Capítulo 2

Salazar entrou em sua tenda amaldiçoando aquele dia e sua mãe correu para entender o que se passava com ele.

– Filho por que está chutando as coisas desse jeito, enlouqueceu...?

– Meu futuro mamãe...acabaram de roubar!

– Do que está falando...? se acalme que assim não ganha nada. –  Pediu ela tocando seu ombro.

– Valentina não quer se casar comigo.

– Mas por que não? Estão prometidos desde que eram crianças.

– Ela mesma disse, Donato ao invés de tentar voltar a filha ao juízo...acatou a decisão dela e desfez nosso compromisso!

– Não fique assim meu filho, talvez seja melhor. Se ela não o ama tente olhar para as outras jovens daqui e sei...

– De jeito nenhum...eu amo Valentina e minha vida será ao lado dela! –  Salazar não enxergava futuro sem ela.

– Mas ela não quer ficar contigo...tente entender!

– Não vou desistir, encontrarei uma maneira de fazer ela ser minha. –  Salazar jamais se daria por vencido.

...

Como combinado no dia seguinte Bernardo estava na porta da faculdade esperando por Valentina, ela saiu e foi até ele. Passearam um pouco e pararam em um banco da praça.

– Me falou tão pouco de você Bernardo, mora com seus pais?

– Eu não gosto de falar sobre mim...prefiro te ouvir. Essa sua voz tão doce me fascina! –  Bernardo não perde tempo e pega a mão de Valentina e ela sorri.

Eles passaram a se ver todos os dias depois da aula dela. Valentina estava se apaixonando a cada dia mais por Bernardo, ele se aproximava devagar ganhando a confiança dela para enfim chegar ao ponto que tanto esperava.

Valentina

Ele é tão diferente de todas as pessoas que conheço, parece sempre me dizer as coisas certas para agradar. Tem um cuidado especial comigo, me fazia sentir especial o tempo todo e o que nascia aqui dentro de mim por ele...era tão forte que eu jamais havia sentido nada parecido.

...

Era uma noite de sexta–feira estavam ao redor da fogueira como de costume as mulheres dançavam, Valentina sempre se destacava pela beleza e a graça de seus movimentos. Salazar a olhava encantado e a cada dia que passava se desesperava mais por terem desfeito o noivado. Donato batia palmas enquanto sua bela filha dançava e sorria até que sentiu um forte aperto no peito e caiu no meio da roda de dança.

Valentina congelou na hora, correu até o pai caído no chão frio.

– Papai...por favor acorde! –  Gritou ela, batendo em seu rosto...mas era tarde demais.

Agora além de sua mãe, estava sem seu único protetor. Velaram o corpo de Donato, os mais velhos se uniram em conselho e decidiram que Valentina agora era a líder do clã...porém deveria se casar o mais breve possível.

Ela sofreu muito a perda dele, sentiu medo por ser agora a responsável pelas tomadas de decisão de todo um grupo de pessoas mas daria o melhor de si para que tudo corresse bem.

Valentina só tinha como conselheira sua avó Carmem, haviam muitas dúvidas em seu coração agora que estava mais sozinha do que nunca.

Mais um mês se passou e ela sempre via Bernardo na cidade e falava tudo o que se passava em sua vida, até que ela resolveu abrir o jogo com Carmem.

– Vovó estou apaixonada e não sei o que fazer com esse amor. –  Diz Valentina sufocada por aquele sentimento.

– Amar é um dom minha querida, não tenha medo de sentir...me diga, quem é o felizardo?

– Esse é o problema...ele não é cigano. Vive na cidade e se chama Bernardo.

– Há dias tenho percebido sua mudança, antes mesmo de seu pai partir. Está mais vaidosa...tem um brilho diferente em seu olhar. –  Carmem sorria e tocava o rosto da neta.

– É que ele me fala coisas de amor, mas nunca nos beijamos...

– Ele pode apenas ser tímido. –  Carmem sorriu.

– Não é só por isso...ele diz palavras de amor, mas não sei. Nos olhos dele mesmo quando diz coisas bonitas há um imenso vazio.

– As pessoas tem formas diferentes de demonstrar sentimentos. Procure a resposta em seu coração, se acha que este homem pode te fazer feliz ou não. –  Valentina repousa a cabeça no colo de sua avó e fica a pensar.

No da seguinte como de costume Bernardo a estava esperando e desta vez com flores.

– São para você.

– Obrigada, são lindas. –  Ela sorriu.

– Há algo que a muito tempo meu coração pede aos gritos, mas a falta de coragem me impediu.

– Diga Bernardo.

– Quero que seja minha esposa. –  Ela mal podia acreditar que seu sonho iria se tornar real e que teria mais alguém para dividir a solidão que sua vida havia se transformado.

– Está disposto a viver como cigano? A entrar para nosso clã...? talvez essa vida não seja o que deseja para ti. –  Pergunta ela.

– O que desejo nessa vida é estar com você. –  Diz ele sorrindo e olhando nos belos olhos verdes dela.

– Então venha conhecer minha vó hoje a noite.

– Quero que mantenha nosso casamento ainda em segredo minha linda!

