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HALLOWEEN (PARTE 1)

SARAH

Em frente a enorme janela de vidro do escritório, eu olhava o pôr do sol entre os prédios de Nova York. O céu estava lindo, pincelado em tons de azul, amarelo e rosa. Não pude deixar de pensar que daria uma bela pintura. Nostalgia era o que eu sentia. O chegar da noite sempre lembrava o meu pai. Suspirei profundamente, sentindo a conhecida dor em meu peito.

Que saudade! — Disse, com pesar.

O horário comercial chegava ao fim e o ambiente estava calmo. Observei a sala aconchegante e espaçosa à minha volta. O carpete cinza por todo piso acomodava a mesa e, ao lado esquerdo, um confortável sofá bege. Era fácil visualizar meu pai nesta sala; tinha muito dele aqui. Havia, também, uma mesa menor no canto direito, próximo do frigobar, onde ficavam algumas bebidas e guloseimas. Voltei para a mesa onde estavam abertos os jornais de meses atrás. Angustiada, reli as matérias pela quarta vez:

"DAILY NEWS — Incêndio destrói prédio comercial no centro de Nova York. O incêndio começou durante essa madrugada, terça-feira (27), e foi extinto pela tarde. O edifício Becker Real Estate, de 12 andares, desabou. Um bombeiro que atendia a ocorrência informou que o fogo teve início em um escritório localizado no segundo andar. As buscas por vítimas continuam. As autoridades informaram ainda que o incêndio foi acidental".

"THE NEW YORK TIMES — Vítimas do incêndio foram encontradas no Queens. Na manhã dessa quarta-feira (28), os corpos de dois homens ainda não identificados foram encontrados nos escombros do edifício Becker Real Estate, no Queens. Apesar do local onde foi encontrado o corpo, a polícia afirma que a morte de uma das vítimas não teve ligação com o incêndio do prédio. Segundo as autoridades, aparentemente, um homem de 47 anos de idade cometeu suicídio. O caso está sendo investigado pelo...".

Parei de ler. Recordar a morte do meu pai revirava o meu estômago.

— Qual a ligação? O que aconteceu, pai? O que você estava fazendo nesse bairro? Qual é a ligação? Preciso entender. Preciso de respostas! — Sentada na poltrona que um dia o pertenceu, perguntava a mim mesma, com os olhos fechados, tentando encontrar a razão para ele ter cometido suicídio.

— “O encontramos com vários ferimentos por causa dos escombros. Mas, segundo a necropsia, a causa da morte ocorreu momentos antes do prédio desabar. Ele tinha uma perfuração na lateral direita da cabeça, causada por um disparo. A arma também já foi localizada. Foi confirmado, pela balística, que as digitais eram dele. Ao que tudo indica, ele que cometeu o ato.”

As palavras do detetive Michael Curtis ecoaram em minha mente.

Mas, nada disso condizia com meu pai. Ele era forte, destemido, estava feliz, portanto, não existia nenhuma razão coerente para o suicídio. Lembrei o desespero da minha mãe e a nossa insistência para que a polícia não revelasse a sua identidade a impressa. Conseguimos manter o sigilo graças a nossa advogada.

Angustiada, observei meu reflexo pela tela do laptop que estava desligado há horas. Mal consegui ver os cachos loiros e o azul dos meus olhos.

— Senhorita Mitchell? — Janet Stone entrou, outra vez sem aviso, interrompendo meus pensamentos. Eu gosto da minha secretária, no entanto, às vezes, ela é muito inconveniente.

— Desculpa importunar, mas a senhorita Brenda Thompson está aqui. — Ela disse e notei seus olhos verdes encarando os jornais sobre a mesa.

Ainda mantinha Janet como minha assistente para não provocar um desentendimento com o Dylan Evans. Eles estavam iniciando um relacionamento e sempre que eu comentava com ele sobre a falta de profissionalismo da namorada, ele pedia, encarecidamente, mais uma chance. Eu o conheci na adolescência, na companhia de Brenda e Casey Riley. Eles são a minha segunda família e, atualmente, todos trabalham comigo. 

