Fogo no sangue
Fogo no sangue
Por: Paula Tekila
Capítulo 1

Fevereiro de 1999, Donato Del Rio Moreno era líder do clã cigano Caló e a liderança da família passava de geração a geração. Era casado com Eulália que havia dado à luz a Valentina que completava três meses de vida, viviam felizes e haviam acampado a um mês na Ciudad Del México onde estabeleceram suas tendas na parte rural.

Os homens partiam pela manhã para vender o artesanato e as especiarias que as mulheres faziam.

Eulália havia colocado a pequena Valentina para dormir em uma rede e estava costurando peças para que o marido pudesse vender na cidade, quando é surpreendida por Kayon Coimbra um homem que a desejava para si, desde sempre.

– O que faz aqui em minha tenda? Já implorei muitas vezes para não me perseguir mais, Donato não demora a voltar e se te vir aqui é capaz de matar nós dois.

– Eulália você sabe que sempre te amei, quis por tantas vezes que fugisse comigo, mas sempre recusou. Se casou com esse maldito e gerou essa bastarda quando era comigo que deveria ter tido filhos!

– Não fale assim da minha filha, estou feliz com meu marido e com a vida que levo. Ame sua esposa e seus filhos e me esqueça de uma vez por todas!

– De jeito nenhum...venha comigo agora mesmo. – Kayon tentou puxá-la, mas ela se esquivou dele que tirou um canivete. Eulália gritou e sua mãe Carmem correu para lá, quando chegou viu aquele homem agarrá-la forte por trás travando seus braços e o olhar triste de sua filha antes que ele dissesse...

– Prefiro te ver morta do que te ver ser feliz com outro!  – Ele já havia esperado demais pelo amor dela, sabia que não iria conseguir e preferiu então que ela deixasse de existir.

Eulália fechou os olhos, ela sabia que era seu fim...Kayon a assassina cruelmente na frente de sua mãe que grita apavorada.

Ele corre para fugir, mas os outros ciganos conseguem o deter antes que conseguisse sumir de vez.

Donato é comunicado sobre o que havia acontecido e volta desesperado para o acampamento, encontra sua sogra Carmem aos prantos com a pequena nos braços e o corpo de sua esposa coberto com um lençol ensanguentado.

O agora assassino Kayon, estava amarrado no tronco pelos braços aguardando o julgamento dos mais velhos. Havia levado uma surra e sangrava muito, seu filho Benício via aquela cena e chorava desesperado querendo salvar o pai daquela punição.

– A morte é ainda é pouco para o que merece maldito! – Donato dizia enquanto desferia mais socos nele.

A esposa e os dois filhos de Kayon também foram submetidos ao julgamento. Os mais velhos decidiram o que fazer diante daquele crime bárbaro.

– Decidimos que Kayon e toda a sua descendência devem ser banidos do nosso clã agora mesmo. E ele será entregue a justiça para ser julgado nos rigores da lei desse estado em que o crime aconteceu.

– Não...eu não aceito! Isso é pouco, pouco!!!! Quero que ele seja executado, quero eu mesmo dar fim a ele. – Gritou Donato.

– Você sabe, meu líder. Que mesmo tendo o comando, jamais poderá ir contra a decisão dos anciões. – Diz um deles.

Donato amaldiçoou aquele julgamento, mas teve que cumprir sua decisão. Antes de ser entregue a polícia Kayon pode falar alguns segundos com seu filho antes deles também serem mandados para longe de lá.

– Meu filho...quero que jure ao seu pai! Jure que um dia se tornará líder deste clã e nossa família retornará e irá se vingar diante de todos que hoje nos humilharam...jure Benício!

– Eu juro pai...eu juro! – Era uma promessa muito forte e intensa para uma criança de apenas oito anos, mas era seu pai quem pedia em meio a dor e sangue. Aquele menino jamais se esqueceria deste dia e de tudo que o fez sentir.

Salazar era da mesma idade que Benício e eles eram grandes amigos, ele observava toda aquela situação e sentia muita pena daquele que era quase um irmão e agora seria mandado para longe.

Levaram Kayon até a cidade onde foi entregue a polícia, Benício, sua mãe e sua irmã foram mandados para longe e de onde jamais poderiam voltar para o clã.

Daquele dia em diante aquele grupo de pessoas deixou de ser nômade e estabeleceram morada fixa lá, assim Donato podia assegurar-se da prisão de Kayon e que ele pagaria por tudo o que fez a sua família.

