Capítulo 04 - Caelan

O mundo parecia vago diante de seus olhos. Seus sentidos iam e voltavam, como se Caelan estivesse em um limbo. Quando Alexander virou as costas e o deixou sangrando no meio do clã, Caelan foi interceptado por seus homens e levado para um quarto escuro. Quando acordou, estava em movimento pela Floresta de Espinhos.

Sua respiração estava espaçada e, mesmo nos períodos de lucidez, a dor em seu abdômen o deixava zonzo. Movimentar-se doía, respirar doía, qualquer movimento fazia seu corpo responder à dor.

Havia um curativo ao redor do local onde Alexander havia enfiado a adaga, mas o sangue já encharcava as gazes brancas ao redor das costelas. Não sabia quanto tempo havia passado, se é que havia se passado algum tempo. Caelan apenas observava alguém carregá-lo, sentindo a dor em seus pulmões tornar-se mais frequente. Era difícil respirar.

Quando acordou novamente, seus olhos focaram no céu distante do anoitecer. Parecia que haviam se passado eras enquanto ele estava ali, sozinho no meio daquela Floresta de Espinhos.

A floresta às suas costas lembrava agulhas que oprimiam seu corpo. Caelan estava amarrado a uma árvore de agulhas, na divisa entre a Floresta de Espinhos e o Riacho. Não havia ninguém ali. Mesmo que ele gritasse ou sucumbisse à dor, ninguém viria salvá-lo, não quando Alexander havia se encarregado de deixá-lo ali. Ele havia feito uma escolha quando o desafiou, pelo bem do clã, pelo bem de sua família, mas desafiar as ordens do irmão era uma traição, e agora Caelan pagaria o preço.

A sombra da lua perpassava pelos galhos esqueléticos e compridos, que se agitavam como se quisessem alcançar Caelan, encostado em um tronco.

Alexander era cruel. Na cabana, enquanto esperava por sua sentença, seu irmão havia dado a ele o antídoto para o wolfsbane em seu corpo, mas o corte profundo da adaga permanecia. Ele queria ver Caelan sofrer, morrer lentamente, enquanto o sangue empoçava ao seu redor.

O frio começava a penetrar seu corpo. Caelan sentiu os lábios congelarem, sua respiração parecia presa em sua garganta, e respirar tornava-se doloroso. Lutava para manter os olhos abertos, a mente ativa, mas, quanto mais tentava, mais seus olhos teimavam em se fechar.

Seu coração batia rápido. Caelan podia sentir a infecção percorrer suas veias, espalhar-se por cada parte de seu corpo e queimá-lo. Ele estava queimando, por dentro e por fora. A fina camada de neve começava a esconder seu corpo, caindo lentamente, como esconderia os ossos de um lobo morto.

Porque era aquilo que ele seria para seu clã, para seu povo: um lobo morto. Um líder deposto. Um traidor. Aquele que traiu o irmão por uma liderança.

Quando a noite se tornou mais clara, Caelan não ouvia mais nada, nem o farfalhar do vento ao seu redor, nem qualquer cantiga de pássaros ou animais. Havia um silêncio que segurava o ar dentro dos pulmões, como se aguardasse alguém, como…

Olhou para o céu, para o contorno negro sobre a lua, sobre a lua vermelha daquela noite. Seus olhos oscilaram, a luz tremeluziu, e ele pensou que já quase não conseguia enxergar o que era lúcido e o que não era.

Caelan fechou os olhos.

O tempo passava tão devagar que ele perdeu as contas das próprias batidas do coração, da contagem do ferimento que ia matá-lo. Arrastava-se como o wolfsbane em suas veias havia feito. Ele inspirou fundo, soltou o ar e sentiu-o gelado, como tudo ao redor.

Seu coração parecia falhar.

Mas não era seu coração, era o barulho ao redor.

Um galho quebrado.

Uma nova batida e o cheiro opressor.

Caelan sentiu seu corpo reagir como reagira ao wolfsbane.

Ele abriu os olhos e viu uma loba branca à sua frente.

Ele a observou se aproximar. Sua respiração estava tão fraca que o rosnado, que saiu como uma proteção, parecia mais uma lamúria.

Seus olhos se encontraram, tão verdes quanto outrora fora o prado em que ficava seu clã.

Seu cheiro era como o gelo ao redor: opressivo, opulento, e o queimava. Caelan não conseguia respirar, não conseguia sequer sorver o ar para dentro de seus pulmões. Ele estava se afogando enquanto olhava a loba à sua frente.

Quando o animal caminhou em sua direção, Caelan sentiu seu coração bater freneticamente, imitando os passos da loba. Quanto mais perto o animal estava, mais ele sentia seu cheiro, e as imagens começaram a tumultuar sua mente.

Ela tinha os cabelos tão negros quanto a escuridão ao redor. Seu corpo se inclinou na direção do seu, e Caelan queria trazê-la para mais perto, deitar-se com ela e fazer mais do que apenas olhá-la. O fogo queimava dentro de seu corpo, mas era a mão da mulher em seu abdômen que o excitava.

— Quem é você? — Caelan se viu sussurrar quando a loba se ajoelhou aos seus pés e tocou com o focinho exatamente o local onde havia sido perfurado pela adaga.

O ribombar de seu coração era alto em seus ouvidos, e Caelan se encolheu pelo toque, porque a dor não era nada comparada à fome que despertou em seu interior com a aproximação da loba.

Caelan inspirou fundo, e o rosnado brotou do fundo de sua garganta. O cheiro dela, como o mar selvagem, como aquela floresta intocada… Ele a queria toda para si. Queria seu próprio cheiro misturado ao dela, sem conseguir distinguir qual era qual. Ele queria possuí-la.

Caelan rosnou e a loba se afastou.

A pelagem branca era tão fresca quanto a neve ao redor, e, quando Caelan sentiu-a sobre seu corpo, seu coração se acalmou e deixou que ela deitasse ao seu lado. Que deitasse sobre si.

Não sabia se aquele era um chamado de Seraphire ou se era apenas a infecção correndo em seu corpo, mas a desejava. Desejava tanto que ainda sentia queimar, a ânsia em seu corpo de tê-la, de estar dentro dela.

Pelos clãs!

Quando Caelan puxou-a e a tomou para si em seus braços, ele não sabia se ela era uma mulher ou apenas uma loba. Seus dentes se cravaram em seu pescoço, e ele sentiu a pele ceder pela mordida, o sangue brotar em seus lábios e ele marcá-la. Marcá-la como sua.

Ela era sua.

— Minha.

Ele disse, entre os rosnados, entre como suas mãos caminhavam pelo corpo da loba, pelo corpo da mulher.

O lobo em seu interior dominava suas próprias emoções, tornava-o agressivo, deixando que o desejo dominasse todo seu ato.

Sua.

Disse seu lobo.

Minha.

Repetiu mentalmente seu lobo.

— Minha — disse Caelan, sobre o ouvido daquela mulher.

Ela concordou com um arfar. E aquilo foi o impulso de que ele precisava para tomá-la, para torná-la sua.

A dor em seu corpo havia se dissipado. Caelan sentia apenas o fogo que queimava em suas vértebras, que invadia seus pulmões e o fazia percorrer com brutalidade o corpo da mulher.

— Quem é você? — Ele rosnou outra vez.

Mas não importava mais. Porque ela era sua.

E então, simplesmente como havia surgido, a loba desapareceu.

Caelan inspirou fundo.

Uma.

Duas.

Três vezes.

Quando a infecção tomou conta de seu corpo, ele simplesmente apagou.

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