— Poderia apenas ter interfonado! — Adverti com um tom nada amigável. Eu já estava no limite com ela e não conseguia mais disfarçar. — Peça para ela entrar, por favor. — Janet assentiu com um sorriso sem graça. Esfregou as mãos na saia longa preta e consertou o decote da blusa branca, como sempre fazia quando estava nervosa. Jogando os cabelos lisos e loiros sobre o ombro direito, caminhando o mais rápido possível sobre os saltos pretos, saiu da sala e, em seguida, com passos largos e firmes, Brenda se aproximou.

— Sarah Mitchell! — Num piscar de olhos, ela estava parada de frente a minha mesa. Lentamente a observei: vestida com uma calça preta que combinava perfeitamente com o tom azul escuro da sua camisa manga longa, com as mãos no quadril, falava impaciente. O típico colar de ouro com o pingente redondo escrito “família” descia até o seu delicado decote. Como todos os dias, ela estava simplesmente linda. 

— Não acredito nisso! Você desistiu? E por que diabos não atende o celular?

Só então me dei conta de que o celular ainda permanecia no silencioso. Eu não queria atender as ligações do meu ex-caso e acabei me distraindo.

Brenda é extrovertida, do tipo que levanta o astral de qualquer pessoa. Há algumas semanas, junto com o seu irmão, Luke Thompson, ela havia me convencido a ir a uma festa à fantasia. Lembro-me de ter achado uma ótima ideia, mas agora, no estado em que me encontrava a ideia não parecia tão atraente assim.

— Não sei Brenda. Sinceramente, não estou com ânimo para ir à festa alguma. — Respondi, fazendo uma careta. Guardei os jornais, tranquei a gaveta e voltei para janela. Ela me observava enquanto eu prendia meus cabelos em um coque.

Assim que falei, me preparei para as suas objeções. Quando ela coloca algo na cabeça, é difícil mudar. Sempre admirei a sua perseverança. Como os últimos dias não estavam sendo os melhores, com as lembranças do meu pai vindo à tona a todo instante, eu deixei que ela falasse a vontade. Talvez assim, ela conseguiria mudar o meu mau humor. E, após muito esbravejar vários "sem essa, nem pensar, não admito...",

não é que ela estava quase me convencendo a ir? Mas, eu ainda resistia.

— A empresa não está em seu melhor momento e ir para a noitada não me parece ser uma boa ideia. — Arrependi no mesmo instante em que disse isso em voz alta, enquanto ainda fitava a cidade, observando as primeiras luzes se acenderem.

Ela veio até mim, tocando em meu rosto, virando-o para encará-la.

— Não sabe se é uma boa ideia? Ainda ontem você estava animada! — Ela me encarou, confusa. — Isso tudo que você está dizendo são desculpas. Sarah, o trabalho vai continuar aqui, e acho pouco provável você resolver alguma coisa hoje ou no fim de semana. Sabemos muito bem o que está acontecendo! ­— Ela disse e apontou com a cabeça para a gaveta, confirmando que sabia o motivo de minha apatia.

Brenda estava planejando ir para essa festa há semanas. Em outubro, era a noite mais badalada da boate Lavo. O local é frequentado somente pela elite, então, certamente ela já estava com os ingressos em mãos. Não era justo fazer isso com ela, mas, quando falamos sobre isso, não me atentei que esse dia seria próximo ao aniversário de morte do meu pai. Eu o tinha perdido há nove meses e quatro dias. Por conta disso, eu havia esquecido completamente de meu compromisso com ela, Casey e os outros, que estavam contando com a minha presença. Precisava recomeçar a minha vida social, e nas últimas tentativas, eu realmente não consegui relaxar de verdade.

