O SALÃO É VERDADEIRAMENTE SUNTUOSO e digno de um castelo cheio de pompa. O teto é branco, com pinturas douradas e três grandes lustres de cristais se projetam para baixo. Há muitas portas, brancas e douradas, separadas por pilastras redondas, todas elas fechadas, lacradas, quase sinto como se estivesse sem ar. O chão é de madeira, os saltos explodem, mas a música é alta e as vozes se sobrepõem umas às outras de uma maneira instigante e até familiar. É uma festa normal, como se eu apenas estivesse na época errada. Garçons passam bem vestidos, oferecem bebidas e docinhos dignos de pâtisserie. Pego alguns, mas não quero ficar nem com bafo e nem com sujeira nos dentes, ou borrar a maquiagem que minha mãe ajudou a fazer.
Procuro prestar atenção na conversa de todos, mas a maioria são nobres que vieram de outros lugares, comentando sobre o tempo de viagem e outros assuntos frívolos, inclusive, a maioria reparando bastante nos doadores de sangue e suas tatuagens.
Lady Lucretia chega ao salão acompanhada de Kaiser Bawarrod. É a primeira vez que os vejo ao vivo. Uma música forte invade o salão enquanto eles dançam e todos batem palma, inclusive eu, perdida e sem ter muito o que fazer, além de comer. Lady Lucretia é mesmo uma mulher bonita e jovem, aparenta uns vinte anos, de cabelos castanhos lisos e nariz arrebitado, sorriso simétrico e olhos grandes, castanhos e quentes, com sobrancelhas que marcam bem suas expressões. Lorde Bawarrod é mais pálido que ela, tem uma pinta grande e escura do lado esquerdo do rosto, perto da orelha, e os cabelos cacheados que, apesar de estarem arrumados, se soltam e se rebelam. Enquanto ela usa um vestido púrpura e preto, de saia rodada e tecidos drapeados, com luvas, ele usa um terno com colete e uma sobrecasaca verde escura, deixando a corrente de um relógio de bolso aparecendo.
A dança termina, os nobres se dispersam, muitos ficam por ali para cumprimentá-los. Dou alguns passos para trás, enquanto as pessoas se batem comigo para chegar até eles. Ver o Imperador Kaiser Bawarrod sorrindo com caninos protuberantes deixa-me um pouco nervosa, ele nem parece se preocupar com o fato de que há pessoas morrendo de fome em seu castelo! Acabo encostando com a cortina, perto da janela.
Uma mulher se aproxima de mim, seios fartos, pele castanha e cabelos enrolados e sedosos, bem escuros como a noite. Seus olhos desinteressados não me enxergam. Ela segura uma taça de espumante na mão e pega um biscoitinho, quase penso que ela é uma doadora de luxo até que noto seus caninos protuberantes, engulo seco e ela olha para mim.
— Querida, esse seu vestido é um desastre — Diz com desdém e acabo olhando para meu corpo.
— Está mesmo horrível, mas quando o escolhi eu tinha uma ideia totalmente errada de como deveria agir nessa festa e agora não sei como me sobressair com essa roupa — respondo.
Toc Toc. Alguém bate na janela atrás de mim, os olhos escuros e de brilho avermelhado da vampira na minha frente se abrem bem e ela faz um sinal para que eu ande para a esquerda. Quando viro para olhar, há um garoto na janela, pendurado, querendo entrar, de cabelos bem escuros e lisos, cobrindo parte do rosto, olhos brancos, com o dedo na boca pedindo para eu fazer silêncio.
Pisco duas vezes, confusa. Ele aponta para o alto e vejo um gancho. Alcanço, abrindo a janela, só uma frestinha, ele entra como um gato, sentando no chão e usando a saia bufante do meu vestido como um escudo.
— Román! — A vampira se aproxima, aborrecida, sussurrando. — Onde diabos você estava!
