— Caelan?
Alguém muito distante chamava seu nome.Era aquele então seu nome, ele se lembrava.Quando seu pai disse o que significava seu nome, Caelan nunca esqueceu.
“Guardião”, na língua dos lobos.Cada vez que o escutava, se lembrava do porquê havia sido escolhido, do porquê seu pai agora estava morto.
— Caelan!
Tornaram a chamar, e ele rosnou em resposta, mas, quando sacudiram seu ombro, entendeu onde estava.Na Floresta de Espinhos.
Dylan o olhava assustado, o peito subindo e descendo como se tivesse se esforçado para acordá-lo. Seus olhos castanhos o circundavam, procurando algo em seu corpo. Os cabelos loiros estavam caídos na face, embolados, como se Dylan tivesse corrido o caminho todo até o encontrar. Caelan o encarava ainda absorto nas próprias sensações, sem conseguir discernir se aquele era outro sonho ou realidade.
— Caelan, por favor.
Dylan implorou e foi a primeira vez que viu seu melhor amigo implorar.Eles haviam se conhecido na primeira brincadeira de batalha em que Malthus havia intercedido. Dylan o jogou no chão com tanta força, sem temer que ele fosse o filho do alfa, que aquilo conquistou o respeito de Caelan.
A mulher ao seu lado rosnou e empurrou-o para longe, e Caelan sentiu quando o tapa ardeu em seu rosto.
Alina era sempre enérgica. Os cabelos loiros, tão iguais aos de Dylan, se avolumavam ao seu redor, como se ela mesma fosse uma leoa que entraria na briga por qualquer membro de sua família.
— Caelan, se você morrer…
Mas foi o rosnado do lobo negro de Caelan que respondeu. Alina baixou a cabeça e se ajoelhou aos seus pés, assim como Dylan. Uma resposta ao alfa deles. A escolha que haviam feito há muito tempo.
— Não vou escolher Alexander. É você o meu alfa — Alina havia dito, e Dylan concordou enquanto encaravam Caelan sem desviar os olhos.
Caelan torceu o nariz.
— Se Malthus o escolher como seu herdeiro, vocês deverão escolhê-lo como seu alfa.
— Pois prefiro ser expulsa dos Fúrias — Alina disse de forma dura, e Dylan começou a rir.
— E vai viver onde? — Seu irmão deu um puxão de orelha na irmã.
— Não me importo se vai se deserdar do clã, Alina — Caelan disse e continuou de forma séria. — Só quero que aceite a minha decisão se Malthus escolher Alexander. Se sou o seu alfa, essa é a primeira regra que deve respeitar.
Alina abriu a boca para refutar, mas foi Dylan quem se ajoelhou, colocou a mão sobre o coração e fez o símbolo de quem reconhecia Caelan como seu alfa. Alina então fez o mesmo, e Caelan sorriu para ambos.
— Alfa — disseram ambos, e Caelan os fez levantar em um abraço conjunto.
Eles o haviam escolhido e estavam ali, como haviam dito que estariam.
Sua voz saiu embolada quando perguntou:
— Onde está Alexander?Caelan disse devagar, ainda se acostumando com as palavras na boca, sentindo a língua grossa e os sentidos retornarem gradualmente. Sua visão ainda estava dupla, mas a febre que antes dominava seu corpo havia desaparecido.
Ele tocou o ferimento na barriga e só havia o sangue seco.
Há quanto tempo havia ficado apagado?
Foi só então que se lembrou da loba.
Seu corpo tremeu, o coração veio à garganta.
Caelan sentiu seus músculos retesarem, a ereção crescendo novamente quando a viu sentada sobre seu colo em suas lembranças.
Pelos clãs!
Ela era mesmo real?
Não sabia dizer, só lembrava de seu cheiro, que oprimia seu corpo. De como a queria, ainda que apenas por aquelas breves lembranças.
Caelan queria tomar seu nome para si, seu corpo e todo o seu espírito. Queria-a mais do que tudo.