Quando ele faleceu, tudo virou uma grande bagunça. Precisei trancar a faculdade de artes no último semestre para poder cuidar de minha mãe e dos negócios da família. Durante uma estressante reunião na empresa, acabei passando mal e desmaiando. Graças a isso, descobri que eu estava no começo de uma depressão.

Ao mesmo tempo, aceitei que minha mãe, Ellen Mitchell, tinha se entregado ao alcoolismo. Impossibilitada de ajudá-la, pedi a Casey e Brenda para que a levassem para uma clínica de reabilitação. A princípio ela não quis. Porém, com as frequentes brigas que tivemos e devido ao meu estado emocional, ela se convenceu de que era o melhor. Ainda preciso das seções de terapia e apenas há dois meses, retomei minha rotina, terminando o curso e voltando ao trabalho. Agora, aos 22 anos de idade, comando uma empresa com dezenas de colaboradores. Uma responsabilidade que nunca quis.

Brenda segurou a minha mão esquerda e me levou até o sofá. Acomodamo-nos e eu apoiei a cabeça com a mão direita enquanto a ouvia.

— Sei exatamente o porquê de estar tão melancólica, mas precisa tentar Sarah. Precisa me ajudar a cuidar de você. — Ela falava com a voz fina, acariciando meus cabelos.

Ela estava com a razão, eu sabia disso. Suspirei pesadamente, deixando as lágrimas molharem minha face branca enquanto recordava o meu pai.

Lamentei também a situação da minha mãe, que agora estava internada em uma clínica de reabilitação por não ter conseguido vencer o alcoolismo. Ela era uma mulher forte, uma médica competente e eu vi sua vida afundar após a tragédia. Ela não tocava no assunto comigo, mas, claramente, a perda do marido fez com que ela ficasse devastada. E se não fosse à ajuda dos meus amigos, não saberia dizer como ela estaria agora. Por eu estar imersa na depressão, foram eles quem a internaram na Cleveland Clinic.

— Como está a Ellen? — Brenda parecia ler os meus pensamentos.

— Bem, na medida do possível. — Respondi, limpando as lágrimas com as costas da mão.

Minha mãe saiu da reabilitação após seis meses de tratamento, mas, após outra recaída e um surto, ela retornou à clínica. Quando a visitava, ela sempre dizia que não estava pronta para sair e que não queria me machucar. Eu tinha medo de que ela nunca se recuperasse. Brenda me conhecia bem, então, ela esperou pacientemente para que eu terminasse meu desabafo. Após um momento de reflexão, continuei:

— Foram necessários meses, Brenda, para que eu conseguisse ter um pensamento coerente. — Minha voz saiu mais rouca do que eu esperava.

Eu precisava daquele momento, precisava colocar tudo para fora. Ela entendeu exatamente do que eu estava falando, o que eu estava sentindo. Eu a vi compadecer-se com os seus olhos cheios d'água. Ela envolveu-me em um abraço apertado.

Estou aqui e sempre estarei. —

Era verdade. Ela não me abandonou em momento algum.

— Obrigada! — Disse chorosa.

O perfume adocicado dela fazia com que eu me sentisse em família e isso me tranquilizava. Separei-me dos seus braços, ainda segurando suas mãos. Ela me analisava, com seus olhos brilhando.

— Já está melhor? Porque eu posso continuar abraçando, apertando... — Brenda não é de demonstrar seus sentimentos e ela os esconde com suas brincadeiras intermináveis.

Deu um sorriso traquino e muito sugestivo.

— Posso... Huumm... Dar uns beijinhos.

Colocando uma madeixa dos seus cabelos atrás da orelha, ela se inclinou, já com os olhos cerrados, aproximando nossos lábios. A beleza de Brenda era incontestável. Com 1,73 de altura ela mantinha o corpo definido. Os cabelos compridos, lisos e negros desciam até a silhueta. O rosto redondo acomodava o nariz fino, lábios carnudos e olhos verdes como uma pintura perfeita.

Eu ria fraco enquanto a empurrava.