— Shh! — O garoto faz. Fico parada como se eu fosse um enfeite, um vaso, sei lá. Ela disse Román, ou eu escutei errado? Olho para ele, mas o rapaz não veste armadura de soldado, está de calça preta, camisa branca desabotoada e sem gravata. — Você quer alarmar meus pais?! — Ele sussurra também, desesperado e um pouco bravo.
— Oh, bem. — A mulher olha por cima do ombro. — Estão ocupados. Lady Lucretia acabou de dançar. — Ela segura no meu braço, com força, e me empurra para trás. — Vamos para lá. Cadê suas roupas?
— Em algum lugar! — Ele ri como se significasse que as perdeu. Engatinha para trás, ainda usando meu vestido como proteção. Melhor eu nem respirar!
— Você não tem jeito, estava com aquela garota de novo?
— Muito melhor que essa festa ridícula.
— O que Devon acha disso?
— Por que não pergunta a ele você mesma? — Eles vão sussurrando enquanto me empurram. — Ele deve ter um paletó extra para me emprestar, encontre-o.
— Devon não está aqui ainda! Não seja tão irresponsável! Se seus pais ficam sabendo disso, podem degolar sua namorada para se vingar se você continuar escorregando, já basta o escândalo que deu aquela cesta. — A mulher passa a bronca, soando como uma mãe e o filho adolescente, enquanto eu só consigo pensar que a namorada dele é Nytacha e que ela vai ser degolada, chego a suar.
— Eles não o farão, pois não querem me irritar. — O rapaz dá uma risada e pisca um olho, seguro de si. — Sabem do que sou capaz.
Quando alcançamos a borda do salão, por trás das cortinas, ele fica em pé, uma altura que eu tenho certeza que ele é Zerion. Não sabia que esse era o nome de um nobre, para ser sincera, e duvido que Nytacha saiba. Pensando bem, ela ficou meio desesperada quando Byrn a interrogou sobre o nome do namorado, então… Olho para ele. Sim, com certeza é um nobre. Meu estômago revira. Por acaso ele está vivendo uma vida dupla e minha prima é uma espécie de brincadeira de um jovem vampiro mimado? Isso não está acontecendo!
— Não se mexa! — A mulher estica o dedo para ele, brava, e olha para mim. — Francamente, esse vestido… — E rasga a manga bufante com as mãos, tirando os panos extras da frente. O que sobra é uma frente lisa, sem graça, mas agarrada ao meu corpo de uma forma que me sinto até nua, ainda mais por ser da cor pêssego. Ela joga o pano em cima de Román, ou Zerion, sei lá! — Ainda te mato, moleque!
— Não, não mata. — Ele ri e joga o pano para o lado, ajeitando a camisa no corpo, abotoando os botões da frente, que estão abertos.
Não digo nada, nem ele, não tenho coragem de começar uma conversa agora, ainda mais sobre Nytacha. Fico cutucando a saia do meu vestido e tiro alguns fios que caíram soltos da manga.
— Seu vestido é mesmo terrível, foi você quem escolheu? — Román pergunta.
Sua voz é suave e ele parece ter bom humor, mas sua simples presença me tira do sério, me irrita. O que há com esses nobres? Por acaso somos brinquedos?
— Se você magoar a minha prima, arranco seus testículos — rosno, encarando-o com firmeza.
— Ela faria isso primeiro que você, se quer saber. — Ele me dá uma olhada com puro desdém.
— Eu não consigo imaginar Nytacha fazendo qualquer coisa que não seja chorando ao descobrir que está sendo usada, Zerion — falo. Minha prima parece verdadeiramente apaixonada, incomoda que ele esteja apenas brincando com ela, fingindo ser outra pessoa.
— Acho que você não sabe muitas coisas, não é mesmo? — Ele me lança um sorriso, com uma calma que me aborrece. Seu olho esquerdo fixo em mim, o outro, coberto pela franja escura. Ele dá um passo para frente e eu um para trás. — Primeiro, eu não tenho motivos para usar ninguém… E segundo, meu nome é Román.
— Aqui. — A mulher de antes para na nossa frente, estendendo uma sobrecasaca para Román.