– Em segredo? –  Ela ficou triste com aquele pedido, queria uma grande festa e dividir a alegria com todos.

– Não fique assim, é que tenho medo de seu povo me achar pouco para você...será melhor assim. Nos casamos na sexta– feira e só ai falaremos com todos.

– Está bem! –  Ela esperou que ele lhe desse finalmente um beijo, mas nada aconteceu. Ele se despediu com um carinho no queixo dela.

Valentina escondeu de todos sobre seu casamento naquela mesma semana, mas Salazar estava sempre de olho nela e logo soube dos encontros que ela estava tendo com um homem da cidade.

– Salazar você me assustou sempre entrando assim...o que faz aqui? –  Diz ela se levantando da cama.

– Quem é esse homem com quem você tem se encontrado na cidade?

– Isso não é da sua conta! –  Responde ela irritada.

– Claro que é da minha conta...!

– Não somos mais noivos, não tenho por que te explicar nada.

– Vou contar aos anciões o que anda fazendo com sua honra e com o nome de nosso povo! –  Gritou ele cheio de ciúme.

– Faça isso...eu não me importo! –  Ela passa por ele indo para outro ambiente, ele agarra em seu braço.

– Se eu te pegar com esse homem ou qualquer outro eu juro...

– Vai fazer como o assassino de minha mãe? eu deixarei de existir se não for sua Salazar?

– Eu não seria capaz de te fazer mal, mas se algum outro ousar te tocar ele sim vai para o inferno bem rápido! –  Ele jamais admitiria que ela se entregasse a outro.

– Não te devo nenhuma satisfação. E me deixe em paz! –  Grita ela.

Havia chegado a sexta– feira, Valentina estava ansiosa, saiu escondida e levando o vestido em uma bolsa se arrumou na casa de Sofia e se encontrou com Bernardo onde haviam combinado. Ela estava linda no vestido que havia pedido Carmem para fazer, alegando que usaria nos festejos de São José.

Foram até a tenda de Belchior, ele sempre realizava os matrimônios e já estava bem idoso, não enxergava bem. Ficou cismado em realizar aquele casamento tão repentino e sem ao menos uma festa, já que as deles duravam mais de três dias.

Mas ele não fez caso pois era Valentina que pedia, realizou aquele matrimônio mesmo sem concordar.

Estava feito...eram marido e mulher.

– Finalmente meu amor, venha vou te levar até minha avó! –  Diz ela toda feliz puxando-o pela mão até sua tenda.

E ele olhava para todos desconfiado, parecia reviver uma lembrança ao ver aquele local e aquelas pessoas.

– Espera um minuto. Vou explicar a ela e depois você entra. –  Valentina estava tão feliz que não cabia em si.

– Como quiser. –  Respondeu ele, bem friamente.

– Vó...preciso te dizer uma coisa!

– Diga minha linda!

– Eu me casei, me casei agora a pouco!

– Valentina você enlouqueceu? Com aquele rapaz da cidade?

– Sim e por favor, não brigue comigo por isso. Eu o amo muito e a senhora me pediu para ouvir meu coração.

– É que você é uma líder, uma princesa e merecia uma grande festa!!!

– Eu não ligo para isso, desde que eu esteja com ele. Bernardo está aqui e quero que o conheça. –  Valentina sai um instante e volta com ele pegado em sua mão. Carmem congela ao ver e suas lembranças a transportaram até um rosto.

– Mas ele é!

– O próprio! –  Ele responde ao entrar tranquilamente na tenda.

– Benício? –  Carmem completa e lhe faltam as pernas.

– Não vovó, ele se chama Bernardo. –  Valentina corrige sem entender aquele engano.

– Sua avó está certa, eu me chamo Benício.

– Por que mentiu seu nome? –  Ela para um instante e se lembra de tudo o que seu pai havia contado durante anos, a mesma história trágica da morte de sua mãe. Mas aquele nome poderia ser uma coincidência, precisava ser! – Benício, filho...filho de Kayon? –  Valentina pergunta trêmula.

– Sim Valentina. Tenho o sangue da família que foi exilada injustamente deste clã! –  Seu tom de voz era carregado de remorso.

– Como pode me falar de injustiça? Minha mãe foi morta pelo maldito do seu pai...o que queria? que sua prole imunda permanecesse entre nós? –  Gritou Valentina.

Valentina

Uma onda de revolta, ódio e decepção tomou conta de todo o meu ser. Minha vontade era de mata-lo com minhas próprias mãos e me esquecer da humilhação tão grande que submeti a memória da minha mãe.

– Sua mãe o enganou...o seduziu e por isso ele perdeu a razão. Mas nada disso importa, blasfeme, diga o que quiser agora sou líder graças a você e trarei os meus...de volta para cá!

– Nunca!!! Vovó me diga, há uma forma de desfazer isso não há? Tem que haver! –  Diz ela aos prantos.

– Somos ciganos Valentina...só a morte pode nos separar agora. –  Diz ele, fazendo– a engolir seco toda a sua revolta.

