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Flor de Outono
Flor de Outono
Por: AllyCross
Parabéns Para Mim

      As coisas estavam agitadas a semana inteira, não que estivesse interessada

em qualquer acontecimento que envolvesse meu aniversário, odiava a data e isso

nunca mudaria, será que não cansavam de me torturar? Minha dor nunca seria o

bastante? Não era revoltada e olha que motivos nunca me faltaram, mas sempre

tentei controlar minha raiva, pensava dez vezes antes de dizer qualquer coisa, não

me dava bem com a Sheila, ainda assim nunca deixei de ser grata por ter ficado

comigo e com o Nando, mesmo agora ele tendo que passar mais tempo na empresa,

do na casa dele não restava muito para mim, ainda assim, a ele também era grata, afinal eu era o único motivo que ainda o mantém ligado a está casa.

     Joguei mais um dardo na porta, mas esse passou direto e bateu no ombro do Rodrigo, marido da minha tia, por sorte tinha abandonado os dardos com pontas a alguns meses depois de um pequeno acidente com uma das minhas primas, não me senti culpada por isso.

     _ ficar aqui trancada não vai ajudar em nada...

     _ primeiro que você podia bater na porta, eu poderia estar nua... ou era essa

sua ideia? - falei estreitando os olhos em sua direção.

     _ tentador, mas prefiro mulheres mais velhas e com mais carne, quem sabe na

próxima vida não te de uma chance.

    Sorri e lhe joguei uma almofada, ele era muito legal, pena que era casado com

uma víbora, e olha que para um carpinteiro ele tinha o dobro do QI da esposa que

supostamente era psicóloga, ele era bonito, inteligente e talentoso, mesmo eu

tendo dezoito anos sei que isso é raro.

    _ não quero ir, não quero comemorar a morte deles, o que é tão difícil de

entender?

    _Li, eu sei como se sente, mas você precisa seguir, sabe que pode contar

comigo sempre, tem um amigo em mim.

    _ sabe você é bonito demais para ser só um amigo, mas pra falar a verdade te

vejo mais como um pai, o fato de não ter lembranças do meu, meio que fez você

ocupar esse lugar... - fiquei sem graça é claro, mas disse a verdade.

    _ mesmo sem ser minha filha de sangue te considero uma filha e em nome

disso que vim te buscar.

    Seus olhos castanhos estavam brilhando esperando minha resposta,

realmente o via como um pai e logo percebi que ele me tratava como tal e isso era

muito bom, embora certos olhares da minha tia indicassem outra coisa. Saímos do

quarto de braços dados, ele era no mínimo 30 cm mais alto que eu, tinha ombros

largos e o tempo que passou no exército lhe deu um porte autoritário, eu o

admirava, mas certas coisas temos que guardar com a gente.

     Minhas festas eram sempre iguais, várias mesas espalhadas pelo jardim,

todas com cinco lugares no máximo, com pessoas tendo conversas animadas, no

meio do jardim ficava a pista de dança, a piscina estava cheia de balões, tinha uma

mesa com o DJ, embaixo de uma árvore estavam as comidas e vários empregados

para servir os convidados, logo na entrada do jardim tinha uma grande mesa para

os presentes, o que era um tanto quanto ridículo já que não falava e nem mantinha amizade com nenhuma das pessoas que estavam aqui, eram estranhos que via uma

vez por ano. Todos me olhavam com grandes sorrisos falsos, retribui é claro, já

estava acostumada. Olhei em volta e não achei o Nando, ia perguntar mais preferi

ficar calada. Assim que minha tia olhou com cara de poucos amigos para meu braço

no do Rodrigo o soltei e fui falar com os convidados, esse circo todo era para ela e

não para mim.

     Quando terminei os cumprimentos fui para um mesa mais isolada,

ninguém se importou, era mais provável que ficassem agradecidos, não gostavam

de mim  e eu não gostava deles, hoje era o dia da Sheila comemorar o grande

sacrifício de ter de criar os dois filhos da irmã morta, no momento só queria poder

ir morar de uma vez com o Nando, ele tinha me prometido isso e hoje era o dia em

que ia cobrar, estava cansada de ter que esperar pelo que os outros tinham

planejado para minha vida, estava mais do que na hora de tomar minha próprias

decisões, mesmo que isso significasse ir contra a pessoa que mais amava na vida.

