Blair
Eu entrei apressada na sala de Briefing onde a tripulação do voo estava reunida. Esse tipo de reunião era comum e necessária, já que muitas vezes conhecíamos a tripulação apenas uma hora antes de embarcar.
— Você está atrasada — Frank Carson, o comandante, com quem eu já tinha voado algumas vezes, avisou assim que entrei.
— Eu tive um pequeno acidente no caminho, sinto muito — eu ofereci um sorriso cordial, usando toda a diplomacia que fui obrigada a aprender desde que escolhi essa profissão.
— Vá conhecer o restante da tripulação — ele indicou com a cabeça, deixando passar meu pequeno deslize.
Eu segui sua orientação, e pouco menos de uma hora depois estava recepcionando os passageiros que embarcavam.
Eu adorava aquele trabalho, era muito mais do que voar, era como se eu fosse por algumas horas uma espécie de diplomata, treinada para garantir o conforto e segurança de todos os passageiros da aeronave.
Assim que todos terminaram de se acomodar e o comandante acionou a trava das portas, eu e mais alguns comissários começamos a realizar as demonstrações de segurança antes da decolagem.
Eu senti aquela sensação de prazer crescente dentro de mim conforme a aeronave levantava voo.
Eu amo meu trabalho.
A viagem foi relativamente tranquila, com apenas uma instabilidade turbulenta que nos atingiu algumas horas depois da decolagem. Felizmente, onze horas depois de decolar, estávamos pousando com sucesso no aeroporto internacional de Istambul sob aplausos dos passageiros.
— Então, você quer dividir um táxi até o hotel? — Meredith, uma de minhas colegas do voo, perguntou enquanto nós recolhíamos o lixo deixado para trás depois do desembarque dos passageiros.
— Eu não vou para o hotel dessa vez, eu vou visitar meus pais — eu expliquei, apanhando um copo de suco embaixo de uma das poltronas — eles podiam devolver tudo quando passamos recolhendo da primeira vez, ao invés de simplesmente deixar no chão.
— Mesmo? Seus pais moram em Istambul? — ela ignorou minha queixa anterior.
— Sim, eles se mudaram para o país natal do meu pai quando me formei no High School. Eu tinha decidido entrar em uma escola de aviação na Califórnia, então continuei nos Estados Unidos, e desde então essa tem sido minha rotina — eu contei, empurrando o carrinho pelo corredor da aeronave.
— Parece ser interessante — ela fechou um dos compartimentos de carga que tinha sido deixado aberto — é bom que você tenha conseguido esse voo, então.
— Geralmente me colocam em um voo para Istambul a cada um ou dois meses — eu expliquei — Acabamos aqui.
Nós duas desembarcamos, e assim que conseguimos nossas malas, seguimos lado a lado pelo grande aeroporto de Istambul.
— Meus pais vivem no Texas, e eu não tenho tantas chances assim de vê-los — minha colega comentou.
— Eu tenho sorte nessa área — eu garanti enquanto saímos atrás de um táxi.
Eu me despedi dela antes de conseguir um carro para me levar ao apartamento de meus pais, na área central de Istambul.
Já passava das dez horas da noite quando desembarquei na porta do condomínio em que os dois moravam há dez anos. Eu teria seguido diretamente para o interior do prédio se o porteiro, um rapaz que eu não conhecia, não tivesse me impedido.
— Desculpe, senhorita, você é moradora? — ele me interrompeu.
— Ohh, meus pais moram aqui. Eu sou Blair Ozkan — eu expliquei, voltando a caminhar.
Mas para minha surpresa o rapaz saiu de seu posto e se colocou em meu caminho, impedindo minha passagem
— Sinto muito, mas o sr e a srª Ozkan saíram mais cedo e eu não posso permitir que a senhorita suba sem autorização.
— Autorização? Você perdeu a parte em que eu disse que sou filha deles? — eu pisquei atordoada — eu sou autorizada a entrar sempre que venho.
— Senhorita, eu já trabalho há quase dois meses aqui e não a conheço — ele foi enfático.
— Isso é porque eu não moro no país — eu revirei os olhos — olha, eu posso ligar para o meu pai.
— Eu não posso autorizar sem a presença de um dos dois — ele insistiu para minha total frustração.
Ótimo, o que ele espera? Que eu me sente aqui na porta e espere pelos dois?
— Eu acabei de passar mais de dez horas em pé em um avião — eu cruzei os braços o encarando — você quer mesmo que eu aguarde os dois voltarem sabe-se lá Deus de onde, sendo que eu tenho a senha para entrar na casa dos meus pais?
— Eu estou apenas cumprindo o protocolo, senhorita — ele garantiu.
— Que se dane o protocolo, eu sempre fui autorizada a subir — eu ergui a voz.
— Srtª Ozkan, que satisfação encontrá-la novamente — uma voz conhecida soou, para meu alívio.
Eu me virei a tempo de ver Yanis, um dos seguranças mais antigos do condomínio, se aproximar de nossa pequena comoção.
— Por que você ainda está carregando essa mala? — ele sorriu, enquanto o jovem porteiro parecia desconcertado — vamos, eu levo isso para você.
— Mas...
— Ele não quer me deixar entrar porque meus pais não estão em casa — eu expliquei, encarando o homem.
Yanis lançou um olhar afiado para o rapaz, antes de forçar um sorriso, apanhando minha mala em seguida.
— Bobagem, Samir é novo aqui, foi apenas um mal entendido, o Sr Ozkan ficará radiante com a sua presença — ele garantiu, já carregando minha bagagem em direção ao elevador.
Um sorriso de alívio adornou meu rosto enquanto deixava toda aquela confusão para trás. Eu estava exausta, tudo o que desejava era tomar uma ducha demorada e cair na cama para descansar um pouco.
E foi o que fiz, aproveitei que o local estava deserto e segui meu plano. Eu sequer ouvi meus pais chegarem em casa, acordando apenas no dia seguinte, com o som de batidas na porta do quarto.
— Blair? — a voz de minha mãe soou.
— Estou acordada — eu gemi, ainda deitada, aproveitando a escuridão total das cortinas blackouts.
Minha mãe abriu a porta entrando no quarto e acendeu a luz enquanto eu me sentava na cama.
— Você chegou a que horas ontem? Deveria ter nos ligado — ela abriu as cortinas, deixando o sol invadir o ambiente, nos dando a visão da baía de buyukcekmece.
— Eu cheguei pouco depois das dez — eu relatei enquanto me espreguiçava.
Ela se aproximou, se sentando na beira da cama, ainda olhando a vista da baía.
— Vá se vestir, seu pai quer sair para tomar café da manhã no privato — ela piscou para mim.
Privato era um pequeno café que ficava a algumas quadras do condomínio, meu pai me levava para tomar café da manhã lá sempre que possível.
— Eu vou em um minuto — eu garanti enquanto ela saia do quarto.
Eu revirei minha mala em busca de algo adequado para vestir. No fim, escolhi uma calça jeans, suéter vermelho de gola alta, e um par de botas para enfrentar o outono turco. A temperatura ainda não estava tão baixa, fazia cerca de quinze graus e uma fina garoa caia do lado de fora.
Eu segui para encontrá-los na sala de estar, e logo estávamos a caminho do café. Mesmo com o clima instável, as ruas de Istambul continuavam cativantes como sempre, com todo seu contraste entre o antigo e o moderno, o ocidente e o oriente.
— Eu quero saber cada detalhe do seu voo — meu pai avisou enquanto caminhávamos para evitar o trânsito caótico da cidade.
— Foi a mesma coisa de todos os voos, pai. Você sabe, não é a primeira vez que isso acontece.
— Vamos, sempre tem algo que você possa compartilhar — ele me provocou.
— Você não deixa de ser um fofoqueiro, não é?
— Vamos Ayeleen, nós temos um longo dia pela frente — ele gargalhou ao meu lado, usando meu nome do meio, abrindo a porta para que eu entrasse no café.
— O mais próximo de uma fofoca que posso te contar, é que dei um banho de Matcha em um comandante antes de embarcar — eu contei após nos acomodarmos em uma das mesas.
— Como? — minha mãe se surpreendeu.
— Eu estava com pressa e esbarrei nele.
— Isso pode te colocar em problemas? — meu pai franziu o cenho.
— Por sorte ele tinha acabado de desembarcar — eu suspirei — e eu dei a ele um pacote de cookies caseiros como pedido de desculpas.
Aquela informação pegou minha mãe desprevenida, provavelmente por saber que a coisa mais avançada que eu fazia na cozinha era espaguete.
— Você fez cookies? — Seu tom era incrédulo.
— Não seja tola, Lauren. Você se lembra quando ela tentou fazer aquela macarronada? Ficou Intragável. Ela deve ter comprado — meu pai zombou.
— Obrigada pai — eu revirei os olhos — mas quem fez foi a Abby, era para eu entregar para o Noah.
A expressão de minha mãe mudou de incrédula para exasperada.
— Viu, Não foi ela quem fez — meu pai apontou.
— E você não vê problema algum no que ela falou? — ela devolveu.
— Você sabe que ela se entende com os amigos depois.
Não pude evitar de sorrir diante daquele pequeno embate entre meus pais, apesar de vê-los com certa frequência, eu sentia falta de estar próxima aos dois.
BlairNós voltamos para o apartamento no fim da manhã, logo me acomodei na sacada, observando a vista que se abria à minha frente.Não pela primeira vez, eu me peguei pensando em como seria minha vida se eu me mudasse para Istambul, tentasse uma transferência, ou algo assim. Mas ao mesmo tempo era difícil pensar em deixar toda a minha vida para trás daquela maneira, todos os meus amigos estavam em Nova Jersey, meu apartamento, tudo. E além disso, eu duvidava seriamente se me acostumaria aos costumes conservadores daquele país. Uma coisa era visitareis pais ali, outra, era passar a viver sob aquela cultura.— Algum problema? — Yusef questionou, se sentando ao meu lado.— Não, nenhum — eu sorri antes de descer o olhar para um embrulho em suas mãos — o que é isso?— Eu comprei semana passada no grande bazar quando soube que você viria — ele relatou, colocando o embrulho em minhas pernas.Eu me ocupei em rasgar a embalagem sob olhar atento do homem, para logo em seguida erguer um lenço co
DimitriJá era quase meia noite e eu caminhava pelos corredores do meu prédio arrastando minha mala. Depois de um longo voo de treze horas eu fiquei feliz de estar em casa, entrando no apartamento, levei a mala para o quarto e fui para o chuveiro.Quando saí, apanhei meu celular e fui para a sala, me acomodando no sofá antes de observar a mensagem de Blair me desejando um bom voo. Depois que liguei para ela há dois dias, nós dois vínhamos trocando mensagens constantes. Não era nada demais, apenas estava entediado no hotel na noite de quarta e lhe pedi indicação de algum bar, o que ela prontamente atendeu, me fazendo terminar a noite assistindo a Wednesday Night Hockey em um bar esportivo próximo ao hotel.Após isso, nós passamos a nos falar regularmente. Blair me entreteve com sua rotina em Istambul, e quando soube que eu voltaria para St Petersburg ela me desejou uma boa viagem e eu não pude deixar de retribuir, sabendo que ela embarcaria algumas horas depois que eu.Eu chequei o ho
DimitriJoe não me atrasou em nada, e no horário estipulado estávamos dentro do carro a caminho da cidade onde meus pais viviam, a cerca de três horas de distância de St Petersburg. Eu não os visitava com tanta frequência, mas procurava manter o contato regularmente.— Me diz primo, como está a Maria? — Joe me provocou.— O que eu te disse naquela época ainda vale, Joe. Fique longe de minha irmã — eu ameacei, me referindo a uma época durante a adolescência de Maria, quando ela se viu apaixonada por ele.Joe nunca chegou a se envolver com ela, mas gostava de me provocar sobre o assunto. Eu sabia que apesar de sua fama, ele jamais magoaria a própria prima. Aquilo porém não evitou que eu o ameaçasse sempre que ele tocava no assunto.— Eu só estou falando, eu vi as fotos dela na internet e os anos apenas fizeram bem — ele insistiu.— Sabe o que mais melhorou com o tempo? Minha pontaria — eu lhe lancei um olhar enviesado, arrancando uma gargalhada do rapaz.— Eu não acho que você teria cor
Blair— Vamos, você viu a foto? Eu venci essa, comandante — não pude evitar um sorriso. Estava deitada em uma espreguiçadeira em uma praia próxima de San Juan aproveitando as horas de folga antes de embarcar.— Blair, estamos falando do Duomo em Milão — Dimitri devolveu, exalando diversão em sua voz — você precisa aceitar que é uma boa foto.— Não estou negando isso, estou falando que a minha ficou melhor — eu devolvi.Já fazia duas semanas que Dimitri e eu começamos a manter contato, e praticamente todos os dias trocavamos fotos dos lugares onde estávamos, competindo para ver quem tinha o melhor destino.— É uma praia, Blair.— É uma praia em Porto Rico, Dimitri — eu devolvi — Caribe. Você já esteve no Caribe alguma vez? Uma risada soou do outro lado da linha fazendo com que eu mordesse o lábio inferior, sentindo uma crescente onda de entusiasmo surgir em meu interior. Eu adorava conversar com ele, aquilo sempre tornava meu dia sempre mais interessante.— Não, Blair. Eu nunca esti
