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(4) Vestido Perfeito

É DIFÍCIL PARA UMA GAROTA QUE está passando por necessidades financeiras graves se conformar com o tipo de luxo em que vive a família de Byrn. Ela, sua mãe e seu pai são doadores. O apartamento em que entrei é duas vezes maior que o meu, a sala decorada e aconchegante, limpa, com móveis de madeira e carpete marrom cinzento. Um lugar silencioso e que cheira a produto de limpeza, uma das coisas mais difíceis de conseguir hoje em dia, além de comida.

Não fico muito tempo admirando a decoração meio étnico-africana da sala, Byrn logo me puxa direto para seu quarto, com uma enorme cama de casal só para ela, armário, penteadeira e uma pilha de livros sobre romances com vampiros.

Tcharam! — Byrn abre a porta de seu armário com um grande espelho retangular. O armário é de madeira compacta pintada de branco, como o resto dos móveis, as paredes amareladas repleta de pôsteres de revistas que podemos comprar dos vendedores viajantes na feira quinzenal do pátio central. — Escolha qual você quiser! Vou preparar um sanduíche, você deve estar faminta.

Ouço a palavra sanduíche e meu estômago se revira, ganhando vida, faz um barulho audível e Byrn me encara com um arregalar de olhos.

Desculpe. — Coloco as duas mãos na barriga. — Tomei só um caldo hoje no jantar.

Melhor fazer dois para você e mais uns para você levar para sua mãe e irmão. — Byrn caminha até a porta e para, olhando por cima do ombro para mim. — Ande logo! Quando eu voltar quero te ver vestida!

Obrigada por tudo, Byrn.

Não vá chorar agora! — Ela lança uma piscadela e um sorriso, antes de sair.

Respiro fundo tentando colocar as emoções no lugar e vasculho o armário de vestidos. Puxo o que chama atenção aos olhos, um discreto vestido azul escuro. Tiro minhas galochas, a calça jeans surrada e a camiseta de manga curta. Escorrego para dentro do vestido. O pano é simples, mas ele é bem costurado, rente ao corpo, um pouco folgado no quadril. Viro para frente, encarando o espelho, vejo que meu ombro está sujo e lambo o dedo para limpar.

Uau, você até que ficou uma gatinha! — Byrn chega com dois sanduíches e um copo de leite em uma bandeja. Faz muitos meses desde a última vez que bebi leite, já nem lembro do gosto. — Mas esse, definitivamente, não é o vestido perfeito para sua estreia!

Vestido? Estou mais interessada no sanduíche! Byrn larga a bandeja em cima da cama e avanço nela, pegando o sanduiche e dando uma mordida enorme. O pão está macio, nada velho, tem manteiga, presunto e queijo! Que delícia! Alcanço o copo e dou um gole enquanto mastigo o sanduíche, comendo como uma desesperada. Bem, talvez eu esteja mesmo desesperada por comida.

Você tem que causar uma boa impressão ou podem querer te substituir. Independente de ser homem ou mulher, sugiro um decote bem largo, para mostrar seus dotes. — Ela remexeu nos vestidos, procurando. — Eu adoraria saber qual é a família de nobres que você vai servir.

Como não sabe? — pergunto de boca cheia, Byrn puxa um vestido digno de uma diva pop, preto com lantejoulas prateadas e pano transparente. Acho um pouco demais para alguém como eu e faço uma careta. — Em um raciocínio lógico, acho que é o Glutão.

O quê? — Ela abre bem os olhos claros, em susto, mas rapidamente se recompõe. — Oh, tem razão, hoje teve o funeral… Mas não sei, normalmente levam dois a três dias para colocarem a vaga, deve ser outra.

Você não reparou que cancelaram as inscrições para tirar um certificado de doação bem hoje? É para forçar que a vaga seja preenchida, se fica óbvio que é ele, ninguém ia aceitar. — Dou de ombro e tiro as migalhas de cima da saia, comendo. Sem desperdícios!

E você, sabendo disso, se inscreveu? Você é doida? O Glutão é um dos mais antigos nobres da cidade, deve ser um cara velho e nojento! Você tinha que esperar uma vaga boa como para os Rynbelech, ouvi que eles têm um filho jovem, ou ainda para os Bawarrod! Lady Lucretia pelo menos é uma gata! — Byrn passa uma bronca, sua voz um pouco mais alterada do que de costume, talvez até um pouco preocupada.