     A festa se seguiu animada, varios casais dançavam, a Sheila distribuindo sorrisos, de boa samaritana, por ter aguentado mais um ano, logo seria noite e tinha a certeza de que o Nando não viria, fiquei tentada a ligar mas acabei mudando de ideia, afinal ele devia ter coisas mais importantes para cuidar do que de mim. 

    _ feliz aniversário para irmã mais legal que tenho, e ruiva mais gata do Rio de

janeiro.

    Olhei para cima e vi o Nando em cima da traseira da hilux, parecia bêbado,

mas tinha minhas dúvidas, sabia que a data também não era fácil pra ele e talvez

esse foi o jeito de ele lidar com isso, embora nunca o tenha visto perder o controle, e se entregar a bebida dessa forma? Não era algo que ele faria, ainda assim aproveitei seu show.

    _sei que não gosta de hoje, e sei que a Sheila é bem chata e tem o dom de

enfiar o dedo bem fundo das nossas feridas, mas nossos pais amavam a gente, os

dois, talvez mais você do que a mim, e sabe? Não sentia ciúmes, porque eu também

te amava e os entendia, infelizmente aquele dia aconteceu e sei que não se lembra,

mas eles amavam a gente Li. 

    Ele desceu e veio na minha direção, os comentários tinham começado, afinal

a estrela da noite não era mais a minha (titia) permaneci sentada, esperando ele

vir até mim, uma por que ainda estava brava e outra por não saber oque dizer,

mas quando ele já estava perto o bastante me joguei em seus braços, me deixando

ser apertada por meu irmão mas velho chato, e que me esquecia as vezes.

    _ desculpa não ter falado antes, mas precisa saber que a culpa não foi sua, eu

já devia ter.

    _ eu sei que a culpa não foi minha, a não ser que fosse uma criatura do

demônio aos oito anos. Mas tem razão, eu precisava ouvir - não ia chorar, mas

fiquei quase.

    _ bom, ainda não era. Sei que odeia esse lugar, e deve me odiar por ter te

deixado aqui com ela, mas tinha meu motivos, mas você pode ir morar comigo

agora, já que é velha o bastante para decidir.

    O  encarei desconfiada, claro que queria ir morar com ele, e sim, o tinha

odiado por ter me deixado todos esses anos com a Sheila, nunca acreditei em nenhuma das conversas de que ele não podia cuidar da empresa e de mim, afinal cuidei de mim mesmo todos esse anos, mas quem era eu para dizer alguma coisa?

    _quando posso ir embora? - perguntei sem conseguir esconder a empolgação.

    _ hoje mesmo, mas só vamos para casa depois que der seu presente.

    Um sorriso enorme surgiu em meu rosto, acho que não aguentaria mais

emoções, e por alguma razão estava preocupada, meu amado irmão não era muito bom em dar presentes, mas talvez esse defeito dele seeja apenas comigo.

    _ qual é o presente? – ganhei um sorriso encantador. Meu irmão era um gato,

não tinha como negar.

    _ vou te levar para uma festa de verdade.

    Festa de verdade? Nem poderia esperar por isso, as vezes achava que Nando

queria que me jogasse na vida como ele, não tinha medo de viver, só queria viver

as coisas certas, passar por várias bocas antes de achar a certa não me era nada

tentador, era bem nojento na verdade, a maioria das pessoas eram, e meu maior defeito era não ser igual aos que me cercavam.

    _ sério? Que legal - falo lhe mostrando meu melhor sorriso amarelo.

    _ qual é? Não pode dispensar a ideia antes de chegar lá. Prometo que não vai

se arrepender.

   Prometo? Palavra perigosa, e na maioria das vezes que é pronunciada, não passa de uma mentira, só não descobri que o motivo das pessoas gostarem de usar palavras vazias.

   _tá. Nando, desculpa perguntar, mas você superou? Eu odeio essa data, mas

de alguma forma, odeio por que sempre achei que a culpa fosse minha, não sei o

que aconteceu, quem me garante que não fui a causadora, e embora tudo que tenha

dito nunca vou deixar de me sentir assim. 

   _Livia... - o interrompi

  _me deixa falar, embora a sensação de culpa esteja sempre aqui, é só isso

uma sensação, você lembra de tudo, eu só queria saber como consegue.

    Estávamos sentados em uma das mesas, mais afastadas da festa, o que não

significava que não tínhamos olhares em nós, da Sheila, principalmente, ela devia está esperando o proxímo ato.

   _ não superei, passei por momentos realmente ruins, fiz coisas das quais não

me orgulho, mas no final das contas você ia precisar de mim.