Valentina crescia cada vez mais linda e bondosa, era criada por sua avó Carmem e seu pai que a cercavam de amor e cuidados...sentia muita falta da mãe em sua vida.

Principalmente ao se tornar mocinha e nos momentos mais importantes de sua transição para a vida adulta, aquele carinho materno e a vontade de dividir com a mulher que lhe deu a vida sempre formaram um grande vazio em sua vida.

Dias atuais...

Valentina estava com 20 anos e estudava pedagogia na cidade para dar aulas aos pequenos do assentamento.  Desde criança Donato havia prometido sua mão a Salazar filho de um de seus grandes amigos do clã, ele agora era um homem feito e sempre foi louco pela moça que a cada dia o deixava mais encantado.

– Valentina já está indo para a cidade? – Perguntou Salazar observando em êxtase os encantos da jovem.

– Sim eu tenho aula daqui a pouco.

– Estou indo para lá. Tenho que buscar umas encomendas para minha mãe...quer ir comigo?

– Claro...vamos! – Ela entra na caminhonete e eles seguem para a cidade, que não ficava tão longe do acampamento. Eles se despedem e Salazar a cada dia se convencia mais de que seriam muito felizes juntos.

Salazar

A beleza de Eugênia é algo que não consigo descrever, preciso acelerar esse pedido de casamento ou algum outro pode chegar e eu perderei minha chance. Eu morreria se não a tivesse em meus braços, toda a minha vida tenho dedicado a me tornar um cigano digno dela.

...

Na noite daquele dia ele foi conversar com Donato e Carmem sobre o casamento dos dois e apressar aquele compromisso.

– Donato eu nem sei como iniciar tal assunto, mas Valentina me foi prometida em matrimônio e ela já é uma mulher feita e tão bela...

– Quer marcar a data do casamento, é isso? – Donato pergunta sorrindo.

– Exatamente...eu mal posso esperar para construir uma família com ela. O senhor me entende, já foi um jovem como eu.

– Mas ela deve ser comunicada e juntos devem marcar a data. – Carmem disse isso, pois sempre achou aquele casamento entre eles de certa forma inapropriado. Ela sentia que aquele não era o homem certo para Valentina apesar de não saber explicar o porquê.

– Valentina é minha filha e deve me obedecer, marcaremos para daqui a um mês. Tudo bem para você Salazar? – Donato queria assegurar um bom futuro para a filha única, mesmo tomando aquela decisão sem consultar o desejo da filha.

– Tudo bem...é claro. Conversarei com ela sobre os detalhes.

Salazar sai feliz depois daquela conversa, em um mês teria a mulher que ama em seus braços. Carmem corre até a neta para contar sobre a decisão de seu pai.

– Valentina minha boneca é preciso que saiba de uma coisa...– Diz ela vendo a moça deitada com um livro em suas mãos.

– Pode dizer vó.

– Seu pai e Salazar marcaram a data de seu casamento.

– Casamento?

– Sim filha, sabe que desde pequena seu destino é dele. Irão se casar em um mês.

Valentina fica pensativa, gostava de Salazar, mas não o amava e muito menos para unir sua vida a dele.

Valentina

Salazar sempre foi um bom amigo, companheiro e preocupado o tempo todo em estar próximo a mim, mas não sinto amor por ele...da forma como ele gostaria.

– Parece que ficou triste com a notícia? –  Diz Carmem tocando o queixo da moça e levantando seu olhar.

– Eu não sei, sinto que não pertenço a ele.

– Mas isso é normal. Com o tempo irão aprendendo a se amar ainda são muito jovens.

– Não vovó, fomos criados juntos e tão próximos. Se meu coração pudesse amar este homem ele já teria o escolhido a muito tempo!

Carmem ficou em silêncio depois daquelas palavras de sua neta. Não havia o que dizer, ela foi até uma cômoda e pegou seu baralho cigano.

– Valentina venha até a mesa vou ler o tarô para você. –  Ela se sentou em uma cadeira rente à mesa e sua avó em sua frente.

Carmem embaralhou as cartas e as espalhou.

– Veremos o que a sorte nos dirá sobre seu casamento. Escolha uma carta Valentina. –  Diz Carmem.

Ela escolheu uma carta e Carmem a revelou em seguida.