— Eficiente, Drarynina. — Ele sorri e se veste, abotoando a casaca. Lança um sorriso em minha direção e me cumprimenta com uma leve curvada de postura, em respeito. — Jaylee.
E sai, me deixando com a garota de olhos vermelhos, encarando meu vestido com ódio. Solto um suspiro cansada e uma pontada marca minha testa. Preciso avisar Nytacha sobre isso, ela vai ficar chateada, mas não posso permitir que esse babaca metido fique enganando-a.
— Francamente, odeio esse vestido. — A mulher fala com sua voz potente e dá as costas, me largando por ali com o vestido meio rasgado.
A festa se desenrola e eu já não tenho disposição para participar, mas fico por ali ainda assim. Aproximo-me da mesa de doces umas duas vezes, enquanto alguns nobres mordem os punhos de suas doadoras. Elas fazem cara de dor, fechando os olhos e colocando a cabeça para trás, mas Byrn disse que não sentíamos nada, que era quase como um orgasmo.
Román, ou Zerion, conversa com Lady Lucretia umas duas vezes, parece entojado com a presença dela e engole todo o espumante de sua taça. Vez ou outra, nossos olhares se cruzam e fico com a impressão de que ele tem algo para falar. Talvez vá pedir para que eu não conte nada a Nytacha, será?
Quanto mais tempo passo nessa festa, menos medo dos nobres tenho e começo a ser contagiada pela energia dos outros doadores, que acham empolgante falar da vida dos nobres, comer coisas deliciosas, beber os melhores espumantes e dançar boas músicas. Porém, percebo que eu sou a única que ainda não foi abordada por um vampiro cheio de dentes, talvez eles sintam o cheiro de sangue pobre e podre nas minhas veias.
— Jaylee. — Alguém chama. Viro o rosto e vejo aquela mulher, Drarynina, do meu lado. Tem uma menina do lado dela, a de borboleta no rosto, segurando uma caixa grande e branca, com um laçarote vermelho prendendo a tampa. Pisco algumas vezes. — Venha comigo.
Eu a sigo por uma das portas do salão que dá para uma saleta reservada, parecida com a antessala que eu estava, mas com estofados rosados. Há um tapete bonito que parece persa, branco e rosa. A menina de borboleta no rosto solta a caixa em cima de uma das poltronas e tira o laço. Drarynina continua na porta, espiando do lado de fora. A luz dentro da sala é um pouco mais fraca e reservada.
— Para sua sorte, comprei dois vestidos para hoje. — Ela olha para mim, mas rapidamente volta a olhar para o lado de fora. — Você pode ficar com ele, não combinou com meu tom de pele.
A menina puxa um vestido rosado de dentro da caixa, com um corpete dourado e uma flor no centro, embaixo da linha dos seios. Ela se aproxima de mim e abre o zíper detrás do meu vestido.
— Por que você está me ajudando? — pergunto sem entender e deixo que a menina tire meu vestido por completo. Minha lingerie é emprestada da minha mãe, preta e azul.
— Não estou te ajudando, estou me ajudando. — Drarynina, enfadada, solta ar pelo nariz e olha para mim. — Você é apenas uma peça do meu jogo. Colabore comigo e eu garanto que você não vai morrer tão depressa nas mãos de Lady Lucretia. — Ela fecha a porta, eu escorrego para dentro do vestido.
A garota que me veste puxa a peça para cima e fecha o zíper, fica folgado, mas ela dá uns puxões na lateral e começa a costurar.
— Por que Lady Lucretia quereria me matar?
— Devon é um péssimo bebedor e ninguém tem interesse em um general fraco. Seu antigo escravo falhou tanto que Lady Lucretia decretou sua morte, você não vai querer cair no mesmo erro. Faça com que ele beba sangue essa noite e me terá como aliada, vou garantir sua segurança e de todos ao seu redor. Além disso, devo uma a Román, ele disse que você é prima de Nytacha.
— Deixe Nytacha fora disso — rosno como um cão que ladra, mas não tem permissão de morder. Drarynina mostra um sorriso de lábios grossos e vermelhos de batom.