Blair— Eu não entendo, nós fizemos seu jantar de noivado faz algumas semanas — eu encarei Abby.Nós duas estávamos acomodadas na mesa de um restaurante próximo ao aeroporto onde eu aguardava para embarcar para meu próximo destino. Inicialmente eu saí de casa pensando que embarcaria às 10 horas para a Argentina, mas no fim, por conta de uma comissária que ficou gripada e obviamente não poderia voar, eu embarcaria às 15 horas para Amsterdã.— Sim, mas meus pais não gostaram de não participar e querem fazer uma recepção — ela explicou — você é minha dama de honra, Blair, precisa ir.Eu observei meu celular em busca de algum sinal de Dimitri. Ontem ele não me enviou mensagem alguma pela primeira vez desde que nos conhecemos, e eu estava estranhando todo aquele silêncio.— Você me ouviu? — Abby franziu o cenho.— Sim, eu só acho que atravessar o país para um segundo jantar de noivado é um exagero! — eu desviei o olhar do celular, voltando minha atenção para minha amiga.— Não se trata ape
BlairDimitri veio em minha direção com um sorriso contido no rosto. Minha mão foi envolvida pela sua quando a estendi para cumprimentá-lo. O meu próprio sorriso foi mais espontâneo diante de sua presença, apesar de não saber bem como agir, agora que estávamos finalmente frente a frente.— Hey comandante, eu quase não te reconheci sem a roupa manchada — eu o provoquei.— Você não está carregando nenhum copo, então acho que minha roupa ficará a salvo. Pelo menos até chegarmos ao restaurante — ele garantiu — estou hospedado no Sheratom, você quer ir até lá? Sheratom era um dos três hotéis que ficavam dentro do complexo do aeroporto, que também contava com uma estação de trem que nos levaria até o centro de Amsterdam em cerca de quinze minutos.— Você está brincando? Nós não vamos ficar no hotel tendo uma cidade incrível para conhecer, comandante — eu neguei.— Eu já conheço Amsterdã — ele achou graça.— Mas nunca a visitou na minha companhia, te garanto que será uma experiência complet
BlairApós dividir a conta, logo estávamos de volta às ruas de Amsterdã.— O que eu quero dizer é que se casar na mesma igreja que os pais é importante para sua amiga — ele retomou o assunto inicial enquanto caminhávamos lado a lado.— De novo isso? — eu gemi — eu não devia ter te contado.— Mas contou — ele me provocou.Para meu alívio, eu avistei algo que poderia nos distrair daquele assunto.— Uma feira! Vamos fazer compras, Dimitri — Eu corri na frente, o deixando para trás.Ele balançou a cabeça com um meio sorriso nos lábios antes de me acompanhar. Eu passei por todas as barracas, analisando os produtos em busca de algo aproveitável.Aquela era uma das minhas partes preferidas de cada viagem, eu adorava encontrar souvenirs que me lembrassem os destinos que já visitei, e geralmente era algum enfeite para meu apartamento. O que talvez acabasse me transformando com o tempo em uma espécie de acumuladora internacional.— Olha, comandante. Eu preciso dessas botas! — eu exclamei, apanh
DimitriEu estava efetuando o pagamento com o cartão enquanto observava Blair com a boneca e as flores que dei a ela em suas mãos.Ela era tão bonita que era quase inacreditável. Mais do que isso, era engraçada, inteligente e espirituosa. Tudo o que eu já tinha percebido nos últimos dias havia se confirmado nessas poucas horas que passamos juntos até aqui.— O senhor quer que eu embrulhe o buquê ou sua namorada vai levá-lo assim? — A senhora que me atendeu indicou as flores que eu ainda carregava.— Aqui, pode embrulhar. Mas ela não é minha namorada — eu expliquei, entregando o buquê para a mulher.— Não? Vocês agem como um casal, talvez devam pensar na possibilidade — ela sorriu, apanhando uma caixa comprida de acetato e acomodando as flores ali — uma garota bonita assim não fica disponível por muito tempo.Eu me limitei a sorrir enquanto apanhava o embrulho. Eu sabia que ela tinha razão em relação a Blair, e se a situação fosse mais favorável, talvez eu tentasse algo sério com ela