A noite chegava lentamente em Belo Horizonte. Algumas ruas ficavam numa penumbra, o céu escurecia rapidamente e as lâmpadas dos postes se ascendiam. Algumas pessoas vagavam silenciosamente pelo caminho. O clima estava ameno e o ar levava para todos os lados o cheiro de pães frescos e café moído. Era quase impossível passar por aquelas ruas naquele horário e não parar em uma padaria ou em uma lanchonete para provar um pouco do café amargo, mas muito saboroso e, é claro, os pães frescos com o queijo mineiro tradicional.
Catarina passava pela rua, indo em direção à igreja, o ambiente do qual passara um período sem visitar. Um misto de ansiedade cobria a garota, ela não podia evitar, a dança era a sua paixão. Entrou em uma ruazinha, algumas pessoas estavam em frente às suas casas, conversando distraidamente com algum vizinho ou alguém conhecido.
Ela trajava roupas leves e calçava uma sapatilha branca, levando uma meia para vestir assim que chegasse. Seus cabelos estavam presos em coque frouxo e alguns fios caíam em sua testa.
A igreja estava entreaberta e uma luz fraca saía pela entrada. Cat deixou suas sandálias em um canto e fechou a porta assim que adentrou o ambiente. O espaço era grande, algumas cadeiras se espalhavam, mas lá na frente havia um espaço vazio onde três meninas estavam em um círculo, com as mãos dadas. Sussurros eram ouvidos e ela pôde facilmente deduzir que estavam fazendo uma oração e aquele não seria seu forte, então, sentou-se na última cadeira e observou as meninas ao longe.
— Tu és excelentíssimo, Senhor, nosso Pai. Agradecemos mais uma vez pela oportunidade de nos reunirmos aqui hoje, em seu nome e que toda honra e toda a glória seja dada somente para ti. Dirija esse ensaio da forma mais prazerosa possível e que venhamos te adorar com nossos passos. Amém!
— Você deve ser Catarina. Jéssica falou que viria a amiga dela para o ensaio, venha, se junte a nós — anunciou a garota de cabelos curtos que antes orava. Ela se apressou em apresentar as outras duas meninas e elas tentaram demonstrar atenciosidade.
— Onde está a Jéssica? Ela não vem? — disse e abriu um sorriso fraco.
— Seria uma loucura se ela não viesse, não acha? Ela mora longe daqui, o pai dela trará ela de carro então ela não demorará tanto.
Realmente não demorou muito até Jéssica surgir na porta e logo dar pulinhos ao ver sua amiguinha loira. Correu na direção dela e a abraçou.
— Catarina! — Exclamou ela, ofegante. — Estava em dúvida de que você viria, mas ainda bem que você veio, não consigo conter a minha felicidade.
Ela realmente não conseguia. Seu olhar brilhava e ela estava eufórica. Sua franja se agitava a cada movimento que ela, inquieta, dava. Porém, elas não fizeram questão de demorar mais para iniciar de fato aquele ensaio.
Jéssica explicou sobre para quando seria aquela apresentação da qual iriam ensaiar e pediu que Catarina observasse os passos que elas já tinham feito até o momento.
Cat estava encantada, a filha do pastor, a garota de cabelos curtos, aparentava saber mesmo liderar um grupo de dança, apesar de sempre ficar bem quieta no seu canto, até onde se lembrava. Ela estava na igreja a mais tempo que Catarina, as outras meninas é que eram novatas.
Um passo delicado, levanta as mãos para os céus, rodopia, dá dois passos para a frente e vira para trás, eram passos súteis de balé clássico com algo mais espontâneo e a música dizia "até tocar o céu". Elas pareciam mesmo tocar o céu, ou ao menos caminhar entre as nuvens com passos delicados e determinados.
Jéssica pediu a opinião da amiga que observava atentamente todos os passos.
— Quem sou eu pra apontar defeitos? Cada passo está uma perfeição e dá pra sentir muito mais a música e o que diz a letra. Vocês farão uma apresentação perfeita.
— Nós vamos sim, você também vai, eu já falei com o pas... — ela começou, mas foi interrompida pelo burburinho das meninas que falavam algo com ar de desaprovação.
— Meninas, eu não aprovo isso aqui e vocês sabem, o que tem contra Cat? — perguntou Júlia, a líder.
— Por que teremos de dançar com uma garota que está afastada?
— Se ela está afastada, então deve estar imunda — alfinetou uma com cabelos lisos e longos, cruzando os braços. — Eu me recuso a ficar com alguém que nem vai à igreja e nem serve a Deus direito, eu prefiro não dançar.
— Já chega! Me desculpe, Catarina, não liga para o que elas estão falando, eu suponho que os discipulados não estão ajudando, elas não aprenderam a não julgar. Vocês não são melhores que ninguém, mocinhas.