— Se você não quer aquela loirinha degolada, é bom colaborar comigo, menina, está entendendo? — Uma sobrancelha desenhada se ergue.
Levo uma pinicada na barriga com a agulha. Entendi o recado!
— O que precisa que eu faça?
— Bom que chegamos a um acordo. — Drarynina se aproxima de mim e tira do meio de seus seios uma chave dourada. — Do outro lado do salão tem um vaso, conte três portas e abra. Vou enviar Devon até você. Certifique-se de que ele beba esta noite e se prepare, quando ele começa é quase impossível fazê-lo parar.
— Sim, senhora — concordo.
— Quando estiver pronta. — Drarynina volta até a porta e deixa a sala, fico a sós com a menina de borboleta no rosto e com a impressão de que acabei de mergulhar numa piscina de tubarões. São tantas informações e me sinto tão confusa…!
A garota não diz nada para mim e nem eu para ela. Quando termina, ela abre a porta para eu sair e, de vestido novo, mais encorpado e na moda, deixo a sala. Sigo reto até um vaso, onde há uma árvore, e conto três portas para a esquerda, à direita não tem nada, só a parede com um quadro. A música do salão me deixa nervosa, apesar de ser bem suave, uma valsa. Coloco a chave na maçaneta e destranco, abrindo. A saleta está escura, mesmo com a luz de um lampião, mas entro e fecho aporta.
Sinto meu corpo inteiro tremer. A sala é toda vermelha e azul, um pouco mais moderna do que imaginei para o filme de época em que estou. Há uma divã, um sofá de três lugares, poltrona e mesa de centro, quadros antigos, outros lampiões apagados e uma estante com muitos livros.
Apesar disso, toda a ansiedade sumiu e eu me sinto até calma para o momento. Não suporto mais essa espera, esses pormenores acontecendo. Román e Nytacha, aquela Drarynina e os assuntos estranhos que ela jogou em cima de mim, os outros doadores… é tudo tão maluco que não sinto mais como se minha alma estivesse dentro de mim, é como estar em uma realidade paralela.
A porta abre e me viro, entra um jovem de cabelos castanhos claros arrumados para cima e olhos que cintilam dourado. Ele é alto e forte, mas nada exagerado, de calça, colete e camisa, sem paletó. A gravata bufante na frente parece meio torta, como se incomodasse e ele puxasse algumas vezes. Inclusive, ao colocar os olhos em mim e fechar a porta atrás de si, ele a puxa.
— O que você quer? — Sua voz não soa forte e nem fraca, é um perfeito equilíbrio. A barba rala em seu rosto é a única coisa que realmente me encanta. Nossa, como ele é bonito. Não foi bem assim que imaginei um general que tem um apelido tão cruel como Glutão. Byrn vai morrer quando souber disso, claro, se eu sobreviver para contar. — Por que me chamou aqui? Ei! — Ele estala os dedos. Os lampiões da sala se acendem ao mesmo tempo, me assustando, todo o recinto fica iluminado e ele estreita os olhos claros, me analisando.
— Ah, e-eu… — Respiro, tentando me recompor. O analiso também, sem paletó, incapaz de negar ajuda para um nobre mimado como Román, atraído por Drarynina… talvez, se eu passar a não enxergá-lo mais como “Glutão”, tenha uma chance. Ensaio um sorriso. — Há horas que estou na festa e você não me procurou, comecei a achar que talvez não tivesse interesse em mim. — Dou alguns passos na direção dele, alcançando sua gravata. Ele fica parado, desfaço o nó e puxo, desabotoando o primeiro botão de sua camisa francesa. — Todos já estavam se alimentando, achei que faria bem lembrá-lo disso.
— Quando eu tiver fome mando chamar-te. — Devon me responde, dando um tapa na minha mão e se afastando de mim, indo deitar-se no divã capitonê vermelho como se estivesse muito cansado. Os pés para o lado, a cabeça na cabeceira, ele coloca a mão na testa, cobrindo os olhos, e eu apenas fico parada, observando-o. A pele dele não é tão pálida e não parece fraco como sugeriram. — Qual a ameaça que fizeram a você para que venha se oferecer assim a mim?
