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Fragmentos de Nós
Fragmentos de Nós
Por: LynneFigueiredo
Primeiro Fragmentos.

Onde Nasce a Amizade

O pátio da escola estava cheio naquele final de manhã, como de costume. Crianças e pré-adolescentes corriam de um lado para o outro, rindo, brincando, ou simplesmente tentando sobreviver ao caos do recreio. Miguel Alencar, com 13 anos, observava tudo de longe, sentado em um dos bancos de concreto perto da quadra. Ele era um garoto quieto, nunca se envolvia em confusão. Preferia os livros de história e os jogos de estratégia aos campeonatos de futebol que dominavam as conversas dos colegas.

Foi quando ele ouviu. As vozes.

— Ei, Moretti! Você acha que é melhor que a gente, é? — um dos garotos gritou.

Miguel virou a cabeça na direção do tumulto. No meio da roda de meninos maiores, estava Clara Moretti, com seus cabelos castanhos escorridos sobre os ombros, vestindo o uniforme da escola e com a testa franzida em desafio. Ela segurava com força a alça da mochila, apertando-a contra o corpo, enquanto três garotos a cercavam.

— Acha que pode mandar na gente só porque é filha de riquinho? — provocou um dos garotos. Lucas, o mais alto e mais agressivo, dava um passo à frente, empurrando Clara com o ombro.

— Não tô mandando em ninguém! Me deixa em paz! — ela retrucou, o rosto vermelho de raiva e frustração. Mas, mesmo assim, não recuava.

Miguel conhecia Lucas e os outros meninos. Eram os valentões da escola, sempre procurando briga com quem não se encaixava ou não tinha medo deles. Clara, ao que parecia, tinha ambos os problemas.

Lucas empurrou Clara de novo, mais forte dessa vez, e ela cambaleou, quase caindo.

— Falei pra vocês me deixarem em paz! — ela gritou, com a voz embargada, mas cheia de determinação.

Miguel sentiu o coração acelerar. Sabia que poderia fingir que não estava vendo, mas algo dentro dele o empurrou para frente. Ele largou o livro que segurava e se levantou. Sem pensar duas vezes, correu até o grupo.

— Ei! Deixa ela em paz! — Miguel se colocou entre Clara e os garotos, abrindo os braços.

Lucas riu, incrédulo.

— E quem vai me fazer? Você? — zombou o valentão, olhando para Miguel de cima a baixo.

— Se precisar, sim. — Miguel tentou manter a voz firme, embora seu coração batesse tão forte que ele podia ouvi-lo nos ouvidos.

— Tá bom, então. Você pediu por isso.

Antes que Miguel pudesse reagir, um soco o atingiu no estômago. A dor foi instantânea, e ele se dobrou, sem ar. Outro golpe veio rápido, empurrando-o para o chão. Ele tentou se levantar, mas os chutes começaram a chover. Mesmo assim, ele não gritou, não se afastou. Ele havia decidido proteger Clara, e não voltaria atrás.

Os garotos continuaram por mais alguns segundos, rindo e zombando, até que finalmente perderam o interesse e saíram andando.

— Covardes. — Clara sussurrou, furiosa, mas segurou o impulso de ir atrás deles. Em vez disso, ela se abaixou ao lado de Miguel, que estava deitado no chão, ofegante.

— Você tá bem? — perguntou Clara, com a voz cheia de preocupação.

Miguel abriu um sorriso fraco, ainda tentando recuperar o fôlego.

— Já estive melhor... — ele murmurou.

Clara estendeu a mão, e Miguel, mesmo dolorido, a pegou. Ela o ajudou a se levantar com cuidado.

— Por que você fez isso? — perguntou ela, enquanto o guiava para fora do pátio, em direção ao campo de árvores que havia atrás da escola. O lugar era tranquilo, longe dos outros alunos, e eles se sentaram na sombra de um grande flamboyant.

Miguel deu de ombros, como se a resposta fosse óbvia.

— Não achei justo o que estavam fazendo com você.

Clara olhou para ele com surpresa. Não estava acostumada a ter alguém ao seu lado. Geralmente, enfrentava os valentões sozinha. Aquilo era novo para ela.

— Você é maluco. — disse Clara, rindo. — Eles podiam ter te machucado sério.

— Talvez eu seja. — Miguel sorriu de canto, massageando o braço dolorido. — Mas valeu a pena.

Clara ficou em silêncio por um momento, encarando o garoto que havia apanhado por ela. Depois, deu um leve empurrão em seu ombro — de forma cuidadosa, para não machucá-lo mais.

— Obrigada. — ela sussurrou. — Por ter me defendido.

Miguel a olhou e, naquele instante, algo mudou entre os dois. Não era apenas uma gratidão qualquer. Era o início de uma amizade verdadeira, daquelas que surgem nos momentos mais improváveis e permanecem para sempre.

Eles ficaram ali, em silêncio, olhando o céu por entre as folhas do flamboyant. Miguel e Clara — dois mundos diferentes que, de alguma forma, se encontraram naquele dia e começaram a se conectar, sem saber que, anos depois, a vida e as lembranças os afastariam de formas que nem imaginavam...

Miguel se revirava na cama, o corpo encharcado de suor. Os lençóis estavam embolados, presos entre suas pernas, enquanto ele se mexia inquieto, murmurando entre o sono. Seus lábios tremiam ao repetir as mesmas palavras, como se estivesse preso em uma cena que não conseguia evitar.

— Não machuquem ela... Não machuquem ela, por favor... — ele sussurrava, com a voz falhando entre a respiração pesada.

Ele se virou de lado, o rosto franzido, como se estivesse vendo algo doloroso. Seus punhos cerrados afundaram no colchão, e o peito subia e descia com a agitação.

De repente, ele parou de se mexer. No sonho, Clara estava ali, com aquele mesmo olhar de gratidão, segurando sua mão com delicadeza. A sensação de paz o envolveu por um instante, e ele ouviu sua voz doce: “Obrigada, por me proteger...”

Miguel despertou com um sobressalto, o coração disparado, os olhos arregalados no escuro do quarto. Ele respirou fundo, ainda tentando distinguir sonho e realidade, passando a mão pelo rosto úmido.

— De novo... Esse sonho de novo... Parece um déjà vu. — ele murmurou para si mesmo, confuso. Por mais que tentasse, não conseguia entender de onde aquela lembrança vinha, mas sentia que havia algo ali que não podia ignorar.

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