Catarina abaixou a cabeça e não conseguiu dizer mais nada. Mas também não conseguiu ficar mais naquele ambiente. A chance que ela estava dando para aquela "casa de Deus" fora arruinada. Aproveitando a distração das garotas, ela saiu silenciosamente, sem ser notada.
A noite já estava facilmente notável. O movimento nas ruas era um pouco fraco, mas ainda haviam pessoas a caminhar. Cat se sentia muito mal e insegura, ela sabia que todas aquelas acusações eram a mais pura verdade e se fechou em si mesma. Naquele momento ela se achava a pior pessoa.
Cada rua que ela entrava causava um arrepio em seu corpo. Sua blusa tinha uma fina alça e os pelos de seus braços se eriçavam com o vento frio que roçava em sua pele.
Chutando uma pedra no caminho, suspirou com o pensamento de que nunca mais pisaria os pés em um ambiente como aquele.
Ela passou por uma rua, de forma rápida e silenciosa, para não ser notada, mas, não fora veloz o suficiente para se livrar de seus olhos atentos.
Na frente de uma casa pintada de branco, um casal sorridente se abraçava e conversava com os rostos próximos um do outro. Eles conversavam distraidamente, mas logo ela subiu nas costas dele e ficou brincando intimamente. Eles pareciam ter a mesma idade, pareciam se conhecer a bastante tempo e aparentavam ser namorados ou algo mais íntimo, não dava para saber só os observando.
Ele a colocou novamente sentada no muro que estava inicialmente e beijou o topo da testa dela, que resmungou um "amor, queria ficar mais um pouco". Ao qual ele respondeu com um riso e com uma voz firme que deu para ouvir-se de onde Cat estava.
"Docinho, me desculpe ter me atrasado pra te encontrar. Prometo que amanhã te levarei para um lugar legal e compensarei."
Catarina limpou a garganta, desfazendo o imenso nó que se formou em sua garganta e estreitou os olhos, focando nos cabelos negros e lisos que se ajuntavam e assumiam formas pontudas ao redor de sua cabeça.
A voz extremamente conhecida, chamando a garota de docinho e de amor repetidas vezes. As mãos a acariciar o rosto delicado e quase angelical e imaginou que a menina de cabelos longos estaria a aproveitar bem os abraços aquecedores daquele g aroto.
Aquele garoto, que se chamava Vinícius.
҉
Catarina não dormiu bem aquela noite. O céu estava limpo, a brisa estava suave e fresca, não havia sons da noite se esvaindo lá fora, mas ainda assim, ela não dormiu, pois, os seus pensamentos estavam acesos e sua cabeça latejava a cada vez que um pensamento voltava a se ascender. Era como se eles ganhassem forma.— Como foi lá, querida? — a mãe havia perguntado, assim que ela chegou em casa.— Ah! Mãe... — ela respirou fundo e disfarçou. — Foi legal! Mas, sinceramente... isso não me serve mais.— Bom... você pode tentar outra coisa, filha, há bastantes possibilidades...— Por favor, mãe. Não mais, só quero ficar na minha, e certamente nunca voltarei lá.— Então... — resolveu finalizar — ok.Naquele momento, eles jantaram silenciosamente e se despediram com afeto, cada um para seu cômodo ainda mais silencioso, onde Cat se encontrava agora.Ela não sabia,
Fora uma manhã chata com provas chatas. O outono se aproximava, o clima ficava uma loucura e as pessoas se agitavam. Catarina começava a lembrar de sua época morando no campo, um pouco longe dali, nas colheitas de outono sem previsão de como viria o inverno, da fome que já enfrentara por conta de dias chuvosos ou de terra infrutífera. Certamente ela não queria voltar àquele tempo e não comentava com ninguém sobre seus medos.— Catarina?Ela se virou bruscamente, estava sentada na cadeira, em uma mesa da lanchonete, a voz que surgiu por trás dela pertencia, sim, a pessoa que ela não queria ver, definitivamente. Ela sentiu seu rosto ganhar rubor, mas não lhe era mais vergonha, era raiva. Ela segurou a mochila e se preparou para ir embora.— Vinícius? Desculpe, já estou de saída.&nb
Tem pessoas que, quando chegam em nossa vida, conseguem fazer uma revira-volta no nosso subconsciente, não é verdade? Dono de uma beleza de tirar o folego, Vinícius é um dos garotos mais desejados da cidade — digamos assim —, estava sempre recebendo fretes, pedidos de namoro e, é claro, estava sempre dando esperanças para as garotinhas. Piscadinhas aqui, sorrisinhos ali. Ele nunca iria assumir um compromisso sério, era o que todos diziam.Quando ele via Catarina, com seus cabelos esvoaçantes, passando distraidamente pelos corredores, ignorando-o totalmente, ele acreditou que aquela seria a garota certa. Ele certamente não iria querer garotas oferecidas para viver, precisava de um ser puro e intocado.Passara muito tempo observando-a em certa distância e quando fez contato, não se importou com mais nada que o cercava. Trabalho, casa, namorada. Ele queria em parte provar que conseguiria ficar com a menina certinha do colégio, mas, por outro lado, ele