– Nuvens, esta carta simboliza sensação de perigo, pressentindo tempestades que irão se formar em sua vida...

Valentina ficou tensa, mas queria saber mais. Escolheu outra carta logo em seguida.

– O caixão, morte de algo ou alguém muito importante para você...

– Já chega vó, tantas coisas ruins....eu renego esse destino! –  Diz ela nervosa.

– Não faça isso...bem ou mal. Precisa saber de tudo, as cartas são um oráculo e precisa confiar nelas.

Valentina tentou se acalmar para terminar a leitura mesmo depois de ouvir tantas coisas ruins se aproximarem de sua vida. Ela escolheu sua última carta.

– O cigano, isso significa que um homem chegará em sua vida Valentina.

– Certamente Salazar! –  Diz ela.

– Não...Salazar já está nela. A carta se refere a alguém que vem de fora! – Carmem e Valentina ficam intrigadas.

A jovem ficou pensando em tudo aquilo que as cartas previram de se futuro. Mas o casamento com Salazar estava mais forte em sua mente, não queria se unir a ele não sentia amor ou vontade de se tornar dele para sempre.

Amanhece e Valentina resolve então conversar com o pai.

– Papai.

– Diga princesa!

– Preciso lhe falar seriamente sobre Salazar.

– Sim temos mesmo que acertar o casamento de vocês e todos os detalhes da festa. – Responde ele, bem convicto do que fazia.

– É justamente sobre isso...papai, sabe que jamais te desobedeci em toda minha vida.

– Sim...sempre foi meu maior orgulho. A filha que qualquer pai gostaria de ter.

– Obrigada por sempre me amar tanto...minha mãe sempre fez tanta falta a nós dois. Mas o senhor nunca deixou que me faltasse carinho e amor e eu vou ser sempre grata por tudo o que fez e faz por mim!

– Filha não tem que me agradecer...você é minha vida!

– Eu preciso dizer pai...Salazar é um bom homem, mas não quero me unir a ele.

– Desde criança prometi a família dele que você seria sua esposa eu dei minha palavra filha.

– Me perdoe por isso, mas não nos condene a sermos infelizes. –  Ela sabia que nunca poderiam ser de verdade um do outro.

– E como sabe que ele não pode te fazer feliz? – Donato levanta a voz.

– Eu sei...por que não o amo.

– Mas pode vir a amar um dia!

– Se fizer isso papai...se me forçar a casar com ele eu vou morrer de tristeza! – Ela diz enquanto as lágrimas lavam seu olhar.

– Por Deus Valentina, não me deixe nessa situação constrangedora com ele e sua família. – Donato limpa a lágrima no rosto de sua filha.

– Eu falo com ele pai, vou explicar tudo e ele vai entender.

– Está bem...fale com ele. Irá partir o coração desse rapaz que te ama tanto filha!

– Me dói fazer isso, mas é melhor para nós dois e muito obrigada papai por ser tão bondoso! Onde estiver sei que minha mãe se orgulha de você.

– Ela se orgulha de você também princesa. – Os dois se abraçam.

Valentina

Talvez Salazar me odeie no momento em que eu desfizer nosso compromisso, mas um dia ele vai entender que o que estou fazendo é para o nosso bem. Que tipo de vida eu poderia dar a ele, sem amor e vontade de estar em seus braços?

...

Valentina foi até a cidade para suas aulas, saiu mais cedo naquele dia. Sofia era uma colega de curso e naquela noite elas iriam dar uma volta em um parque havia chegado na cidade...ela se arrumou bem linda e as duas foram de carro com o irmão da amiga.

Valentina se divertia feito criança, passearam em todos os brinquedos. Comia um algodão doce enquanto Sofia paquerava um rapaz.

– Oi moça está sozinha?

Valentina se vira para descobrir de quem era aquela voz máscula e sexy, era um jovem muito bonito de olhos verdes.

Valentina

Os olhos daquele homem percorreram dos meus pés até a cabeça, me senti constrangida. Nunca tinha visto um rapaz assim tão bonito e certamente deve ser de fora da cidade, pois eu certamente me lembraria se já o tivesse visto alguma vez em minha vida.

– Boa noite, estou...quer dizer estava com uma amiga.

– Me chamo Bernardo e você? – Ele estica a mão gentilmente para cumprimentar a moça.

– Me chamo Valentina.

– Valentina, que nome lindo. Tão lindo quanto a dona dele!

