Decisões Irrevogáveis
Quando o carro parou na frente da casa dos Alencar, Miguel desceu e entrou sem falar com ninguém. Ele subiu direto para o quarto, ignorando o jantar que estava sendo preparado. Aquele banho era mais do que necessário. O peso da noite, das lembranças e do estranho sonho ainda o perseguia. Ele se despiu, entrou no banheiro e ficou sob o chuveiro por alguns minutos, deixando a água quente escorrer por seus ombros. Tentava organizar os pensamentos, mas quanto mais pensava na foto e no sonho, mais confuso se sentia. Depois do banho, vestiu uma camiseta leve e calça de pijama, deitou-se na cama e fechou os olhos, tentando afastar o turbilhão de emoções. Pouco depois, ele ouviu uma batida suave na porta e sua mãe, Isabel, entrou silenciosamente no quarto. — Não vai descer para jantar, meu filho? — ela perguntou, com um tom doce e familiar. Miguel abriu os olhos lentamente e olhou para a mãe. — Não, mãe. Tô sem fome. — ele respondeu, a voz baixa e cansada. Isabel permaneceu ali, parada na porta, com o olhar curioso, como sempre. — O que aconteceu? — perguntou ela, se aproximando e sentando-se na beirada da cama. Miguel suspirou e passou a mão pelos cabelos ainda úmidos. — Eu... Desmaiei hoje na galeria. — ele começou. — Foi estranho. Eu vi uma foto e... Foi como se algo dentro de mim travasse. Eu fiquei tonto e, antes que eu percebesse, apaguei. Isabel escutava em silêncio, o rosto impassível, mas os olhos carregavam algo mais profundo, uma compreensão silenciosa. — A foto... Era uma escola antiga, com um banco na frente. Tinha duas crianças sentadas lá. — Ele pausou, tentando organizar os pensamentos. — Eu conheço aquela escola. Isabel manteve o silêncio, apenas observando Miguel. Ela não precisava dizer nada — seu olhar dizia mais do que qualquer palavra. Miguel percebeu, mais uma vez, que sua mãe sabia mais do que estava disposta a revelar. — Só que eu não lembro de onde. — ele murmurou, cansado e frustrado. Isabel deu um leve sorriso, tocando de leve o ombro do filho. — Descansa, meu filho. — disse ela, com a mesma serenidade de sempre. — As respostas vêm no tempo certo. Miguel fechou os olhos enquanto Isabel se levantava e saía do quarto. Ele ouviu o leve clique da porta se fechando e ficou sozinho na escuridão, com os pensamentos ainda embaralhados. O peso do sonho e da fotografia continuava a rondá-lo, mas uma parte dele sabia: as peças começavam a se encaixar, mesmo que lentamente. Perfeito! Essa separação temporária do Miguel vai permitir que a história respire e possamos desenvolver Cecília e Clara de forma mais rica, mostrando suas personalidades e motivações. Abaixo, temos a estrutura para o próximo capítulo, onde Miguel se prepara para viajar, lidando com a reação de Cecília, e, em seguida, voltamos nossa atenção para Cecília e Clara, explorando como elas lidam com essa ausência de formas completamente diferentes. Miguel estava sentado em seu escritório particular quando recebeu a ligação urgente. Uma das empresas da Alencar Holding fora do Brasil estava enfrentando um problema crítico, algo que exigiria sua atenção imediata. Ele precisaria viajar, e dessa vez não poderia adiar ou delegar a missão a outro executivo. Enquanto revisava os documentos e organizava a viagem, Cecília entrou no escritório sem ser convidada, como sempre. — Amor, o que foi? — perguntou ela, ajeitando a franja e sentando-se no braço da poltrona de Miguel, como se já esperasse por más notícias. Miguel suspirou, deixando a pasta sobre a mesa. — Vou ter que viajar amanhã cedo. Uma das empresas fora do país está com problemas. Cecília arqueou as sobrancelhas, surpresa. — Viajar? Para onde? E por quanto tempo? — Londres. E não sei quanto tempo vai demorar. Pode ser uma semana, talvez duas. — Miguel se levantou e começou a organizar os papéis em sua pasta, tentando evitar o confronto que ele sabia que estava por vir. Cecília franziu a testa e cruzou os braços. — Você sabe que eu posso ir com você, né? — ela disse, com um sorriso que carregava tanto charme quanto ameaça. Miguel suspirou novamente, mas dessa vez mais fundo, sabendo que a conversa estava tomando