   Dei um sorriso e aceitei a resposta, acho que a maioria das pessoas, não

superam a perda, apenas aceitam, só que para poder aceitar a perda de alguém, eu

tinha que no mínimo lembrar delas.

   _ queria poder lembrar deles. - confessei.

   _ eu sei, olha, podemos continuar fazendo os exercícios de memória que o

médico passou, em algum momento tem que...

   _ desculpa, mas não quero, todas as vezes que olho aquelas fotos é como se

estivesse bisbilhotando a vida de outras pessoas, não importa o fato de saber que

são, parece errado eu está lá.

     _ desde quando pensa assim?

   Apenas dei de ombros, tinham coisas que eram melhores ter em segredo,

quando percebeu que não falaria mais sobre o assunto resolveu mudar o foco da

conversa, acho que nunca tive ninguém que realmente se importasse, que me precionasse, para sber como me sentia, nunca tive alguém que deseja-se me entender.

   _já recebeu uma resposta da faculdade?

   _ ainda não, talvez não tenham gostado do meu projeto – fracassar nisso era

algo que acabaria comigo.

   _ pode me explicar o motivo de só ter se inscrito em uma Lívia?

   _ por que a federal do Rio é a melhor.

   _ já parou para pensar que eles podem não te aceitar? Se isso acontecer, o que

pretende fazer?

   _ nada. Se não tiver capacidade para entrar na melhor, não vou perde meu

tempo em outras.

   Podíamos não ser parecidos fisicamente, mas nossa personalidade não podia

ser mais igual, éramos teimosos como mulas, nunca tinha me faltado nada, a

verdade é que tinha mas dinheiro que a maioria, devia isso aos meus pais, e o

mínimo que devia a eles era ser a melhor no que me propunha ser. Uma

engenheira.

    _Nando quer dançar? – Ele olhou a Luana como se ela fosse uma ET sexy.   

   Ela era uma garota bonita, uma perfeita boneca de porcelana, maquiagem

perfeito, cabelo prefeito, perfeitamente irritante, a minissaia e a blusa decotada lhe

revelam as curvas sinuosas, seios fartos pulando pra fora, pernas grosas da

academia. Tenho que ser honesta, ela era o tipo de loira de colocava os homens aos

seus pés. Vi os olhos do Nando percorrerem o corpo dela, e mordi a boca pra não ri,

a Luana não era uma puta como a maioria das minhas primas, mas nunca me

defendeu também. O fato é que o Nando tinha uma queda por ela, e ela por sua vez

tinha um tombo por ele.

    _claro, Li você se importa?

    Apenas neguei, observei os dois se afastarem para pista, não tinha nenhum

problema em relação a ela, os dois até que formavam um belo casal, fiquei

observando os dois, era estranho ver o Nando assim por que ele nunca tinha

assumido nenhum relacionamento sério com ninguém, em parte poderia ser por

minha causa. Deixei meus olhos vagarem  pela festa, a pista de dança já estava

cheia e não pretendia de forma alguma me juntar a eles, de forma discreta fugi

para dentro de casa, os parabéns não ia demorar, junto com as fotos da família

feliz, só a ideia me dava ansia, fui pro escritório da Sheila, sabia que era o último lugar que iriam me procurar, e era disso que precisava, um pouco de paz. Assim como toda a casa, o

escritório não deixava a deseja, a mesa de madeira maciça tinha sido feita pelo

Rodrigo, não acharia ruim se ele fosse mesmo meu pai, ele e o Nando me protegiam, isso era mais do que poderia pedir dos dois, talvez tenham me acostumado mal, ou tentado me compensar devido a Sheila, em parte era ridículo já cuidava bem de mim mesma, minha tia nunca seria um problema, só não gostávamos uma da outra, tirando isso estava tudo bem.

Dedilhei os livros da estante procurando algo que me agradasse, mas nada

me saltou aos olhos, os livros eram em geral sobre psicologia, ou decoração, nada

que fosse haver com o que eu desejasse no momento, ser engenheira era algo que

desejava ser desde que me conheço por gente, e tinha certeza que meu projeto ia

ser aceito, me via como alguém de talento, acho que era a única que via.