Em todas as oportunidades, Brenda tentava roubar um beijo. Não era por querer um relacionamento comigo ou por estar apaixonada. Ela queria, apenas, ganhar uma aposta que fizera com a Casey há anos: apostaram que conseguiriam um beijo meu, provando, assim, que eu tinha interesse em mulheres. Como Casey não conseguiu, Brenda era a que mais insistia. Eu já estava acostumada com as investidas e achava graça sempre que ela tentava. Sem entender o motivo da aposta, certa vez, questionei Casey e ela confessou que só fizera isso para provocar ciúmes em Brenda, o que fora em vão. O que eu realmente não entendia era o porquê de Brenda ainda insistir nisso e, principalmente, o porquê das duas ainda não estarem namorando. A tensão sexual entre elas era nítida.

— Pelo amor de Deus, Brenda, esquece isso! A Casey só fez essa aposta idiota para você ficar com ciúmes dela e você sabe. — Ainda ria, enquanto falava. — Sabe o que acontece? Você tem paixão por mim e ela tem por você, simples assim. Somos um triângulo amoroso, meu bem. Aceita isso!

— Um triângulo, é? — Ela ponderou.

Pronto! Lá estava o sorriso sugestivo novamente.

Ela aproximou ainda mais, fazendo o seu melhor olhar sedutor, deixando nossos rostos tão próximos que eu podia sentir o seu hálito. Não nos movemos. Travei minha respiração, semicerrei os olhos e a deixei pensar que dessa vez conseguiria. Então, esperei a reação dela. Não demorou muito e ela se afastou, gesticulando e gritando:

— Vai se ferrar, Sarah!

Voltei a gargalhar e, desta vez, ela me acompanhou.

Ela conseguiu quebrar todo o clima tenso como sempre fazia e me convencer, novamente, a sair com eles, fazendo uma promessa de que, na segunda-feira, me ajudaria a solucionar a crise da empresa. Notei que estávamos conversando a mais de uma hora e a noite já cobria a cidade.

É melhor nos apressarmos, a Casey já deve estar louca esperando a gente. Ela disse enquanto saíamos.

Janet não estava mais na outra sala, foi embora sem avisar. Precisava mudar de assistente, tomei nota mentalmente disso.

Entramos no elevador, que ficava no final do largo corredor de paredes brancas e piso de porcelanato. O edifício tinha 23 andares e nós estávamos no último. Enquanto o elevador descia, Brenda falava sem parar sobre nossas fantasias, maquiagem, se iríamos todos no mesmo ou em carros separados e em como ela queria encontrar uma boca para beijar a noite toda. Eu apenas assentia. Naquele momento, minha atenção estava voltada a mim mesma. Vendo o meu reflexo no espelho do elevador, comecei a me sentir ridícula dentro de um terninho cinza com blusa branca e salto plataforma. Brenda tem exatamente oito centímetros a mais, mas, naquele instante, me senti... Pequena. E não somente por ser mais baixa fisicamente. Inferior, seria a palavra correta. Inferior em todos os sentidos. Provavelmente, esse sentimento seria um indicativo para o retorno da depressão. Ao pensar sobre isso, engoli em seco.

Descendo no térreo, passamos pela recepção. Acenei de longe para o segurança do prédio e continuamos até a porta de entrada. Havia estacionado meu carro em frente ao edifício e, dentro dele, com a Brenda ao meu lado, olhei para a fachada: JKM TECHNOLOGY. Era mórbido. Era nostálgico trabalhar na empresa que foi do meu pai. Brenda logo percebeu para onde meus pensamentos estavam sendo direcionados.

— Sarah! Vamos! — Chamou a minha atenção.

Ela não é chata e nem nada parecido com isso, apenas sabia do que eu precisava. E eu estava mesmo necessitando desses "empurrões" para me trazerem de volta a realidade. Brenda havia prometido que não me deixaria voltar para a depressão e eu via o quanto ela estava empenhada em cumprir essa tarefa. Eu devia muito a ela.