Dylan o observava, vendo a reação de seu corpo aceso em instinto. O lobo negro de Caelan se agitava dentro de seu âmago, revirando-se como se quisesse caçá-la e dominar a loba que despertara a fúria em seu corpo.
— É um milagre você estar vivo.
A loba o havia curado.
Caelan sabia disso depois de tê-la feito sua.
Ele inspecionou ao redor, procurando-a, tentando encontrar seu cheiro, mas não havia nada. Como se a lembrança fosse apenas uma miragem que se esvaía rapidamente de sua mente.
— Alguém me curou.
— Não seja idiota. Não tem ninguém aqui — Alina retrucou.
— Uma loba — Caelan reagiu em discordância e viu Alina se retesar.
— Será que a deusa o escolheu? — Dylan perguntou, e Caelan apenas o ignorou.
Ele ergueu o corpo devagar do chão. A dor ainda percorria cada parte de seu corpo pela surra, e o wolfsbane parecia adormecido mesmo com o antídoto.
— Onde está Alexander? — Tornou a perguntar, e foi Alina quem respondeu, carrancuda.
— Você está vivo e ainda quer lutar contra seu irmão?
— O Fúria ainda é meu clã — Caelan respondeu seco, e Alina se encolheu. Mas foi Dylan quem chamou sua atenção com suas palavras.
— Alexander invadiu o clã das sacerdotisas. — Fez uma pausa, sem conseguir olhar para Caelan. — Mas tem algo pior.
— O quê? — Caelan perguntou, virando o rosto na direção do riacho, na direção de um odor característico de uma batalha.
Fogo.
— Helena está doente.
Seu mundo oscilou com as palavras de Dylan. Caelan jamais gostaria de ter ouvido aquelas palavras.
Helena era sua irmã, apenas sua. Filha de sua mãe antes de se casar com Malthus. Filha de um lobo errante que não pertencia a qualquer clã. Helena era sangue do seu sangue, não de Alexander.
— Alexander a deixou presa em uma cabana — Dylan continuou. — Disse a todos que sua doença é incurável e que é melhor que ela não se misture com os outros.
Seus dentes rangeram; a dor e a raiva borbulhavam e cresciam no peito de Caelan. Alexander havia envenenado Helena, quebrado a última parte de seu espírito, a última parte de Malthus, que havia acolhido Helena como sua filha também.
— Ele a envenenou — Caelan cuspiu as palavras e socou o tronco da árvore até ver os nós dos dedos ficarem vermelhos, e Alina o parou.
— Não adianta nada, Caelan. Ela vai morrer.
— Não — Caelan rebateu e então a empurrou para longe.
— Não vou deixar Helena morrer. Não vou deixar que Alexander machuque mais ninguém.
— O que você vai fazer? — Foi Dylan quem interrompeu suas palavras.
— Vou me ajoelhar diante do meu irmão por Helena.
— Ele vai matá-lo desta vez — A voz de Alina subiu uma oitava de angústia.
— Alexander não conseguiu me matar. Sempre serei uma pedra em seu caminho. Por isso, ele não vai tentar me matar outra vez, se eu me ajoelhar perante ele e aceitá-lo como o líder dos Fúrias.
— Mas você ficará marcado como o alfa que desistiu. Não aceitarão um líder que se ajoelhou a outro alfa — Alina disse.
— Aceitarão aquele que foi tocado pela mão de Seraphire. Vou encontrar a loba predestinada, aquela que me curou.
Caelan ainda sentia o toque da loba, o calor de seu corpo contra o dele. Ele sabia qual escolha a loba havia feito ao curá-lo. Ele iria encontrá-la, nem que precisasse ir até o fim do mundo apenas para tê-la.