Sentei na mesa dela e fiquei olhando uma foto, dela com a minha mãe, éramos

tão parecidas, era como me olhar em um futuro distante, em algum momento fui

parte dela, agora ela era parte de mim, uma parte que nunca ia conhecer, uma

parte que morreu e não me era permitido nem lamentar, em um ímpeto de raiva

bati a foto contra a mesa com força, não era minha intensão mais acabei quebrando

o vidro, me arrependi logo em seguida, peguei a foto e junto caiu um envelope, se

não tivesse curiosidade não seria eu, mas não foi a carta de um amante que vi, foi a

carta da faculdade endereçada a mim, meu coração martelou no peito, não podia

ser verdade, ela não me odiara a esse ponto, abri o envelope e li atentamente tudo

que estava escrito, a raiva que senti não se comparava a nada que tenha sentindo

antes, ela tentou estragar o que mais desejava, estava na hora de estragar as

aparências que ela tanto gostava. Hoje a família feliz vai chorar.

 

   Segurei a carta e sai do escritório determinada, a festa, é claro seguia as mil e uma maravilha, a pista de dança estava lotada, de casais, pessoas sozinhas, crianças, que corriam entre as pessoas, mas principalmente, todos estavam felizes, nunca havia dado problemas, tentei ser invisível a todos, mas foi isso que me custou? Bom, há sempre uma primeira vez para tudo na vida, fui a passos firmes ate a mesa do DJ, encontrei com o olhar do Nando, ele

sabia que tinha chegado ao meu limite, o observei parar de dança e puxar a Luana

para sentar, garoto esperto, não é.

    _pode para a música, preciso fazer o meu discurso – após um olhar

desconfiado o DJ me passou o microfone.

     Encarei as pessoas pensando em algo que as machuca-se, que sentissem ao menos um decimo do que senti, todos esses anos, desde a primeira festa, quando chorei horrores, implorando para não fazerem isso, que essa data nunca me traria falicidade, eu tinha apenas nove anos, foi quando percebi, elas não tinham sentimentos, ao menos, não por mim.

    _Boa noite a todos, é muito gentil da parte de vocês virem comemorar o

aniversário de morte dos meus pais, é realmente tocante. Nem parecem um bando

de hipócritas, como se dão ao trabalho de fingir tanto por alguém que não significa

nada pra vocês?  - questionei olhando o rosto de cada um, não iria esquecê-los.

    _Querida oque é isso, você é sim importante para nós. - ouvi sua voz embargada pelo álcool.

   Encarei minha tia com graça, só podia ser piada, aquelas de muito mal gosto, mas sabia que cada palavra que saiu de sua boca, era a verdade, ao menos em seu mundo de mentiras, onde minha funsão era desenpenhar o papel de criança abandonada, ela só não viu que a criança do seu mundinho podre cresceu.

    _sério? Quem aqui sabe qual minha cor favorita? Ou para que prestei

vestibular e o porquê, e sabem como eu sei que ninguém se importa? fazem

questão de lembrar e comemorar algo que eu detesto. Tipo você Sheila que escondeu a

minha carta da faculdade, me fazendo acreditar que não tinha sido aprovada, não

acham que isso é uma bela prova de amor?

     _fiz isso para te poupar, afinal você é tão incapaz quanto a Alicia.

     Minha raiva só me deu mais força para continuar, não lembrava da minha

mãe, mas tinha certeza de que ela era muito capaz, e não seria uma mulher como a

minha tia, ela me “criou”, mas não era responsável por quem me tornei.

    _você não passa de uma mulher desprezível, não sei por que odeia a minha

mãe, mas não deve ser difícil imaginar, ela era melhor do que você jamais será. - vi sua boca abriir e volta a se fechar.

      A ira brilhou em seu rosto, não tinha nenhum prazer nisso, mas de certa

forma sabia que isso era a verdade, talvez o fato de ser tão parecida com a minha

mãe a fizesse me odiar, mas no final eu não me importava. Não eram minha família, mesmo que o mesmo sangue corresse em minhas veias, eram apenas um bando de filhos da puta, não a devia nada, e ela disso, sua carreira ura uma fraude, e os anos de boa vida que teve foi graças ao dinheiro que pertencia a mim e ao Fernando, se ela fosse um pouco mais esperta teria me tratado melhor.

    Larguei o microfone no chão, não haviam comentarios, e nem me olhavam, antes me sentiria uma aberação, rejeitada, mas agora? Dei um enorme sorriso e fui em direção ao Nando, se ele não mentiu iria embora agora mesmo e assim fizemos. Meu coração martelava de forma estranha, adrenalina, mas uma certa liberdade também, era como ter quebrado uma corrente que me envolvia sem eu nem me dar conta, ao finalmente sair daquela casa, olhei o céu, as nuvens o cobriam quase todo, mas ainda pude ver, uma pequena estrela, dei um pequeno sorriso.

    _parabéns para mim!

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