o rumo previsível. — Dessa vez, não, Cecília. — ele respondeu, mantendo a calma. — É trabalho. Não vou ter tempo para turismo ou qualquer outra coisa. Preciso me concentrar totalmente nisso. O sorriso de Cecília se desfez. — Você sempre faz isso! — exclamou, a voz subindo em um tom agudo. — Sempre me deixa de fora das coisas importantes! Miguel passou a mão pelo rosto, exausto. — Não é isso, Cecília. — tentou explicar. — Dessa vez é diferente. Preciso resolver isso rápido, sem distrações. Mas Cecília já estava fora de controle. — Ah, então eu sou uma distração agora? — ela gritou, os olhos brilhando de raiva e frustração. — Sabe o que, Miguel? Eu cansei! Você só faz o que quer, sem me incluir em nada! E depois espera que eu continue aqui, sorrindo, como se nada tivesse acontecido! Ela começou a chorar de forma teatral, jogando-se dramaticamente na poltrona, como se sua vida dependesse daquela viagem. — Por favor, não faz isso, Cecília. — Miguel disse, a paciência se esgotando. — Eu realmente preciso ir, e essa conversa não vai mudar nada. Cecília continuou chorando, resmungando e fazendo chantagem emocional, mas Miguel se manteve firme. Ele já estava acostumado com o comportamento dela, mas desta vez não cederia. — Você pode chorar o quanto quiser, Cecília. — ele disse, pegando a pasta e as chaves. — Mas eu vou nessa viagem, com ou sem seu apoio. Cecília ficou parada, em choque, enquanto ele saía do escritório sem olhar para trás. Cecília passou a noite furiosa. Seu orgulho havia sido ferido, e não pela primeira vez. Por mais que tentasse, Miguel nunca parecia realmente envolvido no relacionamento deles. Ele era sempre frio, distante, como se nada que ela fizesse fosse capaz de atravessar a muralha que ele havia construído ao redor de si mesmo. Sozinha em seu apartamento de luxo, Cecília abriu uma garrafa de vinho e passou a noite afundada em ressentimentos. Ela estava cansada de ser ignorada, de ser tratada como um acessório na vida perfeita de Miguel. Mas o que mais a consumia era o medo – medo de que, no fundo, ele nunca tivesse realmente amado ela. Enquanto bebia, seu pensamento voltou para a galeria, para a mulher com a criança que Miguel havia olhado com tanta intensidade. Quem era ela? Por que Miguel parecia tão perturbado naquele momento?Silêncios InconscientesMiguel chegou cedo ao hangar privado, o céu ainda estava escuro e tingido por nuvens densas de outono. O jatinho particular já o esperava com motores prontos, o piloto acenando enquanto o chefe de bordo carregava sua mala de mão.Ele subiu as escadas sem cerimônia, jogando-se em uma das poltronas de couro enquanto tentava deixar a tensão dos últimos dias para trás. Londres o aguardava, e com ela, uma série de reuniões críticas. Esta viagem não poderia falhar; ele precisava estar focado. Esquecer sonhos estranhos e fotografias desconcertantes era uma necessidade, e o trabalho era sua melhor válvula de escape.Horas depois, o jatinho tocava o solo frio de Londres, e Miguel já estava pronto para mergulhar na agenda apertada. Seu motorista o aguardava no aeroporto, e ele seguiu diretamente para o escritório da filial da Alencar Holding. A cidade cinzenta e o clima frio pareciam um reflexo perfeito do estado de espírito dele — apático e focado apenas no trabalho.O
Negócios Fechados e Silêncios InternosO salão da festa em Londres era impressionante. Candelabros de cristal pendiam do teto, e uma banda de jazz tocava suavemente ao fundo, criando um ambiente elegante e intimidador. Magnatas e investidores poderosos circulavam pelo espaço, segurando taças de champanhe e rindo com confiança, como se o mundo estivesse sob o controle deles.Miguel Alencar caminhava pelo salão, cumprimentando algumas pessoas com acenos formais. A festa era o ponto culminante de sua viagem, e ele sabia que tudo o que ele precisava resolver terminaria naquela noite. Os acordos mais importantes não eram fechados nas reuniões oficiais, mas nas conversas discretas e privadas, longe dos olhares atentos.Um garçom se aproximou com uma bandeja cheia de bebidas. Miguel pegou uma taça de champanhe, mas não tomou um gole. Nunca foi um grande apreciador de álcool; seu verdadeiro prazer estava em ganhar — resolver problemas, fechar negócios, manter o controle absoluto.— Alencar,
