3. Ligação em Istambul

Blair

Nós voltamos para o apartamento no fim da manhã, logo me acomodei na sacada, observando a vista que se abria à minha frente.

Não pela primeira vez, eu me peguei pensando em como seria minha vida se eu me mudasse para Istambul, tentasse uma transferência, ou algo assim. Mas ao mesmo tempo era difícil pensar em deixar toda a minha vida para trás daquela maneira, todos os meus amigos estavam em Nova Jersey, meu apartamento, tudo. E além disso, eu duvidava seriamente se me acostumaria aos costumes conservadores daquele país. Uma coisa era visitareis pais ali, outra, era passar a viver sob aquela cultura.

— Algum problema? — Yusef questionou, se sentando ao meu lado.

— Não, nenhum — eu sorri antes de descer o olhar para um embrulho em suas mãos — o que é isso?

— Eu comprei semana passada no grande bazar quando soube que você viria — ele relatou, colocando o embrulho em minhas pernas.

Eu me ocupei em rasgar a embalagem sob olhar atento do homem, para logo em seguida erguer um lenço colorido.

— Pai...

— Sei que você pensa que já tem lenços demais, mas também sei que mulheres gostam de variedade — ele se justificou.

Eu revirei os olhos antes de encostar minha cabeça em seu ombro.

— Eu adorei, Pai. Vamos, me ajude a colocar.

Eu me endireitei, me virando em sua direção antes de entregar o lenço a ele. Yusef  envolveu meu pescoço com o tecido antes de subir uma parte, cobrindo parcialmente meus cabelos. Sua mão desceu para meu rosto, acariciando minha bochecha.

— Você fica ainda mais bonita assim — ele comentou, me arrancando um pequeno sorriso.

O som do meu celular nos interrompeu, eu me afastei de meu pai, observando o número desconhecido estampado na tela do aparelho.

— Não vai atender? — ele perguntou.

— Eu não sei quem é.

— Existe uma tática simples para descobrir isso. Uma que não envolve telepatia — ele zombou, fazendo com que eu lhe lançasse um olhar atravessado.

Eu aceitei a chamada e levei o aparelho ao ouvido.

— Alo?

— Blair? — uma voz grave, com um leve sotaque russo soou, me fazendo franzir o cenho. 

— Sim? Quem fala? 

— Dimitri Voitovich — ele declarou, como se eu realmente devesse saber de quem se tratava.

— Dimitri?— eu pisquei atordoada sem me arriscar a pronunciar aquele sobrenome, enquanto meu pai me encarava com curiosidade. 

Por um momento algo me passou pela cabeça, mas tratei de logo afastar aquele pensamento. Seria ridículo. 

— Voitovich — ele completou em um tom divertido.

— OK... Eu posso te ajudar em alguma coisa, Dimitri Voitovich?

Eu me ajeitei no sofá que estava acomodada, ainda sem compreender direito o que estava acontecendo.

— Bem, na verdade sim. Nós dois precisamos resolver a conta da lavanderia. Foi difícil tirar aquela bebida verde do meu uniforme, sabia? 

Eu pisquei atordoada diante daquela informação. Como ele me encontrou?

— É você! Como!? 

Meu pai se moveu ao meu lado, parecendo ainda mais interessado naquela conversa. Quanto a mim, estava perplexa demais para prestar atenção, até que a resposta surgiu em minha mente.

— Noah! 

— