Blair
Nós voltamos para o apartamento no fim da manhã, logo me acomodei na sacada, observando a vista que se abria à minha frente.
Não pela primeira vez, eu me peguei pensando em como seria minha vida se eu me mudasse para Istambul, tentasse uma transferência, ou algo assim. Mas ao mesmo tempo era difícil pensar em deixar toda a minha vida para trás daquela maneira, todos os meus amigos estavam em Nova Jersey, meu apartamento, tudo. E além disso, eu duvidava seriamente se me acostumaria aos costumes conservadores daquele país. Uma coisa era visitareis pais ali, outra, era passar a viver sob aquela cultura.
— Algum problema? — Yusef questionou, se sentando ao meu lado.
— Não, nenhum — eu sorri antes de descer o olhar para um embrulho em suas mãos — o que é isso?
— Eu comprei semana passada no grande bazar quando soube que você viria — ele relatou, colocando o embrulho em minhas pernas.
Eu me ocupei em rasgar a embalagem sob olhar atento do homem, para logo em seguida erguer um lenço colorido.
— Pai...
— Sei que você pensa que já tem lenços demais, mas também sei que mulheres gostam de variedade — ele se justificou.
Eu revirei os olhos antes de encostar minha cabeça em seu ombro.
— Eu adorei, Pai. Vamos, me ajude a colocar.
Eu me endireitei, me virando em sua direção antes de entregar o lenço a ele. Yusef envolveu meu pescoço com o tecido antes de subir uma parte, cobrindo parcialmente meus cabelos. Sua mão desceu para meu rosto, acariciando minha bochecha.
— Você fica ainda mais bonita assim — ele comentou, me arrancando um pequeno sorriso.
O som do meu celular nos interrompeu, eu me afastei de meu pai, observando o número desconhecido estampado na tela do aparelho.
— Não vai atender? — ele perguntou.
— Eu não sei quem é.
— Existe uma tática simples para descobrir isso. Uma que não envolve telepatia — ele zombou, fazendo com que eu lhe lançasse um olhar atravessado.
Eu aceitei a chamada e levei o aparelho ao ouvido.
— Alo?
— Blair? — uma voz grave, com um leve sotaque russo soou, me fazendo franzir o cenho.
— Sim? Quem fala?
— Dimitri Voitovich — ele declarou, como se eu realmente devesse saber de quem se tratava.
— Dimitri?— eu pisquei atordoada sem me arriscar a pronunciar aquele sobrenome, enquanto meu pai me encarava com curiosidade.
Por um momento algo me passou pela cabeça, mas tratei de logo afastar aquele pensamento. Seria ridículo.
— Voitovich — ele completou em um tom divertido.
— OK... Eu posso te ajudar em alguma coisa, Dimitri Voitovich?
Eu me ajeitei no sofá que estava acomodada, ainda sem compreender direito o que estava acontecendo.
— Bem, na verdade sim. Nós dois precisamos resolver a conta da lavanderia. Foi difícil tirar aquela bebida verde do meu uniforme, sabia?
Eu pisquei atordoada diante daquela informação. Como ele me encontrou?
— É você! Como!?
Meu pai se moveu ao meu lado, parecendo ainda mais interessado naquela conversa. Quanto a mim, estava perplexa demais para prestar atenção, até que a resposta surgiu em minha mente.
— Noah!
— Ele disse que eu precisaria te contatar de alguma forma e estava certo.
— Então, você quer que eu pague pelo seu uniforme? E toda aquela conversa de que estava tudo bem e eu não precisava me preocupar?
Eu mordi o lábio inferior em meio a um sorriso, esquecendo por um segundo da presença do meu pai ao me lembrar o quanto aquele homem era bonito.
— Talvez eu tenha mudado de ideia — eu pude sentir um sorriso em sua voz, e eu daria tudo para ver aquela imagem.
— Talvez?
— A gente pode resolver isso de uma vez, nós saímos para tomar um café e podemos conversar sobre meu uniforme — ele devolveu em um tom presunçoso me fazendo rir, quase gargalhar.
— Sinto muito, comandante Voitovich, mas eu não considero seu uniforme um assunto tão interessante assim.
— Dimitri, por favor. E se você quiser, pode escolher um assunto que te interesse — ele não parecia disposto a desistir.