Aquele jovem é tão galanteador que eu fiquei encantada com o sorriso dele...com cada detalhe e a sua forma de me olhar como se não houvessem mais pessoas ao nosso redor.

– Posso te acompanhar enquanto sua amiga não volta, Valentina?

– Pode sim.

Começamos a caminhar juntos e curtir aquele passeio olhando crianças correrem ao nosso redor.

– Você usa roupas diferentes e coloridas. – Ele disse me olhando novamente, corei e fiquei com medo de dizer a verdade. Algumas pessoas não gostam do nosso povo e nos julgam como criminosos e até pessoas ruins.

– Eu me visto assim, por que sou cigana. Vou entender se não quiser mais caminhar comigo!

– Quem disse isso a você Valentina? É uma honra estar junto de você, veja como todos os homens olham para cá...certamente sentindo inveja por que eu estou ao seu lado.

Sorri timidamente.

– E você e daqui Bernardo?

– Sou de Hidalgo, mas estou tentando me estabelecer aqui, para isso, preciso conhecer melhor as pessoas e fazer amigos.

O irmão de Sofia chama as duas para irem embora pois já era tarde.

– Eu posso te ver em frente a faculdade amanhã Valentina?

– Pode sim! –  Bernardo dá um selinho na moça antes de ir.

Valentina chega no acampamento e parecia estar nas nuvens ainda com aquele rapaz. Tirou as sandálias e se sentou pensando nele.

Valentina

Ele é tão bonito e culto, diferente de todos os rapazes que eu já conheci. Ele colocou os lábios nos meus de repente, fecho os meus olhos e ainda posso sentir o calor da pele dele rente a minha...de repente Salazar me removeu daquele sonho desperto e perguntou.

– Onde estava Valentina?

– Salazar, o que faz aqui tão tarde? – Perguntei ainda assustada.

– Eu que te fiz uma pergunta.

– Eu fui ao parque com Sofia, minha amiga da faculdade!

– É minha noiva e não quero que fique passeando pela cidade e muito menos a noite. Você nunca foi de sair assim, o que mudou agora para sentir que tem esse tipo de liberdade?

– Não sou sua noiva...e justamente sobre isso que eu queria falar com você mais cedo. –  Eu tinha que acabar de uma vez com as esperanças dele, cortar esse ciúme que tanto mal fazia a ele e a mim.

– O que tem a dizer...seu pai e eu já marcamos a data. Em um mês nos casamos!

– Não Salazar, não irei me casar contigo!

– Como não? me foi prometida desde que éramos crianças. – Ele forçou a voz.

– Mas conversei com meu pai e ele está de acordo com minha vontade. – Isso não seria o bastante para fazer com que ele entendesse.

– E sua vontade é desfazer nosso compromisso? –  Salazar mal podia acreditar no que estava me ouvindo dizer.

– Infelizmente sim, não te amo. Só te vejo como um irmão...tenho carinho por ti, mas...

– Mas nada! Eu não aceito...não aceito desfazer nosso noivado. Desde sempre eu sonhei com o dia em que seria minha e você vai ser.

– Por favor, entenda Salazar.

– De jeito nenhum...nos casamos em um mês. – Ele gritou novamente e por pouco achei que iria me agredir, felizmente meu pai puxou a cortina e entrou.

– Não Salazar! –  Salazar se virou surpreso ao ouvir meu pai Donato dizer isso.

– Então está de acordo com o devaneio de sua filha? Vai descumprir sua palavra de me entregar ela?

– Te amo como um filho Salazar, mas Valentina e a felicidade dela vem primeiro. Ela não quer o casamento e eu irei acatar sua decisão.

...

Salazar respira fundo, estava cego de raiva e dor. Saiu daquela tenda com tudo, Valentina e Donato se abraçam...não queriam fazer o rapaz sofrer, mas era necessário para evitar uma dor ainda maior no futuro.

Valentina

Se eu pudesse evitar causar essa dor a ele, eu faria isso, mas não posso. Ainda mais depois de ter conhecido Bernardo, ele entrou aqui no meu coração e mesmo que só tenhamos nos visto uma vez, sinto que nos veremos e quem sabe ele possa vir conhecer minha avó e meu pai.

– Estou sonhando alto demais, ele nunca se envolveria com uma cigana. Pode ter gostado de mim e até se interessado de verdade, mas não seria capaz de suportar viver ao meu lado e teria vergonha de mim.

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