Onde Nasce a AmizadeO pátio da escola estava cheio naquele final de manhã, como de costume. Crianças e pré-adolescentes corriam de um lado para o outro, rindo, brincando, ou simplesmente tentando sobreviver ao caos do recreio. Miguel Alencar, com 13 anos, observava tudo de longe, sentado em um dos bancos de concreto perto da quadra. Ele era um garoto quieto, nunca se envolvia em confusão. Preferia os livros de história e os jogos de estratégia aos campeonatos de futebol que dominavam as conversas dos colegas.Foi quando ele ouviu. As vozes.— Ei, Moretti! Você acha que é melhor que a gente, é? — um dos garotos gritou.Miguel virou a cabeça na direção do tumulto. No meio da roda de meninos maiores, estava Clara Moretti, com seus cabelos castanhos escorridos sobre os ombros, vestindo o uniforme da escola e com a testa franzida em desafio. Ela segurava com força a alça da mochila, apertando-a contra o corpo, enquanto três garotos a cercavam.— Acha que pode mandar na gente só porque é f
Ecos do PassadoMiguel levantou-se da cama lentamente, os músculos ainda pesados da agitação da noite anterior. O suor escorria pela testa, e ele sentia o pijama úmido colado ao corpo. Com um suspiro cansado, caminhou até o banheiro e ligou o chuveiro, deixando a água fria bater em seu rosto.Ele ficou ali por alguns minutos, tentando organizar os pensamentos. Aquele sonho o atormentava há meses, sempre voltando de forma quase idêntica. Era como se estivesse preso em uma memória distante, mas que ele não conseguia acessar totalmente.Depois do banho, Miguel saiu do banheiro, secando o cabelo com uma toalha. Abriu o armário e escolheu um belo paletó azul-escuro, acompanhado de uma camisa branca impecável e uma gravata cinza clara. Vestiu-se com a precisão que a rotina havia lhe ensinado, mas sua mente ainda estava distraída, presa na sensação que o sonho havia deixado.Pegou a chave do carro e a pasta com documentos importantes sobre a reunião que teria mais tarde. Ao descer as escada
Encontros SilenciososO café estava movimentado naquela manhã. Clara Moretti caminhava pelo centro da cidade grande com passos decididos, uma cidade que ela havia jurado nunca mais voltar. Mas desta vez, Valentina, sua irmã mais velha, havia insistido em se encontrar pessoalmente. O motivo? A exposição de Clara seria uma das principais atrações da galeria que Valentina gerenciava. E, embora relutante, Clara sabia que não podia continuar fugindo do passado para sempre.Ela apertou a mão de Luna, sua filha de 6 anos, que andava ao seu lado. A menina estava animada e curiosa, observando cada detalhe ao redor. Para ela, tudo na cidade era novidade — diferente da vila tranquila onde sempre viveram.Assim que chegaram ao café, Clara parou por um instante na entrada. Uma sensação estranha percorreu seu corpo, como se tivesse cruzado um portal invisível para um momento perdido no tempo. E foi quando ela o viu.Miguel Alencar estava diante dela. Ele segurava um copo de café e ajeitava o paletó
Eu à vi nos meus Sonhos – Encontro InevitávelA galeria de Valentina Moretti estava cheia. Obras de arte cuidadosamente selecionadas adornavam as paredes, atraindo a atenção de empresários, curadores e amantes da arte. Clara estava ali, movendo-se entre os convidados com um misto de nervosismo e serenidade. Embora a exposição fosse dela, sua mente estava longe, presa ao breve encontro com Miguel no café.E então, ela o viu.Miguel entrou pela porta principal da galeria, e ao seu lado estava Cecília Monteiro, rindo e segurando o braço dele de maneira possessiva. Cecília vestia um vestido vermelho marcante, roubando a atenção por onde passava.Clara sentiu o estômago afundar. Ver Miguel novamente já era difícil por si só, mas vê-lo ao lado de outra mulher, em um gesto tão íntimo e familiar, foi como levar um golpe que não esperava.Ela desviou o olhar rapidamente, tentando se recompor, mas o impacto foi profundo. Tudo o que ela havia tentado enterrar, todo o amor e a dor, voltou como um