O fogo parecia engolir tudo enquanto Caelan andava no meio dos destroços daquele clã. Alexander havia cumprido a promessa de que invadiria o clã sagrado das sacerdotisas. Seu irmão não se importava com a lei de Seraphire, não se importava com nada além de si.
Caelan inspirou, ignorando a raiva que borbulhava em seu corpo, que crescia a cada passo que dava ao ver a destruição que seu irmão havia causado, por pura demonstração de poder. O pior eram as mulheres feridas ao seu redor e seus homens, que não se importavam com nada, um reflexo de seu líder.
Dylan e Alina vinham atrás, não havia nada em seus rostos que demonstrasse o que sentiam, apenas Caelan tentava controlar suas emoções, pois sabia que seu rosto era um espelho do que sentia.
Alexander estava sentado como um rei no meio daquele fogo que consumia tudo. O sorriso despontava em seus lábios, e Caelan queria matá-lo.
— Caelan, lembre-se de Helena — A voz de Dylan o lembrou do porquê estava ali. Ele nunca esqueceria sua irmã.
Quando Alexander viu Caelan caminhar em sua direção, a surpresa perpassou seu rosto rapidamente, e ele logo a extinguiu, o olhar se modificando como se tivesse comido algo podre.
— Você é mesmo difícil de matar, meu irmão.
Os homens de Alexander circundaram Caelan, e ele ergueu as mãos como se quisesse mostrar que vinha em paz.
— Não vim desafiá-lo. — Caelan se ajoelhou. — Vim aceitar você como meu alfa.
Agora a surpresa estava explícita no rosto de Alexander. Caelan respirava devagar, os joelhos naquela terra suja e seca pareciam um peso maior do que o que sentia.
Alexander se levantou e caminhou em direção ao irmão, com a expressão em seu rosto ainda carregada de desdém.
— Ora, ora, nunca pensei que ouviria isso de você, Caelan.
— Me deixe voltar para os Fúrias, para meu lar — Caelan se viu implorar e se odiou por isso, mas precisava fazer isso por Helena.
— Seu lar morreu com Malthus — Alexander retrucou, e Caelan se retesou ao ouvir o nome de seu pai na boca de seu irmão.
— Não me importo com o que irá fazer comigo, só me deixe voltar para os Fúrias.
Alexander então começou a rir e se afastou, por fim, jogou uma faca com sangue aos pés de Caelan.
— Este clã agora é meu, a Grande Mãe morreu em minhas mãos — Alexander se vangloriava, e então apontou para a lâmina aos pés de Caelan com o queixo. — Se quer voltar aos Fúrias, terá que provar que posso confiar em você.
Caelan não respondeu, apenas deixou que Alexander se exibisse, como seu irmão sempre havia gostado de fazer.
— Mate a sacerdotisa que a Grande Mãe protegia.
— Matar uma garota inocente? — Caelan se viu interrompendo Alexander, e aquilo foi seu erro.
— Já está desafiando minhas ordens? — Perguntou Alexander, com um tom rude. — Se quer voltar aos Fúrias, terá que cumprir ordens sem as contestar.
E então Alexander se aproximou e gritou próximo ao rosto de Caelan:
— Sou o seu alfa.
Não era. Nunca seria. Mas, por Helena, Caelan deveria continuar aquele teatro.
— Mate a garota e poderá voltar para os Fúrias. Do contrário, se voltar sem o sangue da sacerdotisa, eu vou matá-lo dessa vez.
Caelan sentiu a bile subir por sua garganta. Matar parecia algo fácil demais para Alexander. No momento em que tocou aquela faca suja de sangue, Caelan havia feito uma escolha. Ele se odiaria, se odiaria por matar uma vida inocente, mas era aquela sacerdotisa ou Helena, e se tivesse que escolher, sempre escolheria sua família.
Ele se viu seguindo o guarda de Alexander em direção à floresta de espinhos. A cada passo, seu coração pesava em seu peito, o gosto amargo em sua boca o fazia respirar com dificuldade. A faca em sua mão era um peso grande demais, fazendo-o tropeçar em seus próprios pensamentos. Quando Caelan cruzou o espaço e um corvo grasnou, o homem de Alexander se retesou. A floresta de espinhos parecia tremular e uivar, como se entendesse o que estava prestes a acontecer.
— Não precisa me acompanhar…
Nem mesmo terminou as palavras, e o homem saiu andando rápido em direção ao outro extremo, para longe da floresta de espinhos.
Caelan não precisava de um guarda, se voltasse sem a morte daquela sacerdotisa, seria inútil.