Era uma boa oportunidade e ele vai encostar os dentes em mim, não necessariamente faremos sexo. Pode ser um velho nojento, não ligo. — Dou de ombros. É mentira, na verdade, ligo e estou aterrorizada com esse assunto, mas não com o fato de ele ser um velho nojento, e sim porque dizem que ele tem péssimos hábitos alimentares. — E não acho que nobres passem a mão em suas escravas, os guardas são que devem ser safados.

E se ele passar a mão em você, o que vai fazer? — Byrn faz uma careta.

O que posso fazer se ele tentar? — Resfolego.

Ew, que nojo. — Byrn revira os olhos e coloca o vestido para dentro do armário, remexe mais e puxa outro, cor de pêssego. — Bem, então vamos te vestir de uma forma que o Glutão não tenha como passar as mãos velhas em você!

Fico em pé e troco de vestido. A cor pêssego não deixa muito à vontade, mas o que incomoda mais é que, descendo de um ombro para os seios, tem uma manga bufante como de uma cigana e a saia é muito volumosa, frondosa, cheia de panos afofados e que esconde a forma do meu corpo.

Hm, parece ótimo. — Balanço na frente do espelho como se estivesse dançando e Byrn dá uma risada.

Vou para casa carregando a sacola de sanduíches e outra com o vestido. Atravesso os corredores andando rápido para não entrar em encrenca, mas paro quando, de repente, escuto vozes. A ala onde fica o apartamento de Byrn é afastada da ala em que fica minha residência, na verdade, são diversos prédios interligados compondo a grande torre, e ao atravessar pelas passarelas é possível ver grandes janelas; é normal as pessoas irem até lá para tomar um ar, conversar ou qualquer coisa assim.

Começo a andar devagar, tentando não fazer barulho, encosto contra a parede e estico a cabeça para espiar. Vejo apenas silhuetas do que parece ser um soldado do exército e uma menina, que não aparenta ser nobre, pois está de calça, botas e um casaco com capuz na cabeça. Eles andam abraçados e o rapaz segura o capacete no braço.

Ela dá uma risadinha e derrubo a sacola no chão. Eles param de andar um pouco, atraídos pelo barulho, e a menina se encolhe, escondendo o rosto. Dois rapazes passam correndo por eles, batendo-se sem querer, e o capacete do rapaz escorrega de seu braço e cai no chão, fazendo um barulhão. Abaixo e escondo o rosto com a sacola do vestido. Eles passam por mim, sem perceber. Acho que estão roubando.

Fico em pé novamente e alcanço a sacola no chão. Olho para a passarela e agora o casal está perto da janela, o guarda, em vez de colocar ordem no lugar ou ver o que os meninos estavam fazendo, aperta a garota contra a parede. A impressão que dá é que eles estão se beijando, mas acredito que ele esteja cravando os dentes no pescoço dela; isso sim faz mais sentido.

Não sei se é uma doação de sangue, e se for, não deveria acontecer na passarela e sim no pátio ou no jardim, perto do salão de festas, que, aliás, deve estar fechado. Acho que o soldado deve estar faminto e veio atrás de sua presa. Será que a menina está doando contra sua vontade?

Quando penso que estou certa e devo chamar os guardas (que respeitam as regras), escuto sons de beijo e umas arfadas, o que dá a certeza de que não estou presenciando um roubo de sangue nem nada; está mais para um amasso mesmo, acho. Volto a observar o casal.

Melhor eu voltar. Está tarde. — A menina sussurra, afastando o guarda. A luz dos holofotes de segurança do prédio entra pela janela.

Só mais um pouco.

Não…

Amanhã?

Mas tem a festa, não estará ocupado?

Nunca ocupado demais para você. — Ele desliza a mão pela coxa da menina, mas ela segura.

Aqui, não.

Ali, eles foram pela direita! — Escuto uma terceira voz, bem alta, e o barulho de passos correndo.

Vá, vá. — O guarda empurra a menina para atravessar a passarela e alcança o capacete.

