Capítulo 5

Fora uma manhã chata com provas chatas. O outono se aproximava, o clima ficava uma loucura e as pessoas se agitavam. Catarina começava a lembrar de sua época morando no campo, um pouco longe dali, nas colheitas de outono sem previsão de como viria o inverno, da fome que já enfrentara por conta de dias chuvosos ou de terra infrutífera. Certamente ela não queria voltar àquele tempo e não comentava com ninguém sobre seus medos. 

— Catarina? 

Ela se virou bruscamente, estava sentada na cadeira, em uma mesa da lanchonete, a voz que surgiu por trás dela pertencia, sim, a pessoa que ela não queria ver, definitivamente. Ela sentiu seu rosto ganhar rubor, mas não lhe era mais vergonha, era raiva. Ela segurou a mochila e se preparou para ir embora.

— Vinícius? Desculpe, já estou de saída.

— Assim tão cedo, docinho?

— Eu não sou seu docinho, é tão difícil pra você entender isso?

— Mas o que houve, hein? O que deu em você?

Ela mantinha sua calma, apesar de tudo não queria gritarias desnecessárias e em público. Ergueu-se da cadeira e se retirou, já havia pagado e estava ali só passando o tempo, sua única preocupação fora se distanciar o bastante.

— Espera... — ele seguiu-a firme e decisivamente, como se sua vida dependesse daquilo. Conseguiu pegar o pulso da moça e a pôs sentada em um banco mais afastado, em um lugar mais "privado", delicadamente. Mas ela, ainda relutante, lutava contra aquele olhar.

— Eu não tenho nada para falar contigo.

— Mas não vai ficar assim. Eu não fiz nada, gatinha.

— Queridinho, o que você está fazendo? — uma voz feminina familiar surgiu diante deles.

Catarina o viu estreitar os olhos, sua mão estava indo ao encontro do rosto da moça sentada ao seu lado, mas, virando o rosto lentamente, sua mão também repousava no banco, involuntariamente. A garota diante deles tinha seus cabelos notavelmente tingidos de preto, estava com duas amigas e todas com os braços cruzados e expressões sérias. Não tinha como não se lembrar dela, nos braços de Vinicius na noite passada e ele não teria como negar.

— É hora de ir com sua namorada, Vinícius, eu já sei de tudo.

— Namorada? Docinho, eu terminei com ela faz tempo — ele fez uma expressão de nojo na direção da garota que parecia surpresa, com a raiva crescendo em seu peito.

— Mas isso é muita falta de vergonha, Vinizinho. Mentir pra sua paquera? Que feio! Ela nos viu ontem à noite, eu a vi. Estou de olho em vocês, já faz um tempinho e sei que ela é o motivo dos seus atrasos.

— É isso. No há porque continuar mentindo.

— E você vai acreditar nela?

— Acredito em meus olhos, não sei como pude confiar em você.

— Calma, garota — exclamou a morena, vendo que Cat estava indo embora —, não acabamos aqui, sua vadia medíocre. — Com um passo rápido, Catarina estava no chão, havia sido puxada pelos cabelos com tamanha força. — Liane, dê uma lição nela, não precisa caprichar.

— Mas eu não fiz nada — Cat sussurrou, tentando colocar as mãos na cabeça e nas costas que doíam estridentemente. A rua de repente ficou vazia, e não haveria como pedir por socorro ali, naquele lugar meio escuro, na frente de uma lojinha fechada.

— Por que não deixa ela em paz, gatinha? Ela não fez nada — a voz de Vinícius soou.

— Saia, não se intrometa, seu vagabundo idiota. Não sei como ainda volto com um... galinha que nem você — com um urro ela saiu do local, enquanto Vinícius olhava rapidamente para a garota no chão e corria para seguir sua namorada. — Não me siga!

Gradualmente aquela ruazinha ficava silenciosa, mas algumas outras pessoas se juntavam pra ver a briga, ansiosas para o próximo ato. Enquanto Catarina ao chão tinha sua visão do céu sendo substituída por uma mulher exuberante, não tão bonita, com corpo forte e um sorriso tristonho. O olhar dela expressava uma vingança desconhecida, Catarina nunca fizera mal a ninguém que estava querendo o mal dela.

A mulher inclinou o corpo e com uma piscadela, demonstrando raiva e pudor — e deixando claro que aquele era o pior castigo que Cat teria —, desferiu um soco com toda sua força no maxilar da garota deitada no chão. 

A garota fechou os olhos, tentando engolir a dor que nunca havia sentido. Estendeu as mãos ao lado do corpo e se entregou aquele sentimento inebriante.

 *   *   *

— Amiga? Ai, que bom, ela acordou — diz Deyse, ofegante. — O que aconteceu?

— Deyse? Onde estamos? Por que está com essa cara? Meu rosto deve estar horrível.

— Não minto, está horrível. Poderia esperar eu terminar a prova antes de se envolver em um barraco, não acha? Vou te levar pra casa, estamos em uma lojinha, a moça disse que viu tudo, mas quero ouvir tudinho no caminho. Vem.

— Mas...  — ela é ajudada a se levantar, a dor em seu rosto era insuportável, e ela teve de segurar uma compressa com gelo na região que foi machucada — não quero que minha mãe me veja assim — diz em um sussurro, pois sabia que era algo inútil.

— A dona dessa lojinha disse que não foi nada tão grave, não deslocou nada, mas vai ficar doendo por bastante tempo, quando você falar, comer e essas coisas. 