Agradeci em silêncio por tê-la como amiga.

***

Saindo do centro, nos direcionamos para o Upper West Side, bairro nobre onde ficava a minha casa. Uma rua larga, arborizada, com uma pequena inclinação nos levava para a entrada. A mansão branca, com dois andares, era luxuosa. Em volta, um enorme jardim com piscina e área gourmet. Na lateral esquerda, a garagem. Portas e janelas feitas de vidros que nos permitiam ver quem se aproximavam, mas que não davam a mesma vantagem para quem estava do lado de fora.

O piso da sala ampla era feito de madeira. Sobre ele, um tapete branco felpudo sustentava a mesa de centro. Em volta, sofás aconchegantes. Haviam nas pequenas mesas distribuídas pela sala, vasos decorativos, algumas bebidas. As plantas espalhadas ajudavam a decoração do ambiente.

Era possível, da sala, ver o corredor que levava até a cozinha. Era também por ele que tínhamos acesso a sala de jantar, sala íntima e o escritório. Depois da cozinha, outro pequeno corredor dava acesso ao porão, lugar aonde eu raramente ia, uma vez que ali permaneciam vários pertences do meu pai e as recordações de minha infância inundavam a minha cabeça. Um prato cheio para depressão!

A escada, localizada no canto direito da entrada da sala, nos direcionava para os quartos. No primeiro andar, havia três suítes, incluído a minha que ficava de frente a dos meus pais. No segundo andar, mais dois quartos e um banheiro social. E foi um desses quartos, o que tinha a janela com vista para o jardim, que eu escolhi para ser o meu ateliê de pintura em telas. E lá estavam trancados os meus sonhos, desejos e lembranças que eu não ousaria abrir por tão cedo.

Estacionei fora da garagem e passamos pelo jardim completamente silencioso. E como era noite de halloween, temi por Casey aparecer do nada, nos assustando como de costume. Minha casa enorme fazia jus a um belo filme de terror, se fosse o caso. Esse era um dos motivos pelo qual sempre tinha um dos meus amigos comigo. Desde os últimos acontecimentos, e com a minha mãe ainda fora, pouquíssimas vezes eu conseguia ficar sozinha. Eles se revezavam para dormirem comigo ou vinham em grupo no fim da semana. Então, esta noite, eu poderia esperar qualquer coisa deles.

Encontrei a porta da sala aberta e entrei gritando:

— Casey?

Não tive resposta.

Brenda se divertia. Prendia o riso com os lábios num traço fino e mantinha os olhos arregalados, vasculhando todos os lugares. Começamos a subir as escadas em direção ao meu quarto.

— Ela vai nos assustar, com certeza!

— Brenda sussurrou. Já não conseguia segurar o riso.

— Enfim, chegaram! — Uma voz grave ecoou por toda sala.

Meu coração acelerou, mas não fora um susto tão grande assim. Inclusive, o grito de Brenda foi desnecessário, o que me fez dar um leve soco em seu braço.

Foi o Chris quem apareceu repentinamente no último degrau da escada. Fantasiado, com calça, camisa e sapatos pretos, ele estava com o rosto coberto por uma tinta branca, e uma fina linha escura dava a ideia de que a sua face havia sido cortada e costurada, atravessando todo o rosto. Macabro. Subi a escada e me aproximei. O chapéu, junto à sombra preta que contornava seus olhos negros, conferiu-lhe um ar sombrio. E sombrio também fora meu olhar para ele.

— O que faz aqui? — Perguntei tensa.

Ele apenas sorriu torto e arqueou as sobrancelhas.

Chris Collins e eu tivemos um caso que ele insistia em chamar de namoro. Eu posso assumir que estava começando a me apaixonar por ele, mas tudo aconteceu tão depressa que o sentimento se esvaiu antes mesmo que eu pudesse entendê-lo.