A menina vem em minha direção, enquanto outros guardas entram na passarela e correm até o rapaz que estava com ela. Sei que se a pegarem agora, mesmo que ela não seja culpada dos crimes, será acusada, ou pior, se ela fez uma doação fora da área, poderá ser chicoteada em praça pública. Os lordes não gostam quando as coisas começam a fugir do controle.

Percebo que ela vai passar reto por mim e estico o braço, puxando-a. Ela dá um gritinho, mas tampo sua boca com as mãos, segurando-a.

Shh! — E abaixo.

Ei, soldado! — Os passos dos guardas se aproximam. — Você viu um grupo de jovens correndo? Dois garotos e uma menina.

Não por aqui. — A voz do guarda que estava com a menina soa potente. — Olharam as escotilhas de acesso?

Não! Vamos! — Podemos ouvir passos correndo novamente.

Recrutas! É para o outro lado. — Fica um breve silêncio. — Vocês ao menos sabem onde ficam? Recrutas inúteis…

Os passos se afastam. Largo a menina e seguro minhas sacolas, ficando em pé. Ela se encolhe escondendo o rosto, assustada, apenas enxergo o capuz e as pontinhas de cabelo loiro claro. Suspiro.

Ei, você está bem? Vamos, melhor não ficar parada aí ou podem te encontrar. Vamos dar a volta pelo outro lado — a chamo. A menina fica de pé, secando os olhos e só então, quando posso vê-la por inteiro, mesmo que não veja seu rosto, a reconheço. — Nytacha?

Jay? — Ela arregala os olhos azuis para mim e meu coração dá um salto, quase saindo pela boca. Minha prima, inocente e casta, estava se agarrando com um soldado?! — Por favor, não conte nada pros meus pais! — pede e esconde o rosto com as mãos.

Por acaso aquele era Zerion? — pergunto com a voz arranhando de raiva. Só pode ser, com certeza é! Ele está cercando minha prima há meses. Nytacha responde que sim balançando a cabeça. Sabia! — Ele estava obrigando você a doar sangue?

Não! — Ela abaixa as mãos, encara-me com os olhos molhados e um ar de que eu sou maluca. — Não é nada disso, ele me ama.

Oh, por favor. — Reviro os olhos e seguro firme no braço dela. — Vamos embora e pare de dizer essas asneiras. — A puxo para caminhar, voltando até a outra ala e pegando o caminho para descer. Minha ideia é atravessar pelo andar de baixo e subir pelo outro lado. — Ele só tem interesse em uma coisa, e não é sexo.

Você não pode afirmar isso sem ao menos conhecê-lo! — Nytacha puxa o braço, se soltando. Suspiro. — Zerion é diferente, não é como os outros.

Não seja estúpida, é claro que ele está enganando você. — Continuo andando. Noto que Nytacha não vem comigo e viro para trás. Ela está com as duas mãos no bolso do casaco marrom e a cabeça baixa. É de dar dó, minha prima é muito inocente mesmo! — Venha logo, antes que os guardas encontrem você.

Nytacha cede, correndo um pouco para me alcançar e emparelhar.

Há quanto tempo você e Zerion estão se encontrando escondido?

Nytacha vira o rosto para ignorar a conversa. Eu a conheço e sei que se forçar minhas perguntas demais para cima dela, perderei sua confiança. Melhor eu ficar de olho nessa relação dela com Zerion de perto, antes que minha prima fique doando sangue sem um certificado e seja punida em praça pública por isso.

Bem, de qualquer forma, acho que agora entendo porque ele te mandou a cesta de frutas. — Dou um risinho enquanto andamos.

Nytacha acaba dando sorrindo também e espia minhas sacolas.

Isso aí é um vestido?

Peguei emprestado da Byrn.

Pra que você quer um vestido de festa? — Nytacha faz uma careta.

Vou para a festa dos nobres.

Você conseguiu um certificado de doação? Hm! Conheço alguém que ficará louco de ciúmes quando souber disso. — Ela dá uma risadinha cobrindo a boca. — Pobre Lyek!

Não seja boba. — Reviro os olhos e aperto mais a sacola ao redor do meu corpo, enquanto ando. — E não é exatamente um certificado, eu virei uma doadora permanente.

Oh! — Ela abre os olhos e a boca, surpresa. — Você fez isso sem pedir permissão para sua mãe, não foi?

Absolutamente. — Lanço um sorrisinho.

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