Por um lado me sentia lisonjeada por sua insistência, e de certa forma, decepcionada por saber que não poderia aceitar. Aquele encontro poderia ter sido interessante
— Infelizmente o assunto não é o único empecilho, Dimitri. Eu não estou nos Estados Unidos, Noah não te contou?
— Não, ele não contou — ele parecia decepcionado.
Claro que não contou, provavelmente o desgraçado pensou mesmo que Dimitri iria me cobrar pela lavagem do uniforme.
— Sinto muito — acabei sorrindo apesar de tudo.
— Nós podemos tentar em outra ocasião, quem sabe se um dia você voar para a Rússia, ou eu voltar...
— Meu Deus, você realmente vai guardar a conta da lavanderia por todo esse tempo? — eu elevei a voz com uma falsa surpresa o fazendo rir — eu já pedi desculpas!
— Na verdade você disse que tinha sido minha culpa.
— Isso foi antes de perceber que você era um comandante, e...
Eu me virei para o lado, encontrando o olhar atento de meu pai preso em mim, fazendo meu rosto esquentar. Eu tinha esquecido de sua presença.
Não posso acreditar que estava flertando com alguém na frente do meu pai!
— Eu preciso ir — eu balbuciei tentando agir naturalmente.
— Ahh claro, nós podemos conversar mais tarde? — Ele questionou.
— Sim, claro. Tchau — eu devolvi, encerrando a chamada sem esperar qualquer resposta.
Meu pai ergueu ambas as sobrancelhas enquanto me encarava, eu logo me levantei, ajeitando o lenço em minha cabeça.
— Nós vamos jantar em casa? — eu tentei mudar de assunto, entrando na sala do apartamento.
— Um russo? De tanta gente você tinha que arrumar um russo? — ele me provocou me seguindo.
— Eu posso ajudar na cozinha se quiserem — eu insisti.
— Então além de se aliar com o inimigo você ainda quer queimar minha casa? O que eu te fiz, menina? — ele devolveu.
Eu fui até a cozinha, passando pela sala de jantar onde minha mãe estava acomodada utilizando seu notebook.
— O que aconteceu? — ela perguntou ao ver meu pai me seguir.
— Blair tem um namorado russo — Yusef apontou, me fazendo respirar fundo.
Eu me virei em sua direção tentando não permitir que ele me provocasse.
— Ele não é meu namorado, é o comandante em quem eu derrubei café — expliquei — e ele não é o inimigo.
— Você já se esqueceu da guerra russo-turca!? — ele jogou dramaticamente as mãos para o alto.
— Essa guerra aconteceu mais de cem anos antes que eu nascesse, então sim! Eu esqueci! — eu devolvi — russos são amigos agora.
— Nós estamos em guerra com eles na Síria — ele sorriu triunfante.
— Eu não estou em guerra com ninguém, então ele é meu amigo — eu dei a cartada final — amigo, não namorado.
— Eu ficarei de olho, menina — ele piscou antes de voltar para a sala me deixando apenas sob o olhar atento de minha mãe.
— Amigo? — ela sorriu.
— Não sei nem se posso chamá-lo dessa forma, acabei de descobrir meu nome.
Eu suspirei contendo um sorriso enquanto me sentava ao seu lado. Minha relação com minha mãe sempre foi ótima, ela era a minha maior confidente e eu me sentia ótima por isso.
Ninguém seria uma amiga melhor que minha mãe!
— E por que seu pai estava pegando no seu pé?
— Ele me convidou para tomar um café. Mas eu estou aqui e ele não vai ficar tanto tempo em Newark — eu relatei decepcionada.
— É mesmo uma pena. Ele é bonito? — ela dedicou sua total atenção a mim.
— Tão bonito que dá vontade de entrar em um avião agora mesmo — eu gemi, encostando a testa na mesa.
— Vamos, você vai encontrar outros rapazes bonitos, de preferência um que não esteja em guerra contra seu país — ela me provocou.
— Eu não vou ter essa conversa com você também — eu murmurei me levantando — ele não está em guerra com ninguém e muito menos eu.
— É uma piada, sabe disso — ela gargalhou enquanto eu me afastava.
Um sorriso involuntário surgiu em meu rosto ao vê-la ir em direção ao meu pai. Eu adorava ficar com eles.