Não consegui continuar o relacionamento depois que o peguei aos beijos com Casey, uma das minhas melhores amigas, dentro da piscina, em um final de festa em minha casa, no verão do ano passado. Foi simples assim: apenas não o quis mais. Casey passou o resto daquele verão desculpando-se, enquanto eu a explicava que não era necessário, pois não estava chateada com ela, mas com ele, afinal, foi uma puta sacanagem da parte dele ter se aproveitado dela bêbada. Ela estava tão embriagada que, no dia seguinte, não conseguia se lembrar de nada. Eu mesma tive que contar sobre o ocorrido, o que a deixou ainda mais envergonhada. Ela demorou meses para voltar a conversar com o Chris. Mesmo assim, ela não era muito amável com ele.

Certa vez, Brenda perguntou por que eu tinha perdoado Casey, mas não conseguia fazer o mesmo com Chris. Não soube responder na hora. Depois de dias pensando sobre o assunto, cheguei à conclusão de que, talvez, eu só quisesse uma desculpa para me afastar. Gostava de sair com ele, mas faltava alguma coisa. Era monótono. Atualmente, ele tenta me reconquistar e eu não sinto nada. Nem amor, nem rancor.

Desviei de sua tentativa de me dar um beijo. Olhei feio para Brenda e ela levantou as mãos, num gesto de defesa, dizendo que não tinha nada a ver com aquilo. Obviamente, a Casey também não o tinha convidado. Mas o fato é que ele estava em minha casa e eu não esperava por isso. Comecei a me preocupar com o desenrolar da noite.

— Chris? — Eu ainda esperava uma resposta.

Ele veio em minha direção e eu dei um passo para trás.

— Quero proteger você. — Ele respondeu. Tirou o chapéu e passou as mãos nos cabelos pretos, arrumando.

— O quê? — Perguntei. Não pude acreditar no que ouvi.

— Quero ficar com você. Soube que iria a essa festa e quero estar ao seu lado.

Ele se aproximou novamente e tomou a minha mão.

— Não toca em mim!

Puxei a mão com força e me afastei ainda mais. Ele me olhava suplicante.

— Eu... Quem... —  Suspirei, tentando encontrar uma maneira de falar sem ser rude, mas foi em vão. — Quem o convidou? Quem disse que eu quero a sua companhia ou... Ou que preciso de proteção?

— Calma Sarah! Não precisa ser grossa.

— Como soube que eu iria sair? — Insisti.

— Tenho as minhas fontes. São secretas. — Ele tentava quebrar o clima tenso sorrindo levemente.

— A fonte secreta dele se chama Luke. — Casey contou, saindo do quarto de hóspedes.

Também fantasiada, com os cabelos, lisos e castanhos, soltos, vestia uma roupa sensual: por cima da meia calça branca, uma saia preta curta, que mostravam suas pernas torneadas. A camisa branca, manga longa estava por baixo de um blazer preto. A gravata borboleta era vermelha como os seus saltos. Em seu rosto a maquiagem homenageava o filme Jogos Mortais, o que caiu muito bem com a sua pele cor de jambo.

— Cala a boca! — Chris rebateu.

Casey não foi gentil quando puxou Brenda pelo braço retornando de onde viera, ignorando a ofensa proferida por Chris e reclamando sobre a nossa demora. Balancei a cabeça em negação e fui para o meu quarto. Definitivamente, eu não queria o Chris comigo essa noite e já estava pensando em uma forma bonitinha para dispensá-lo.

Fui direto para o banho, gritando para Casey deixar a minha roupa sobre a cama. O combinado era ela providenciar as fantasias, o que gerou uma briga entre as duas, a qual eu conseguia ouvir mesmo embaixo do chuveiro. Ao sair do banheiro, as encontrei ainda discutindo no meu quarto.

— Mas que merda! Dá para vocês transarem de uma vez? Eu não aguento mais isso! — Gritei.

Brenda mostrou o dedo do meio e jogou a roupa de forma violenta para mim.