Lyra ouvia os gritos das sacerdotisas ao redor. Corria em direção ao nada, como se seus pés estivessem presos na terra. Não conseguia enxergar Amélia, não conseguia enxergar a Mãe e as outras garotas. O fogo tomava tudo, a fumaça cobria seu rosto, seus pulmões, fazendo-a tossir sem parar.— Amélia! — gritou em meio à cacofonia de ecos e vozes, de homens que corriam para lá e para cá. O medo pesava em seu peito, fazendo-a não se afastar um passo.As cabanas, que antes eram o orgulho da Mãe, estavam pegando fogo. Labaredas lambiam cada parte da madeira e deixavam um rastro que afundava em seu coração.Lyra viu as lágrimas tomarem seus olhos e o ódio crescer em seu coração. Os jardins antes floridos agora eram algo morto, sem vida, seco. Ela engoliu em seco duas, três vezes, tentando afastar o choro que preenchia seu peito e sua garganta. Os gritos ao redor pareciam longe demais, enquanto suas mãos tremiam, todo o seu corpo tremia. Ela não viu quando um homem se aproximou e a agarrou por
O fogo parecia engolir tudo enquanto Caelan andava no meio dos destroços daquele clã. Alexander havia cumprido a promessa de que invadiria o clã sagrado das sacerdotisas. Seu irmão não se importava com a lei de Seraphire, não se importava com nada além de si.Caelan inspirou, ignorando a raiva que borbulhava em seu corpo, que crescia a cada passo que dava ao ver a destruição que seu irmão havia causado, por pura demonstração de poder. O pior eram as mulheres feridas ao seu redor e seus homens, que não se importavam com nada, um reflexo de seu líder.Dylan e Alina vinham atrás, não havia nada em seus rostos que demonstrasse o que sentiam, apenas Caelan tentava controlar suas emoções, pois sabia que seu rosto era um espelho do que sentia.Alexander estava sentado como um rei no meio daquele fogo que consumia tudo. O s
A morte da Mãe se repetia diversas vezes em sua visão. A impotência de alcançá-la, de conseguir tirar a faca das mãos daquele macho. Lyra sentia seu estômago se embolar, o gosto de sangue e fumaça em sua boca faziam-na arfar enquanto era empurrada à frente por um dos homens de Alexander.Cada passo era dado com esforço, e seu coração estava em pedaços. Não conseguiu salvá-la, assim como em seus sonhos. A Mãe havia dito para não temê-los, mas Lyra continuava acreditando que era uma desgraça a cada um que cruzava o caminho, inclusive sua família.Todos mortos, todos, menos o seu lobo.O pensamento morreu quando o homem que a segurava a empurrou em uma cova no meio da Floresta de Espinhos. Lyra caiu com um baque surdo, o joelho batendo na terra, fazendo seus ossos reverberarem e a dor povoar sua mente.Seus dentes trincaram. Não havia mais gritos em sua garganta, apenas o pesar e o vazio do luto. Era tudo o que restava.Ela se aninhou no próprio corpo, abraçando as próprias pernas enquan
No momento em que Caelan olhou nos olhos de sua loba, ele sabia que não conseguiria matá-la. Sabia que precisava encontrar uma saída para o que quer que fosse fazer. Ainda queria proteger sua irmã, mas também precisava protegê-la.Ela era sua.Diante de Alexander, dizer aquelas palavras, oferecê-la a seu irmão havia doído em todo o seu corpo.— Torne-a sua parceira — Caelan disse.Seu lobo rosnou e mordeu as entranhas de seu corpo por aquelas palavras. Caelan queria arrebentar a garganta de Alexander, matá-lo por sequer pensar que ela poderia ser dele.Ela era sua.