DimitriJá era quase meia noite e eu caminhava pelos corredores do meu prédio arrastando minha mala. Depois de um longo voo de treze horas eu fiquei feliz de estar em casa, entrando no apartamento, levei a mala para o quarto e fui para o chuveiro.Quando saí, apanhei meu celular e fui para a sala, me acomodando no sofá antes de observar a mensagem de Blair me desejando um bom voo. Depois que liguei para ela há dois dias, nós dois vínhamos trocando mensagens constantes. Não era nada demais, apenas estava entediado no hotel na noite de quarta e lhe pedi indicação de algum bar, o que ela prontamente atendeu, me fazendo terminar a noite assistindo a Wednesday Night Hockey em um bar esportivo próximo ao hotel.Após isso, nós passamos a nos falar regularmente. Blair me entreteve com sua rotina em Istambul, e quando soube que eu voltaria para St Petersburg ela me desejou uma boa viagem e eu não pude deixar de retribuir, sabendo que ela embarcaria algumas horas depois que eu.Eu chequei o ho
DimitriJoe não me atrasou em nada, e no horário estipulado estávamos dentro do carro a caminho da cidade onde meus pais viviam, a cerca de três horas de distância de St Petersburg. Eu não os visitava com tanta frequência, mas procurava manter o contato regularmente.— Me diz primo, como está a Maria? — Joe me provocou.— O que eu te disse naquela época ainda vale, Joe. Fique longe de minha irmã — eu ameacei, me referindo a uma época durante a adolescência de Maria, quando ela se viu apaixonada por ele.Joe nunca chegou a se envolver com ela, mas gostava de me provocar sobre o assunto. Eu sabia que apesar de sua fama, ele jamais magoaria a própria prima. Aquilo porém não evitou que eu o ameaçasse sempre que ele tocava no assunto.— Eu só estou falando, eu vi as fotos dela na internet e os anos apenas fizeram bem — ele insistiu.— Sabe o que mais melhorou com o tempo? Minha pontaria — eu lhe lancei um olhar enviesado, arrancando uma gargalhada do rapaz.— Eu não acho que você teria cor
Blair— Vamos, você viu a foto? Eu venci essa, comandante — não pude evitar um sorriso. Estava deitada em uma espreguiçadeira em uma praia próxima de San Juan aproveitando as horas de folga antes de embarcar.— Blair, estamos falando do Duomo em Milão — Dimitri devolveu, exalando diversão em sua voz — você precisa aceitar que é uma boa foto.— Não estou negando isso, estou falando que a minha ficou melhor — eu devolvi.Já fazia duas semanas que Dimitri e eu começamos a manter contato, e praticamente todos os dias trocavamos fotos dos lugares onde estávamos, competindo para ver quem tinha o melhor destino.— É uma praia, Blair.— É uma praia em Porto Rico, Dimitri — eu devolvi — Caribe. Você já esteve no Caribe alguma vez? Uma risada soou do outro lado da linha fazendo com que eu mordesse o lábio inferior, sentindo uma crescente onda de entusiasmo surgir em meu interior. Eu adorava conversar com ele, aquilo sempre tornava meu dia sempre mais interessante.— Não, Blair. Eu nunca esti
Blair— Eu não entendo, nós fizemos seu jantar de noivado faz algumas semanas — eu encarei Abby.Nós duas estávamos acomodadas na mesa de um restaurante próximo ao aeroporto onde eu aguardava para embarcar para meu próximo destino. Inicialmente eu saí de casa pensando que embarcaria às 10 horas para a Argentina, mas no fim, por conta de uma comissária que ficou gripada e obviamente não poderia voar, eu embarcaria às 15 horas para Amsterdã.— Sim, mas meus pais não gostaram de não participar e querem fazer uma recepção — ela explicou — você é minha dama de honra, Blair, precisa ir.Eu observei meu celular em busca de algum sinal de Dimitri. Ontem ele não me enviou mensagem alguma pela primeira vez desde que nos conhecemos, e eu estava estranhando todo aquele silêncio.— Você me ouviu? — Abby franziu o cenho.— Sim, eu só acho que atravessar o país para um segundo jantar de noivado é um exagero! — eu desviei o olhar do celular, voltando minha atenção para minha amiga.— Não se trata ape