— Nem pensar! — Olhei incrédula para a fantasia. — Fala sério, Casey! Fada? Você escolheu fada para mim? E o que diabos isso tem a ver com o Halloween? Inacreditável — Eu reclamei, jogando a roupa de volta à Brenda.

Primeiro, meu desânimo no trabalho. Depois, o idiota do Chris. E agora, isso: uma fantasia de fada que não tinha nada a ver comigo! Ao dizer que não iria mais, ouvi um uníssono não. Após alguns minutos de discussão, elas entenderam que eu não iria me transformar em fada e eu que elas não iriam desistir dos planos.

— Ok! — Respirei fundo outra vez. — Sei o que fazer. Mas eu quero as duas lá embaixo. E estou falando sério!

Eles aguardavam na sala enquanto eu terminava minha fantasia improvisada.

Coloquei um vestido longo preto, que acentuava todas as minhas curvas. Fiz um penteado, misturando tranças nas laterais com partes soltas. Não me sentia muito criativa por causa de todo o estresse, então, apenas fiz uma pintura com tons de verde escuro e cinza, que ia desde os olhos, até meus cabelos, simulando uma máscara. Fiquei em frente ao espelho.

A maquiagem combina com os meus olhos azuis, porém, falta alguma coisa, mas o quê? — Falando sozinha, analisei com calma.

Pelo reflexo, observei um colete dourado claro envelhecido. Usei por cima do vestido.

— Se é fantasia que querem...

Não ficou como eu esperava. Já estava impaciente e com um péssimo humor. Tive vontade de rasgar toda a roupa e m****r todos para inferno. E foi então que eu tive um estalo:

É isso!

Procurei uma tesoura. Cortei a barra do colete, deixando pontas em V desproporcionais.

Gostei. — Falava sozinha.

Outra olhada no espelho e levei a tesoura à altura da coxa esquerda. Desci o corte pela lateral da perna até os pés, então, rasguei, puxando para o lado direito. Ficou um pouco torto, mas de um jeito charmoso, que mostrava parte de minhas pernas. A parte de trás lembrava uma capa.

— Perfeito! — Sorri satisfeita.

Já era tarde, mas considerando que baladas não ficam boas antes da meia-noite, isso não era motivo para preocupação. Preocupação eu tinha com o Chris, que possuía um olhar de devasso para mim, e com o restante do grupo que, de acordo com Casey, já deveriam estar na Lavo. Ela tinha dito que Luke decidiu ir mais cedo com a namorada, Haley. Enquanto me vestia, Dylan e Janet passaram por minha casa. Mas esperaram pouco tempo. Logo desistiram e foram para a boate.

Demorou menos de uma hora para que chegássemos. Por fora, era mesmo um lugar bonito. Meu humor só não tinha melhorado por completo graças a meu ex que não desgrudava. Ao contrário de mim, Brenda era pura animação.

— Enfim, chegamos galera! — Gritou, nos empurrando para dentro da boate.

— Uau! Que lugar lindo! Comentei, extasiada.

A pista de dança estava destacada pelas luzes de cores lilás, laranja e azul, em uma combinação perfeita. O ambiente era moderno. Realmente, um lugar excelente e muito animado. Assim que entramos, passamos pela pista, indo direto ao bar. Chris, finalmente, saiu para procurar o pessoal. Casey e Brenda já se balançavam ao som da música pop, comandada pelos DJs.

As dançarinas estavam sob o balcão, rebolando sensualmente. Fazia parte da magia do lugar. Notei que havia um espaço na parte superior que parecia mais tranquilo. Assim que as bebidas de Casey e Brenda foram entregues, elas saíram para a pista de dança.

Deixei de observar o amontoado de pessoas e virei para o bar, alcançando meu Cosmopolitan. Enquanto sugava o doce sabor de frutas vermelhas e álcool pelo canudo, ergui somente os olhos. Foi a primeira vez que a vi, como num relance. Parei de beber e levantei a cabeça completamente.