Haviam se passado três dias. Três dias desde o dia em que Catarina entrou no carro de Vinícius e debateu com ele o tamanho da falta de vergonha que ele obtinha, dando um fora recheado de esperanças, recheados de "sim, estou apaixonada por você", talvez ela tivesse decidido jogar um jogo com ele antes, até se decidir se ele era uma diversão válida ao erro ou se era apenas o desperdício de tempo que ela já havia notado.Durante esses três dias, Vinícius se empenhava em conversar sobre assuntos inteligentes, recomendando leituras, se mostrando altruísta e responsável. Ela o ignorava e falava o quanto ele poderia ter feito melhor e no como ela se sairia bem no lugar dele.Ele havia mudado um pouco o seu jeito, mas, sempre que ela estava longe, ele virava uma garrafa de cerveja, de uma vez só, depois xingava e xingava. É claro que ele "passava o tempo" das melhores formas possíveis, em baladas e em lugares específicos, com pessoas peculiares,
*Os próximos capítulos serão com Catarina narrando-os.— Sim, eu lhe digo sim para a primeira pergunta. Eu pensei a respeito. Vinícius, eu te vejo como um bom amigo, eu pedi pra me provar e me fazer ver o contrário, mas isso ainda não aconteceu.— Caramba! Então, o que mais eu tenho que fazer?— Toma — levantei um pequeno livro na direção dele —, creio que vai aprender mais rápido. É um livro de romance.Ele ficou surpreso com a minha iniciativa, dava para ver em seus olhos e ele não disfarçava muito bem. Apesar de eu querer muito acabar com o drama e dizer sim de uma só vez, mas eu queria provar pra mim mesma que eu seria capaz de mudá-lo e deixar ele da melhor forma para me receber como qualquer coisa além de amiga.Deixei que ele o
— Sabe Cat — olhei para Jess, estávamos na saída do shopping, esperando que o pai dela viesse nos buscar. — Você tinha me perguntado, por que eu escolhi você para ficar já que tenho tantas outras amigas...Eu sentia ela como uma conselheira, era como se na verdade eu estivesse fazendo-a a vontade para desabafar. Esperei que ela suspirasse e me surpreendi com a palavra que veio logo em seguida.— Sou muito julgada. Não basta ser sobrinha do pastor, morar bem longe da igreja, estar me esforçando sempre pra me deslocar e estar presente nas reuniões e nos ensaios. Eu busco fazer tudo certinho e ouvir, de verdade, a voz de Deus. Me entende?Eu não soube mais o que dizer, apenas assenti com a cabeça. Por toda a minha vida, vi como Jess sempre se dedicou a faculdade e as coisas direcionadas a Deus, não via tempo de me aproximar, ou melhor, ainda não havia achado um momento certo para conversar com ela. Saber que esse momento havia chegado
Quebra de tempo:Catarina, após a visita de Jess, aceita participar de uma coreografia na igreja, poucas coisas acontecem com ela neste meio tempo, porém, ela não pode negar que sente algo diferente dentro dela... Ela precisa decidir se irá ouvir o coração, ou se continuará a ignorar.__As duas meninas cantaram mais alguns louvores, quando Cat abriu os olhos, percebeu que deixou as lágrimas rolarem. Com a vista embaçada, viu que sua mãe já havia chegado e estava ao seu lado e que a igreja estava parcialmente cheia.O pastor pegou o microfone novamente para ministrar um pouco a palavra, Jess a chamou pro banheiro novamente, mas já com todas as outras que iriam dançar; iriam repassar alguns passos para aquelas que estavam com uma mínima dificuldade e logo após iriam orar e se vestir.Vestiram um vestido longo branco com as mangas azuis e ficaram descalças. Fizeram uma breve oração pedindo ajuda e pedindo que
— Vai ficar para o culto? — ela demorou um tempo para organizar os pensamentos na cabeça. — Não, já estou indo — a expressão dele se tornou confusa e aparentemente apressada. — Tudo bem então — ela ficou levemente triste, mas não podia fazer nada. — Preciso ir.— Eu sei, docinho. Nos vemos depois — disse ele e deu um beijo na bochecha dela, que ficou levemente corada e preocupada por estar na igreja, olhou para dentro,mas a oração continuava. — Tchau.Ela entrou, tentando respirar calmamente e fechou os olhos. Não demorou muito para as lágrimas inundarem seus olhos.Sua concentração filtrou-se no pastor e na sua oração que estava ao fim. Um clamor pela nação.Após terminar de orar e de todos se sentarem, ele começou a pregar.— Muitos dizem que o arrependimento é fazer um giro de 180 graus; mas sem dúvid