Ela pegou o braço de Cat e enlaçou no seu, as duas seguiram pela rua até a casa. A loirinha sentia fortes dores nas costas por conta da queda, ainda sentia a mão da morena a puxar seus fios com tamanha força, sendo que ela não fizera coisa alguma. Estava devastada.

Catarina, não sabia ao certo o que queria, estava confusa. Nunca participou de uma briga, nunca foi alvo de socos, nunca havia passado por esse terrível choque e sentia-o percorrer cada centímetro de seu corpo. Prometeu a si mesmo que não iria nem olhar para o indecente causador de todo aquele sofrimento. Agradeceu por não ter gastado seu primeiro beijo com um grande idiota, agora tinha medo e não sabia o que dizer aos pais. O que viria?

Elas chegaram, sem muita demora, na casa de Catarina, abriram o portãozinho de entrada, esperaram que alguém atendesse a porta, mas Cat pegou sua chave da bolsa, com um esforço e um impasse entre o zíper da mochila e a compressa em sua mão.

Como será que eles vão reagir?

Será que minha mãe vai me dar um sermão?

Será que eu devo mentir? Talvez seja melhor.

Esses e muitos outros pensamentos rodeavam a mente dela e a culpa, junto  ao medo, surgia.

— Eu não sabia de nada desse Vinícius — disse Deyse tirando-a dos devaneios. — E você sempre escondendo as coisas de mim, eu poderia ter te ajudado.

— Foi um erro. Eu não iria sustentar mais nada, tinha prometido a mim mesma.

— Mas você precisa de mim! Não é a toa que sou sua amiga — ela mostrou a língua.

— De qualquer forma, como eu ia saber que ia resultar nisso?

— Aí, está vendo? Meu poder de dedução é muito melhor que o seu...

— Mãe? — Cat a interrompe quando elas adentram a casa e a veem vazia.

— Ela não deve ter saído? Ela não disse nada? — disse num sussurro e se afastou, para ver algumas molduras na bancada. — Vai ver foi encontrar uma amiga, bobinha.

Ela, de repente ficou nervosa e seu coração se tornou turbinado. Seu maxilar doía a qualquer movimento, ela estava evitando ao máximo falar, então se contentou com a ausência da mãe e sentou-se, permitindo que a garota curiosa em sua sala pudesse cuidar dela.

— Amiga, deixa que eu digo o que aconteceu. Sua mãe deve chegar logo.

Ela olhou de soslaio para a janela antes de responder.

— Sim, acho que o almoço está pronto, caso queira comer aqui.

Ela sorriu, enquanto segurava a compressa de gelo e passava delicadamento pelo queixo de Catarina e mantinha ela quieta o melhor que conseguia.

— Eu irei pra casa, não se preocupe com...

Ela, como sempre, fora interrompida, dessa vez, a porta se abria e logo uma vozinha soava da entrada. "Catarina já está em casa" e logo, o rosto de espanto da mulher se chegava à sua sala e para as duas meninas sentadas no sofá, uma cuidado de possíveis ferimentos da outra, que era sua filha. Sua filha, ela hesitou e perguntou o que aconteceu, se aproximando devagar.

— Dona Rita, não fique tão preocupada, certo? Me chamo Deyse e sou colega da sua filha. Ela entrou na frente de umas meninas que queriam me bater, sem motivo algum, acabou levando um soco no queixo, mas está tudo bem, não foi nada grave. — Apressou-se em dizer.

— Catarina nunca se envolveu com nada assim. Mas, se foi para te defender, sinto um pouco de orgulho com isso...

Ela tocou no maxilar da filha, observando atentamente as veias alteradas, a vermelhidão no local. Sentiu-se aflita.

— Você... Deyse! Obrigada por cuidar da minha filha. Pode almoçar aqui? Seus pais permitem?

— Não foi nada, tia Rita, foi ela quem me protegeu. Adoraria provar da sua comida.

— Claro, você é bem-vinda, Cat nunca trouxe uma amiga para casa, apesar das circunstâncias, é um prazer — deu um beijo na bochecha da garota e se afastou um pouco. — Venha me ajudar a pôr a mesa, já que Cat está um pouco debilitada.

E lá se foi a mãe, com a colega de Catarina, como uma cruel traição. Era muito normal as mães pegarem os colegas de seus filhos para conversar e tratá-los como seus próprios filhos. 

Enquanto isso Catarina continuava calada, com a compressa na mão e os olhos fixos no nada. Não sabia se a dor estava mais concentrada em seu rosto ou em seu coração.

Em pouco tempo, estavam três mulheres sentadas à mesa, aproveitando da bela refeição.

— Obrigada por salvar minha vida, Deyse — a loira falou, mais tarde naquele dia.

— Só não se mete em encrenca de novo. E nada de meninos.

— Tudo bem... foi um erro, não vou cometê-lo outra vez. 

Ela se dirigiu para a porta aberta, sentindo o vento bagunçar seus cabelos. Finalizaram as despedidas e Deyse seguiu seu caminho, enquanto Cat fechava a porta e respirava um pouco aliviada, apesar das dores.

Esse erro, ela julgou ser o pior de sua vida. Acreditar e criar falsas esperanças em seu coração por um garoto? Repetir aquilo estava totalmente fora de cogitação e ela confirmava isso mais uma vez enquanto se dirigia para o quarto. 

Fechou a janela, sentou na beirada da cama e fechou os olhos. Fez uma promessa, em sua me nte, com as mãos fechadas, como se fosse uma oração. 

Nunca mais vou me iludir por um rosto bonito que por dentro é tão podre.

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