Ele parece entediado e conhece bem as pessoas que o cercam, só posso concluir que seu outro doador foi ameaçado como fui, mas não posso me dar ao luxo de ter o mesmo destino de meu antecessor. Estou sendo ameaçada sim, mas se eu ceder ao primeiro sinal de simpatia, com certeza cairei em uma armadilha maior! Não apenas eu, mas minha mãe, meu irmão e Nytacha estão em risco aqui. Mandariam matar todos.
Dou uma risada de desdém, igual a que Román deu para mim nas cortinas, ventando muito ar e quase rindo, colocando as mãos na cintura. Devon olha para mim por entre os dedos, e agora que tenho sua atenção, não pretendo perdê-la.
— Você realmente acha que sou assim tão indefesa? — Ando até a ponta do divã, deslizando o dedo pela linha da sola do sapato, dançando os dedos, enquanto deslizo para a canela e dali para o joelho. — Sou voluntária. Eu mesma me inscrevi no setor de doação. — Antes que eu possa deslizar o dedo mais para cima, ele se ergue e segura no meu pulso com firmeza, olhando para mim com toda intensidade, exatamente o que eu queria. Curvo, oferecendo o pescoço. — A menos que o senhor tenha nojo de encostar-se a mim e prefira morder meu pulso, eu não me importo.
— Por que você se voluntariou? — ele pergunta.
— Necessidade — respondo, mas noto que uma sobrancelha se ergue, minha resposta não deve ter sido satisfatória. — Minha mãe está doente e meu irmão é novo demais para doar, não estavam certificando doadores quando fui ao setor e tinha essa vaga.
— Bem. — Ele me empurra, soltando meu pulso e fazendo com que eu me erga. — Apenas diga-me quanto você precisa e pode sair por aquela porta e me deixar em paz. Não perco tempo com humanos.
Estou diante de um dos homens mais poderosos desse castelo, tenho sua atenção e curiosidade, ainda assim, ele me ofende! Não acredito em mim mesma agora. Tento não demonstrar emoção.
— Sinto muito, senhor, mas não posso fazer isso — afirmo.
Devon olha para mim novamente, quase intrigado, as sobrancelhas querendo se unir na linha de seu nariz. Há um momento de silêncio, uma pergunta que ele fez sem verbalizar, porém sou capaz de lê-la em seus olhos amarelados.
— Eu me sentiria muito desconfortável em usar seu dinheiro sem trabalhar para isso. — Estendo o braço. O certo seria eu dizer, mais precisamente, que me sentiria desconfortável demais em sair por aquela porta e encontrar minha família morta ao voltar para casa! Além do mais, se eu conseguir me aproximar dele o suficiente, Drarynina e Lady Lucretia em breve estarão no meu jogo, Román também. Prefiro desse jeito. Quero desse jeito. — Estou ciente da fama que meu senhor tem e estou disposta a cobrar por cada gota.
— Disposta?! — Levo outro tapa no braço e Devon se ergue na minha frente, tenho que levantar a cabeça para poder olhar para ele direito e vejo os caninos protuberantes, que ele mostra de forma ameaçadora, como se tivesse ficado bravo com o que eu disse.
Ele vem em minha direção, dou passos para trás, até que caio sentada no sofá, do outro lado da sala. Devon rosna igual a um monstro, o tipo de monstro que um vampiro realmente é. Sua mão grande envolve meu rosto, levantando meu queixo, quase me enforcando, a outra segura firme no alto da minha cabeça, puxando meus cabelos. Prendo o ar nos pulmões para não gritar, seguro em suas mãos, tentando afastar de mim, coloco um dos meus joelhos em sua barriga, forçando-o para trás. A impressão que tenho é que ele vai me matar!
— Grite agora, escrava! — ele berra.