Deixar seu lar, tudo o que conhecia para trás, pesava em seu coração. Lyra não reconhecia aquela floresta como sua; sentia falta da clareira, do vento sob o rosto quando tinha a lua às suas costas.Caelan havia desaparecido quando a levou para o harém de seu irmão. Alexander não tinha apenas uma parceira, como ela havia descoberto quando chegou ao pátio cheio de mulheres, mas um harém ao qual ele havia subjugado.As mulheres de seu clã se tornaram suas. A raiva ainda borbulhava no estômago vazio de Lyra. Como aquele macho ousava torná-las suas daquela forma?Lyra foi lavada, cuidada e tratada como um troféu para ser exibido naquele pátio junto de outras mulheres. Ela se sentia exposta; a pele branca, em meio àquele vestido simples de um tom azul opaco em seu corpo, fazia seu estômago se revirar. Seus cabelos foram trançados com flores, criando a ilusão de que ela era bem-vinda ali, de que tinha escolhas. As mulheres ao redor conversavam, divertiam-se em meio ao pátio, como se ignorass
Na noite em que seu pai morreu, Caelan pensou que o mundo havia ficado cinza diante de seus olhos. Malthus era o alfa dos Fúrias, o clã de lobos do Oeste e, quando partiu, todo o seu clã chorou pelo líder que perderam. Agora, diante do túmulo de seu pai, no alto do sopé daquele morro, ele só conseguia pensar que a clareira de flores ao redor era tão cinza quanto seu coração.— Não tenho boas notícias.Foi a voz de Dylan que cortou seus pensamentos e o fez rosnar em sua direção. Não queria ser interrompido, não daquela forma, quando estava diante do túmulo de seu pai.— Caelan, não há tempo. Alexander está planejando invadir o Clã da Lua Negra e tomar a loba sacerdotisa como esposa.Os dentes de Caelan trincaram, e ele acompanhou a silhueta de Dylan sair de sua frente quando começou a caminhar de volta para o pátio central, onde ficava o clã.Alexander era o alfa dos Fúrias agora, mas antes… Antes deveria ter sido Caelan. Quando seu pai morreu e Alexander foi quem ficou ao seu lado nos
Alexander riu e então apoiou a mão sobre o ombro de Caelan, empurrando-o para trás.— Não seja idiota. Malthus estava morrendo; eu só adiantei isso. Precisava que ele escolhesse o filho certo.— Você o matou — Caelan repetiu, sentindo o gosto amargo em sua boca, os lábios se repuxando em um rosnado.Ele partiu para cima de Alexander, que o empurrou para trás sem resistência. Caelan não conseguia manter o corpo ereto e se equilibrou outra vez na poltrona da cabana.— Precisava que ele estivesse alucinando quando dissesse meu nome para se tornar o alfa do clã.Alexander deu de ombros.— Mais cedo ou mais tarde, sabia que você descobriria isso, por isso considerei que seria melhor que você também morresse se dissesse que não ficaria ao meu lado.— Alexander... — Caelan sibilou e reuniu toda a raiva em seu corpo.Todo seu corpo tremia por aquelas palavras:— Você matou nosso pai?— Eu o desafiei como seu filho para liderar este clã.— Ele estava morrendo.— E foi por isso que eu ganhei.C
Lyra acordou tremendo, o suor ensopava suas roupas no colchão em que estava deitada. Seus olhos vasculharam ao redor, como se estivesse procurando aqueles mesmos olhos de seus sonhos. Todas as noites de lua cheia, ela sonhava com um lobo, e, em todas as noites, ele trazia a escuridão ao seu lar. Amélia se revirou na cama ao lado e, quando viu que Lyra estava acordada, espreguiçou-se com um sorriso. — Pesadelos novamente? Lyra anuiu, ainda sentia o corpo todo tremer das cenas que permeavam sua mente como um lembrete do que poderia acontecer com seu clã. Com o clã que a havia acolhido depois da morte de sua família. Lyra não havia nascido sacerdotisa, foi acolhida pela Mãe daquele clã. Mesmo que todas as noites ainda se sentisse uma forasteira, seu coração se enchia de alegria por ter um lar. Amélia levantou-se da cama e estendeu a mão para Lyra, espantando um bocejo. — Vem, vamos caminhar. A lua está bonita hoje. Lyra sorriu; a amiga sempre conseguia tirar os pesadelos de sua me