Ele seguiu, a lâmina ainda pesando em suas mãos suadas. A alguns passos de distância, foi ali que ele viu a cova no meio de um tronco branco. Parecia o mesmo lugar onde havia sido preso, mas não era. Eles estavam do outro lado da fronteira da floresta de espinhos, do outro lado do riacho.
Caelan se aproximou e, quando viu a mulher jogada na cova e encarou aqueles olhos verdes, seu mundo oscilou.
Ele perdeu o ar em seus pulmões e deixou que a faca caísse aos seus pés.
Ela tinha os mesmos olhos que sua loba. A mesma textura de cabelos negros, o mesmo olhar selvagem e hipnótico.
Sentiu a boca seca, engoliu em seco várias e várias vezes enquanto se perdia no olhar daquela mulher.
Enquanto os minutos pareciam se esmaecer ao seu redor, Caelan sabia que não conseguiria fazer mal àquela mulher. Não ela. Nunca ela. Ele jamais poderia matá-la, mas ainda assim deveria, por Helena.
Quando agarrou a faca novamente e pulou na cova, seus olhos se encontraram com os da loba, e ela se encolheu diante de seus pés.
— Não deveria tê-lo salvado.
Foram suas únicas palavras quando Caelan ergueu a faca para matá-la.
A morte da Mãe se repetia diversas vezes em sua visão. A impotência de alcançá-la, de conseguir tirar a faca das mãos daquele macho. Lyra sentia seu estômago se embolar, o gosto de sangue e fumaça em sua boca faziam-na arfar enquanto era empurrada à frente por um dos homens de Alexander.Cada passo era dado com esforço, e seu coração estava em pedaços. Não conseguiu salvá-la, assim como em seus sonhos. A Mãe havia dito para não temê-los, mas Lyra continuava acreditando que era uma desgraça a cada um que cruzava o caminho, inclusive sua família.Todos mortos, todos, menos o seu lobo.O pensamento morreu quando o homem que a segurava a empurrou em uma cova no meio da Floresta de Espinhos. Lyra caiu com um baque surdo, o joelho batendo na terra, fazendo seus ossos reverberarem e a dor povoar sua mente.Seus dentes trincaram. Não havia mais gritos em sua garganta, apenas o pesar e o vazio do luto. Era tudo o que restava.Ela se aninhou no próprio corpo, abraçando as próprias pernas enquan
No momento em que Caelan olhou nos olhos de sua loba, ele sabia que não conseguiria matá-la. Sabia que precisava encontrar uma saída para o que quer que fosse fazer. Ainda queria proteger sua irmã, mas também precisava protegê-la.Ela era sua.Diante de Alexander, dizer aquelas palavras, oferecê-la a seu irmão havia doído em todo o seu corpo.— Torne-a sua parceira — Caelan disse.Seu lobo rosnou e mordeu as entranhas de seu corpo por aquelas palavras. Caelan queria arrebentar a garganta de Alexander, matá-lo por sequer pensar que ela poderia ser dele.Ela era sua.
Deixar seu lar, tudo o que conhecia para trás, pesava em seu coração. Lyra não reconhecia aquela floresta como sua; sentia falta da clareira, do vento sob o rosto quando tinha a lua às suas costas.Caelan havia desaparecido quando a levou para o harém de seu irmão. Alexander não tinha apenas uma parceira, como ela havia descoberto quando chegou ao pátio cheio de mulheres, mas um harém ao qual ele havia subjugado.As mulheres de seu clã se tornaram suas. A raiva ainda borbulhava no estômago vazio de Lyra. Como aquele macho ousava torná-las suas daquela forma?Lyra foi lavada, cuidada e tratada como um troféu para ser exibido naquele pátio junto de outras mulheres. Ela se sentia exposta; a pele branca, em meio àquele vestido simples de um tom azul opaco em seu corpo, fazia seu estômago se revirar. Seus cabelos foram trançados com flores, criando a ilusão de que ela era bem-vinda ali, de que tinha escolhas. As mulheres ao redor conversavam, divertiam-se em meio ao pátio, como se ignorass
Na noite em que seu pai morreu, Caelan pensou que o mundo havia ficado cinza diante de seus olhos. Malthus era o alfa dos Fúrias, o clã de lobos do Oeste e, quando partiu, todo o seu clã chorou pelo líder que perderam. Agora, diante do túmulo de seu pai, no alto do sopé daquele morro, ele só conseguia pensar que a clareira de flores ao redor era tão cinza quanto seu coração.— Não tenho boas notícias.Foi a voz de Dylan que cortou seus pensamentos e o fez rosnar em sua direção. Não queria ser interrompido, não daquela forma, quando estava diante do túmulo de seu pai.— Caelan, não há tempo. Alexander está planejando invadir o Clã da Lua Negra e tomar a loba sacerdotisa como esposa.Os dentes de Caelan trincaram, e ele acompanhou a silhueta de Dylan sair de sua frente quando começou a caminhar de volta para o pátio central, onde ficava o clã.Alexander era o alfa dos Fúrias agora, mas antes… Antes deveria ter sido Caelan. Quando seu pai morreu e Alexander foi quem ficou ao seu lado nos