E eu grito com todo o ar dentro de mim, mas não com medo ou assustada, apenas grito, como um leão que espanta os predadores, uma escrava que é apenas ordenada a gritar. E vou além, envolvendo o corpo dele com minhas pernas, prendendo-o contra mim.
— Agora estamos negociando. — Ele sorri satisfeito.
Minha respiração ofegante, estou até sem ar, meu coração bombeia forte com a adrenalina e me sinto tão bem, como se estivesse drogada. Talvez seja o perfume amadeirado que exala dele, o cheiro do seu hálito, de bebida alcóolica, um conjunto perigoso e mortal que, ao mesmo tempo, reluta em cravar seus dentes em minha pele.
É quando percebo o que tenho que fazer para ganhar essa batalha: com as pontinhas dos dentes, mordo minha boca com força, até sangrar. Lutando contra sua mão firme, que puxa meu cabelo e me afasta dele, enquanto minhas pernas impedem que ele fuja, ergo e minha língua encosta-se a seus lábios. Seu braço perde força, os músculos relaxam e ele me beija com vontade, chupando todo o sangue da minha boca.
Seus braços agora me apertam com força, envolvendo meu corpo, um abraço que me faz pensar em uma cobra de tão forte, esmagando-me, prendendo minha respiração involuntariamente. Ele encosta a boca no meu pescoço e me morde. Sinto uma pontada, como uma picada de agulha quando vamos tirar sangue, mas a dor passa em segundos. O único som que escuto é de deglutição, enquanto o sangue se esvai do meu corpo em goladas fortes.
UM RAIO DE LUZ INCOMODA MEUS OLHOS, despertando-me. Meu corpo inteiro dói como se eu tivesse sido atropelada por um caminhão. Não sei exatamente quanto tempo minha mente vacilou, mas a impressão é de que quase morri. Consigo enxergar os lampiões da saleta e percebo que o vampiro ainda me abraça e entorna meu sangue como um elixir. Se não parar, vou morrer.Seguro em seus o
A PORTA ESTÁ TRANCADA, tento girar a maçaneta e ela não cede. Dou socos, talvez mamãe esteja dormindo exausta, mas não escuto nem Johin.Aos poucos, a irritação da porta ter sido deixada trancada como se esquecessem de mim dá lugar à preocupação. E se mataram minha família? Posso ter feito algo muito grave ontem, algo que tenha irritado algu&eac
— NÃO ME INSULTE NA FRENTE DOS NOBRES. — Devon puxa um lenço vermelho do bolso da frente do paletó e estende para mim. Desde que nos encontramos, é a primeira vez que ele dirige palavras a mim.Pego o lenço macio, de qualidade, e seco os olhos, tentando não borrar a maquiagem. Olha, um gesto de bondade! Quase me convence que é um lorde, se eu não conhecesse o l
— JAYLEE, SAIA DO BANHO E VÁ BUSCAR sua prima! — Minha mãe espanca a porta do banheiro do meu quarto. — Você vai se atrasar!Desligo o chuveiro e me enrolo com o robe azul claro. Abro a porta, liberando o vapor do banho e encaro minha mãe, de saia cinza e blusa preta, os cabelos castanhos escuros presos em um coque, de brincos e bochechas coradas. Sabe quanto tempo eu não a ve
Um zumbido constante maculava a audição. Com as roupas manchadas de sangue, invadi a arqueria gritando, chamando por ajuda. Román estava lá com Devon e mais alguns nobres da casa Lunysum, treinando arco e flecha. Não sei se consegui pronunciar as palavras direito, mas me acompanharam ao local do incidente.Nytacha estava deitada com os olhos travados, como se fossem de vidro, focando no nada,
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HÁ UM BURACO NO CHÃO DE TANTO que ando de um lado ao outro. Meu coração bate pesado, meio sem ritmo. A porta abre, ferindo meus olhos com a iluminação. Tomo um susto e abaixo, me escondendo atrás do sofá. Devon joga Zane para dentro da saleta.— Tome todo o vermouth, não desperdice tempo. — E fecha a porta com um estrondo.<