Encostada contra a grade de proteção estava uma mulher. Ao seu lado, uma morena de cabelos cacheados e, atrás delas, algumas pessoas com fantasias de caveiras humanas. Ela me observava, ou, pelo menos, parecia me observar e eu não consegui desviar meus olhos. Nesse mesmo instante, Casey voltara sem Brenda. Provavelmente, haviam brigado novamente, porém, naquele momento, eu não estava nem um pouco interessada nas duas.

— Acha que ela está olhando para mim? Não consigo ver direito daqui. — Perguntei.

Parei de olhar para a moça e me virei para Casey, ficando encostada de lado no balcão.

As dançarinas pareciam estar no intervalo. Casey olhou para cima rapidamente e voltou a olhar para mim.

— Quem? A mulher? — Indagou confusa.

— Sim! — Respondi naturalmente.

— Está interessada? — Ela perguntou desatenta, tomando sua bebida. Nem mesmo fez qualquer piadinha sobre eu finalmente ficar com uma mulher. 

Elas acreditavam mesmo que isso nunca tinha acontecido comigo. Estranhei seu comportamento e perguntei por Brenda. Ela apenas deu de ombros. Tentei ter uma conversa mais profunda com ela sobre isso, mas percebi que ela não queria adentrar no assunto. Ela pedia uma bebida seguida da outra e eu a adverti:

— Ei... Vai com calma! Por que está bebendo assim? Conversa comigo, Casey Riley.

Ela não respondeu. De repente, seus olhos castanhos focaram em alguma coisa atrás de mim. Ela fez um leve sinal com a cabeça e eu me virei. Fiquei atônita: era a mulher que eu observava há minutos atrás.

Ela me fitava e eu sustentei o seu olhar. Não demonstrou desconforto enquanto me observou da cabeça aos pés. Também não vi timidez quando demorou o olhar em meu decote. Eu fiquei sem reação. Também a observei por completo sem disfarçar. Ela usava uma calça preta que marcava seu corpo, assim como uma blusa manga longa, da mesma cor. Tinha uma capa presa na cintura, que descia e arrastava pelo chão.

Os cabelos lisos, cor de mel, tinha um penteado parecido com o meu. Ela também fez uma pintura no rosto e deixou como se estivesse escorrendo pela face. O desenho formou uma máscara preta, que combinou perfeitamente com sua pele branca e o verde dos seus olhos.

Com intensidade, nossos olhares encontraram-se novamente. Ela franziu o cenho e travou o maxilar.

De repente, senti tudo parar, começando por minha respiração. Tudo em volta desapareceu, nem mesmo a música eu ouvia mais. Eu só a enxergava.

Que olhar é esse? — Questionava-me mentalmente.

Não sei ao certo quanto tempo ficamos nos encarando. Intimamente, pedia a mim mesma para dizer alguma coisa. Qualquer coisa. Eu queria, mas a minha voz não saiu. Não com aquele olhar tão intenso sobre mim. Então, algo mudou e o que parecia ser desejo mudou instantaneamente para raiva.

Ela balançou a cabeça de leve como se quisesse afugentar seus pensamentos. Desviou o olhar, levando a mão esquerda até o balcão, pegou uma taça e saiu.

Ela havia descido para buscar uma bebida. Mas, se era apenas por isso, por que me olhar desse jeito?

— Nossa! — Casey se aproximou. — Mas o que foi isso? Você a conhece? Pensei que ela fosse agredir você. — Falou, gargalhando.

— Não sei! Não entendi nada! — Estava tão surpresa quanto ela.

Só então me dei conta de que não havia sido imaginação minha. A mulher desconhecida estava mesmo me encarando com raiva. Mas do quê?

Não soube identificar naquele momento se fora apenas a minha curiosidade que estava extrapolando todos os níveis ou se o olhar dela despertou algo em mim que eu nunca havia sentido.

Após meses, consegui deixar todos os problemas de lado. Aceitei o convite dos meus amigos para me divertir e iria começar indo atrás do par de olhos verdes.

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