Capítulo 03 - Lyra

Lyra acordou tremendo, o suor ensopava suas roupas no colchão em que estava deitada. Seus olhos vasculharam ao redor, como se estivesse procurando aqueles mesmos olhos de seus sonhos. Todas as noites de lua cheia, ela sonhava com um lobo, e, em todas as noites, ele trazia a escuridão ao seu lar.


Amélia se revirou na cama ao lado e, quando viu que Lyra estava acordada, espreguiçou-se com um sorriso.


— Pesadelos novamente?


Lyra anuiu, ainda sentia o corpo todo tremer das cenas que permeavam sua mente como um lembrete do que poderia acontecer com seu clã. Com o clã que a havia acolhido depois da morte de sua família.

Lyra não havia nascido sacerdotisa, foi acolhida pela Mãe daquele clã. Mesmo que todas as noites ainda se sentisse uma forasteira, seu coração se enchia de alegria por ter um lar.


Amélia levantou-se da cama e estendeu a mão para Lyra, espantando um bocejo.


— Vem, vamos caminhar. A lua está bonita hoje.


Lyra sorriu; a amiga sempre conseguia tirar os pesadelos de sua mente com uma boa caminhada.


— Com o que sonhou desta vez?


Amélia liderava a caminhada à frente, e Lyra a acompanhava em passos brandos, enquanto observava a mata silenciosa ao redor. O clã das sacerdotisas ficava no meio de uma clareira de flores, tocada pelas montanhas ao redor. Era como uma fortaleza.


Sua voz oscilou quando voltou a se recordar do sonho:


— Havia fogo e gritos. — Ela estremeceu, e Amélia acompanhou seus passos, parando ao seu lado. — A Mãe estava morta, e nós fomos levadas para outro lugar.


— Você já contou sobre esses seus sonhos à Mãe?


“Mãe” era como as filhas chamavam a sacerdotisa que cuidava de todas elas. Alguns acreditavam que a Mãe também era tocada pela deusa, mas Lyra sabia que apenas uma loba por geração poderia ser tocada. Ela realmente gostaria que fosse a Mãe.


Lyra negou e, então, suspirou alto, abaixando-se e enfiando as unhas na terra negra, coberta pelo luar que se espalhava pelas folhagens ao redor.


Ela sentiu a umidade da terra e inspirou fundo o ar frio do começo do alvorecer. Não havia fogo, calor e nem mesmo gritos, somente a calmaria tranquila à qual estava acostumada sempre. Havia somente ela e Amélia passeando e se esgueirando entre as matas. Mas Lyra tinha a sensação de que isso não duraria; lá no fundo, ela sabia a verdade.


— Esqueça os sonhos. Vamos colher algumas ervas para o café da manhã.


— Você acha que eles se tornarão reais? — Lyra perguntou com cuidado, e Amélia sacudiu a cabeça com um sorriso, puxando as mãos dela para si em um conforto.


— Vê? — Amélia inspirou fundo com um sorriso e, então, apertou as mãos de Lyra com firmeza. — Nada de fogo, apenas a brisa da manhã. E, mesmo que algo aconteça, a Mãe vai cuidar de nós.


“Ela tentou”, Lyra queria responder, mas manteve os lábios apertados, desviando o olhar para trás, para a clareira onde ficava o clã.


Ela soltou-se de Amélia e começou a caminhar em direção à queda d’água, ao riacho rico em peixes e água cristalina. Era seu lugar favorito naquele local, mas, daquela vez, algo perturbava as águas.


A Floresta dos Espinhos era o que protegia o santuário das sacerdotisas, como uma fronteira. Mas, desta vez, o silêncio da divisa entre o riacho e a floresta era opressor.


Lyra observou as árvores feitas de espinhos, secas e que se agarravam ao céu como se estivessem pedindo socorro.


Ela observou as pegadas sobre a lama seca, o rastro de sangue que as acompanhava e, da mesma forma que em seus sonhos, alguém a chamava. Ela escutou seu nome ser chamado.


Suas mãos tremiam, seu corpo todo parecia estar em combustão com a expectativa de atravessar as águas e entrar na floresta. Nunca havia ido além das fronteiras, nunca tinha colocado os pés na Floresta dos Espinhos.


Os galhos pareciam se agarrar à sua pele, ao seu cabelo negro em sua passagem. Mesmo as árvores mais altas se inclinavam com sua passagem, abrindo caminho, mostrando algo que ela deveria ver.

Lyra inspirou fundo quando o rastro de sangue aumentou e, ao pé de um tronco branco, estava o lobo mais bonito que havia visto em sua vida. Os olhos azuis a encaravam de volta, e o rosnado era um aviso para que ela se mantivesse afastada.


Lyra não conseguiu; eram os mesmos olhos de seus sonhos, que a chamavam, que gritavam seu nome em meio ao fogo. A curiosidade queimava em seu coração, e, a cada passo que dava, sentia a energia ao seu redor oscilar. Seu corpo era como uma chama acesa, tão quente quanto as chamas que oscilavam em suas lembranças.


Mas, quando se aproximou e se ajoelhou de frente ao lobo, a imagem desapareceu e, à sua frente, agora estava um homem. Seu abdome tinha uma adaga cravada na altura das costelas, e sua respiração era fraca. O lobo negro tinha desaparecido; só restava aquele desconhecido.


Lyra inclinou o corpo mais próximo, curiosa para saber se aquele homem estava vivo, até que ele abriu os olhos, e ela se viu diante do mesmo olhar do lobo negro. Tão azuis, vívidos e selvagens.


— Quem é você? — Ele perguntou, e Lyra soube quem ele era.

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