Capítulo 07 - Lyra

Lyra ouvia os gritos das sacerdotisas ao redor. Corria em direção ao nada, como se seus pés estivessem presos na terra. Não conseguia enxergar Amélia, não conseguia enxergar a Mãe e as outras garotas. O fogo tomava tudo, a fumaça cobria seu rosto, seus pulmões, fazendo-a tossir sem parar.

— Amélia! — gritou em meio à cacofonia de ecos e vozes, de homens que corriam para lá e para cá. O medo pesava em seu peito, fazendo-a não se afastar um passo.

As cabanas, que antes eram o orgulho da Mãe, estavam pegando fogo. Labaredas lambiam cada parte da madeira e deixavam um rastro que afundava em seu coração.

Lyra viu as lágrimas tomarem seus olhos e o ódio crescer em seu coração. Os jardins antes floridos agora eram algo morto, sem vida, seco. Ela engoliu em seco duas, três vezes, tentando afastar o choro que preenchia seu peito e sua garganta. Os gritos ao redor pareciam longe demais, enquanto suas mãos tremiam, todo o seu corpo tremia. Ela não viu quando um homem se aproximou e a agarrou por trás.

— Alexander vai gostar desta aqui — a voz dele causava asco em seu estômago.

Lyra se virou para trás e o arranhou com todas as forças no rosto, fazendo com que o homem a soltasse, soltando palavrões.

Ela correu e viu seu captor correr atrás. Munindo-se de qualquer coisa que estivesse à sua frente, tinha agora nas mãos um galho seco e quebradiço, que não conseguiria protegê-la.

— Venha cá, sua vadiazinha.

O homem disse, passando a mão pelos arranhões que Lyra havia feito. Ela cuspiu em seu rosto e tentou correr outra vez, mas o homem acertou-lhe as costas, fazendo com que ela caísse no chão, encolhida. O chute veio em suas costelas, deixando-a sem ar. O barulho ao redor morreu, todo o seu corpo se dobrou em um espasmo à procura de ar, à procura de qualquer coisa para sorver. Parecia estar se afogando em si. Quando o segundo chute veio, o grito de alguém fez com que o homem parasse.

— Não a machuque!

Era a Mãe.

Lyra se encolheu, rolando na terra fria e úmida, mesmo que o fogo deixasse todo o ambiente quente. Ela se encolheu e olhou em direção à Mãe com uma tristeza profunda.

“Por favor, vá embora”, Lyra queria dizer, mas não encontrava ar suficiente nos pulmões para exprimir qualquer palavra. Não queria vê-la morrer por sua causa, não como em seus sonhos.

Quando o homem se ajoelhou e puxou Lyra pelos cabelos, fazendo-a se ajoelhar, o choro contido transbordou.

— Solte-a — implorou a Mãe.

— Essa vadia me machucou.

— Ela não fará mais nada, por favor, solte-a — pediu a Mãe novamente, e Lyra se debateu, impotente, sob as mãos daquele homem imundo.

— E o que vai me dar em troca, sacerdotisa velha?

Lyra queria esfolá-lo vivo. Como ele ousava desdenhar da anciã de seu clã? Ela se debateu inutilmente e levou um safanão no rosto, sentindo o sangue na boca pela pancada.

Mas foi a voz áspera de alguém que fez Lyra olhar na direção oposta, na direção do fogo que queimava as cabanas.

— Grande anciã, é uma honra que nos receba em sua casa.

Lyra não o reconhecia, mas podia ver o desdém em suas palavras, assim como no homem que a segurava. Ele tinha os cabelos negros curtos e arrepiados, a barba cobria seu rosto e o deixava com um aspecto de velho, mas ele não era tão mais velho assim do que o homem que a segurava; parecia estar na casa dos trinta.

— Alexander — a Mãe meneou a cabeça e fez um gesto indicando Lyra. — Peça a seu homem para soltar minha sacerdotisa…

— Ah! — Alexander a interrompeu, pensativo. — Essa sacerdotisa machucou um de meus homens, e a honra no meu clã é maior do que qualquer vida.

A Mãe se encolheu e então Lyra a viu se ajoelhar no chão sujo de cinzas, as mãos juntas em rendição.

— Por favor, Grande Alfa, não a machuque.

Lyra nunca havia visto a Mãe implorar. Ela se debateu com mais violência, sendo atirada no chão. Lyra se viu rastejando em direção à mãe, mas o homem apenas brincava com ela, puxando-a pelos cabelos de volta e mantendo-a no lugar.

— Não vou machucá-la, se você resolver cooperar — disse Alexander com um sorriso. — Onde está a loba?

Lyra estremeceu quando entendeu sobre o que Alexander estava perguntando. Ele estava procurando por ela, assim como todos os outros homens. Lyra era a culpada de o clã de sacerdotisas ter sido invadido, assim como era culpada pela morte de seus pais. Ela gritou, abriu a boca para tentar falar, mas a voz severa da Mãe a calou.

— Não há nenhuma tocada pela Deusa na geração de minhas sacerdotisas, Alfa.

Alexander então sorriu largo demais, mas não era genuíno. Lyra entendeu suas emoções, porque as vira diversas vezes em seus sonhos distorcidos. Aquele momento a sufocava em seus sonhos, e ali parecia que seu mundo oscilava devagar, torturando-a minuto a minuto pelo que seguiria.

No momento em que Alexander se aproximou da Grande Mãe, Lyra não gritou. Parecia que não havia mais nada em seu corpo, pois os gritos todos aconteceram depois de seus sonhos.

— Então, seu clã não tem serventia nenhuma para mim — Alexander disse, agarrando o rosto da Grande Mãe ajoelhada a seus pés, e a faca se cravou em seu peito, tingindo suas roupas imaculadas de um vermelho carmim pungente.

Lyra se sentia entorpecida. O sorriso da Grande Mãe foi a última coisa que viu quando o grito irrompeu de sua garganta, enquanto ela se arrastava, sentindo seu couro cabeludo doer pela força com que o homem ainda a segurava. Viu suas unhas quebrarem, seus joelhos se ralarem, mas não sentia nada.

Seu coração estava vazio.

— Queimem tudo! — Alexander ordenou e então se virou para Lyra. Ela entendia suas palavras como um eco vindo de muito longe.

— Transformem as sacerdotisas em escravas.

E então parou bem ao lado de Lyra, e sua voz era escorregadia em seus ouvidos.

— Enterrem-na viva por desafiar um de meus homens.  

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