BlairDimitri veio em minha direção com um sorriso contido no rosto. Minha mão foi envolvida pela sua quando a estendi para cumprimentá-lo. O meu próprio sorriso foi mais espontâneo diante de sua presença, apesar de não saber bem como agir, agora que estávamos finalmente frente a frente.— Hey comandante, eu quase não te reconheci sem a roupa manchada — eu o provoquei.— Você não está carregando nenhum copo, então acho que minha roupa ficará a salvo. Pelo menos até chegarmos ao restaurante — ele garantiu — estou hospedado no Sheratom, você quer ir até lá? Sheratom era um dos três hotéis que ficavam dentro do complexo do aeroporto, que também contava com uma estação de trem que nos levaria até o centro de Amsterdam em cerca de quinze minutos.— Você está brincando? Nós não vamos ficar no hotel tendo uma cidade incrível para conhecer, comandante — eu neguei.— Eu já conheço Amsterdã — ele achou graça.— Mas nunca a visitou na minha companhia, te garanto que será uma experiência complet
BlairApós dividir a conta, logo estávamos de volta às ruas de Amsterdã.— O que eu quero dizer é que se casar na mesma igreja que os pais é importante para sua amiga — ele retomou o assunto inicial enquanto caminhávamos lado a lado.— De novo isso? — eu gemi — eu não devia ter te contado.— Mas contou — ele me provocou.Para meu alívio, eu avistei algo que poderia nos distrair daquele assunto.— Uma feira! Vamos fazer compras, Dimitri — Eu corri na frente, o deixando para trás.Ele balançou a cabeça com um meio sorriso nos lábios antes de me acompanhar. Eu passei por todas as barracas, analisando os produtos em busca de algo aproveitável.Aquela era uma das minhas partes preferidas de cada viagem, eu adorava encontrar souvenirs que me lembrassem os destinos que já visitei, e geralmente era algum enfeite para meu apartamento. O que talvez acabasse me transformando com o tempo em uma espécie de acumuladora internacional.— Olha, comandante. Eu preciso dessas botas! — eu exclamei, apanh
DimitriEu estava efetuando o pagamento com o cartão enquanto observava Blair com a boneca e as flores que dei a ela em suas mãos.Ela era tão bonita que era quase inacreditável. Mais do que isso, era engraçada, inteligente e espirituosa. Tudo o que eu já tinha percebido nos últimos dias havia se confirmado nessas poucas horas que passamos juntos até aqui.— O senhor quer que eu embrulhe o buquê ou sua namorada vai levá-lo assim? — A senhora que me atendeu indicou as flores que eu ainda carregava.— Aqui, pode embrulhar. Mas ela não é minha namorada — eu expliquei, entregando o buquê para a mulher.— Não? Vocês agem como um casal, talvez devam pensar na possibilidade — ela sorriu, apanhando uma caixa comprida de acetato e acomodando as flores ali — uma garota bonita assim não fica disponível por muito tempo.Eu me limitei a sorrir enquanto apanhava o embrulho. Eu sabia que ela tinha razão em relação a Blair, e se a situação fosse mais favorável, talvez eu tentasse algo sério com ela
DimitriEu saí do banheiro com uma toalha envolta em minha cintura e fui até a cama do quarto de hotel que eu ocupava em Viena. Já passava das sete da noite e eu me sentia exausto com toda a agitação daquele dia.Logo pela manhã voei de volta a St Petersburg e após algumas horas de descanso, embarquei para Viena. Eu liguei meu celular, o abandonando em cima da cama antes de ir até a janela, observando a rua iluminada repleta de prédios antigos onde inúmeras pessoas caminhavam, apesar do mal tempo. Minha mente vagou para as lembranças do dia anterior, quando a companhia de Blair se fez tão presente. Eu voltei até a cama, apanhando o celular que vibrava com as novas mensagens que chegavam.Eu ignorei as mensagens de Joe ameaçando se mudar de vez para St Petersburg e abri a mensagem que Blair me mandou de manhã."Comandante, acho que você não entendeu que as flores eram para a sua mãe."Eu havia deixado o buquê na recepção do hotel pela manhã para que lhe entregassem. Apesar de aceitar c