Alexander riu e então apoiou a mão sobre o ombro de Caelan, empurrando-o para trás.— Não seja idiota. Malthus estava morrendo; eu só adiantei isso. Precisava que ele escolhesse o filho certo.— Você o matou — Caelan repetiu, sentindo o gosto amargo em sua boca, os lábios se repuxando em um rosnado.Ele partiu para cima de Alexander, que o empurrou para trás sem resistência. Caelan não conseguia manter o corpo ereto e se equilibrou outra vez na poltrona da cabana.— Precisava que ele estivesse alucinando quando dissesse meu nome para se tornar o alfa do clã.Alexander deu de ombros.— Mais cedo ou mais tarde, sabia que você descobriria isso, por isso considerei que seria melhor que você também morresse se dissesse que não ficaria ao meu lado.— Alexander... — Caelan sibilou e reuniu toda a raiva em seu corpo.Todo seu corpo tremia por aquelas palavras:— Você matou nosso pai?— Eu o desafiei como seu filho para liderar este clã.— Ele estava morrendo.— E foi por isso que eu ganhei.C
Lyra acordou tremendo, o suor ensopava suas roupas no colchão em que estava deitada. Seus olhos vasculharam ao redor, como se estivesse procurando aqueles mesmos olhos de seus sonhos. Todas as noites de lua cheia, ela sonhava com um lobo, e, em todas as noites, ele trazia a escuridão ao seu lar. Amélia se revirou na cama ao lado e, quando viu que Lyra estava acordada, espreguiçou-se com um sorriso. — Pesadelos novamente? Lyra anuiu, ainda sentia o corpo todo tremer das cenas que permeavam sua mente como um lembrete do que poderia acontecer com seu clã. Com o clã que a havia acolhido depois da morte de sua família. Lyra não havia nascido sacerdotisa, foi acolhida pela Mãe daquele clã. Mesmo que todas as noites ainda se sentisse uma forasteira, seu coração se enchia de alegria por ter um lar. Amélia levantou-se da cama e estendeu a mão para Lyra, espantando um bocejo. — Vem, vamos caminhar. A lua está bonita hoje. Lyra sorriu; a amiga sempre conseguia tirar os pesadelos de sua me
O mundo parecia vago diante de seus olhos. Seus sentidos iam e voltavam, como se Caelan estivesse em um limbo. Quando Alexander virou as costas e o deixou sangrando no meio do clã, Caelan foi interceptado por seus homens e levado para um quarto escuro. Quando acordou, estava em movimento pela Floresta de Espinhos.Sua respiração estava espaçada e, mesmo nos períodos de lucidez, a dor em seu abdômen o deixava zonzo. Movimentar-se doía, respirar doía, qualquer movimento fazia seu corpo responder à dor.Havia um curativo ao redor do local onde Alexander havia enfiado a adaga, mas o sangue já encharcava as gazes brancas ao redor das costelas. Não sabia quanto tempo havia passado, se é que havia se passado algum tempo. Caelan apenas observava alguém carregá-lo, sentindo a dor em seus pulmões tornar-se mais frequente. Era difícil respirar.Quando acordou novamente, seus olhos focaram no céu distante do anoitecer. Parecia que haviam se passado eras enquanto ele estava ali, sozinho no meio da
Lyra sonhava, em todas as noites de sangue, com um lobo negro. No momento em que a lua se tornava vermelha sobre o céu, o lobo negro vinha. Cada sonho era diferente, mas, em todos eles, Lyra se lembrava da maneira como ele a tocava, de suas mãos marcando seu corpo, dela pertencendo a ele.Mas também era nas noites de sangue que ela acordava tremendo, o corpo suado, os gritos e o fogo ainda tumultuando sua mente, seus sentidos. Era como uma bênção e uma maldição.— Lyra — chamara a grande Mãe uma vez, depois do primeiro sonho que tivera — O que você viu?“Você, morta”, ela queria dizer, mas a Mãe apenas assentiu, como se soubesse o que Lyra havia sonhado. Quando a trouxe para mais perto, em um abraço, Lyra não recuou e se reconfortou no colo daquela mulher.— Seus sonhos mostram o futuro. Mas não tenha medo deles.O lobo viria, ela sabia. Mas também o fogo.Então, quando se viu diante do lobo negro, no meio da Floresta de Espinhos, Lyra já sabia quem ele era.— Quem é você? — Ele ros