormir daqui a pouco. — ela disse rindo. — Tu vai deixar eu em casa. — reclamou Flor com os braços cruzados sobre o peito. — Flor, já te falei que tu vai achar chato. É passeio de adulto. — Tu devia era me acompanhar na igreja como prometeu. — disse minha mãe. — Mainha, eu já pedi desculpas. — respondi sem
— Como assim você quer roubar o título de São Paulo de Nova Iorque brasileira? — perguntou Ulisses com o dedo para o alto. — Eu quero lá roubar nada de ninguém! Tô te contando uma história que tu pelo visto não conhece. — respondi irritada — Vem cá, tu faltou as aulas de história, foi? — Eu… — passou a mão na nuca — Na verdade eu era um bom aluno. Só não lembrava de ter ouvido histórias sobre a Paraíba… Desculpa, desculpa! Pernambuco. — Histórias do teu país, peste! — disse eu com as sobrancelhas franzidas. — Você tá certa… Desculpa de novo, eu sou um idiota sem a intenção de ser idiota. — ele estava corado. — Tudo bem, Zé Ruela! Vou ser tua
Eram mais ou menos dez da noite e Ulisses me dava carona para casa depois do barzinho. Eu tinha duas horas para chegar e a tia Margarida poder sair para o trabalho. — Então… Você e a Laura, hein? — Você tava me espiando? — ele perguntou franzindo as sobrancelhas. — Peste, tu é o gerente daquela bexiga de cafeteria. Foi tu que me dissesse que o último a sair avisa pra tu poder fechar. — falei já com raiva — Por que diabo eu ia querer ver tu engolindo Laura? Logo Laura! — Não sei porque vocês perseguem tanto a Laura. Na verdade ela é bem legal. — ele disse. — Tu é um jumento mesmo! Só tu não enxerga que ela é o diabo louro. — respondi — Mas me conta
— Oi! — cumprimentou Pierre — Tudo certo pra hoje? — Tudo certo, mas tu sabe que eu tenho hora pra voltar. — Pode deixar. Prometo ficar de olho na hora. — Pra onde a gente vai? — perguntei apoiando as mãos no bolso do avental. — Vamos assistir uma apresentação teatral. Posso esperar você largar? — Tudo bem. Eu tinha toda a roupa separada na minha bolsa e estava ansiosa pelo nosso segundo encontro. Até pedi para Ulisses me liberar mais cedo e ele me disse um não bem direto. Então Pierre concordou em esperar até às sete da noite para que eu largasse. Na verdade até às sete e vinte, tempo
O Teatro Municipal de São Paulo tinha uma estrutura arquitetônica grandiosa e, naquela noite, ele estava todo iluminado.Dei graças por ter escolhido um pretinho básico de gola alta, saltos e uma maquiagem caprichada que Suzy me ajudou a fazer. A ocasião era elegante.— Começou a ser construído em 1903... — disse Pierre ao meu lado — Esse estilo arquitetônico eclético, estava em alta na Europa no século XIX daí veio a inspiração, mais especificamente na Ópera de Paris.— É muito lindo!— Muito mesmo. Esse é um dos cartões postais da cidade, mas foi aqui nesse mesmo local,