Valentina corre para longe dali, não queria ouvir a voz daquele monstro nem mais um instante. Doía demais pensar que ela mesma havia dado a ele o privilégio de uma vingança fria e tardia.

– Já conseguiu o que queria, não faça ainda mais mal a ela. Valentina não merece. –  Diz Carmem agora a sós com ele.

– O que eu queria agora eu tenho...trarei minha mãe, minha irmã e Adriana, minha mulher. Voltaremos de cabeça erguida e nosso sangue nunca mais será maldito nesta terra!

– Além de tudo se casou com ela já tendo esposa? Você é muito pior do que eu imaginei.

– Pense como preferir senhora... Adriana e eu vivemos juntos, mas não havíamos nos casado.

Salazar ouviu aquela confusão e entrou na tenda encontrando os dois.

– Onde está Valentina? eu a ouvi gritar a pouco.

– Minha esposa não deve satisfação a ti. –  Responde Benício encarando Salazar que fica intrigado com aquele homem, aquele rosto era familiar e o passado parecia querer lhe dizer algo.

– Como sua esposa? Quem é você? –  Pergunta ele.

– Benício!

– Benício filho de Kayon?? –  Salazar se lembrava dele, eram amigos quando crianças.

– Isso mesmo!

– Valentina jamais se casaria com o filho de um assassino, muito menos da mãe dela!

– Vejo que ficou decepcionado...esperava que ela se casasse contigo, não é? Me lembro que ainda criança você dizia que estava prometido a ela...mas agora Valentina e todo o poder de decisão desse povo pertence a mim! –  Benício sorria e aumentava cada vez mais a ira de ambos.

Salazar avança contra ele, mas Carmem entra na frente.

– Por favor parem! Salazar vá atrás de Valentina, temo que ela faça alguma bobagem.

– Vou procura–la sim dona Carmem...e saiba seu maldito que farei tudo o que eu puder para proteger Valentina de sua família assassina! –  Diz ele apontando o dedo e deixando Benício avisado.

– Só não se esqueça de que agora ela tem dono...velho amigo!

Salazar engole seco queria acabar com ele de uma vez, mas antes precisava encontrar Valentina. Andou pela mata, até encontrar ela ajoelhada no chão próxima ao rio, ela chorava compulsivamente.

– Valentina enfim te encontrei...por que se casou com aquele miserável?

– Ele me enganou Salazar tudo mudou em segundos fui do paraíso ou inferno...eu não sabia quem ele era. Eu caí em uma armadilha, agora dei a ele poder sobre mim...sobre nós!

– Deus...não sei o que vou fazer. Mas não deixarei ele te ferir eu juro! Eu te amo tanto. –  Diz ele a abraçando forte.

– Onde minha mãe estiver...não deixarei ele nos pisar. Vou honrar nosso sangue por meus pais, serei forte e darei um jeito em tudo isso! –  Diz ela.

Valentina se levanta e volta para o acampamento secando as lágrimas, pede a Salazar que confie nela e não faça nenhuma bobagem...pelo menos ainda.

Ela entra em sua tenda e fala com Carmem.

– Onde está aquele bastardo vó?

– No seu quarto! –  Carmem responde e Valentina mal podia acreditar na tamanha audácia dele de engana– la e ainda se deitar na cama dela.

Valentina corre até lá, Benício estava deitado bem tranquilo com se aquela noite fosse uma lua de mel comum entre um casal recém formado.

– Saia agora da minha cama, não quero teu cheiro imundo em nada do que é meu! –  Grita ela.

– Nem parece a mesma que se casou apaixonada por mim a uma hora atrás...! O que vai fazer se eu te possuir agora mesmo aqui nessa cama, vai atear fogo ao próprio corpo? –  Pergunta ele deixando-a ainda mais louca de ódio.

– Talvez sim...o que importa é que desapareça da minha frente! Traga sua raça m*****a como tanto quer, mas suma do meu caminho.

– Essa noite durmo aqui contigo. Amanhã mesmo irei construir um canto para os meus, até lá controle sua língua ou terei que corta–la! –  Diz ele suspirando de raiva.

– Para o inferno você e sua laia... Benício! –  Ela tenta sair de lá para não se matarem, mas Benício puxa Valentina pela mão e gira seu corpo deitando– a na cama e ele por cima, suspirando forte em sua pele branca.

– Tire as mãos imundas de mim...filho de um assassino!

– Agora eu sou teu marido querendo ou não.

– Toque em mim...e Salazar corta seu pescoço assim como seu pai fez com minha mãe. –  Diz ela assustada e chorando.

– Está muito segura de que ele te defende, não é? O que vai dar a ele como agradecimento?

– Algo que você jamais vai ter! –  Responde ela.

Benício sentiu uma vontade enorme de consumar aquele casamento era ódio e desejo tudo junto entre aqueles dois corpos.

– Vamos ver se ele vai te salvar de mim para sempre! –  Diz ele dando uma lambida nos lábios dela.

Benício por fim soltou Valentina que limpou o rosto e pegou rápido umas roupas no armário.

– Onde pensa que vai? Se for se deitar com ele...

– Não te devo satisfação...um casamento erguido sobre uma mentira não vale nada para mim!!!!

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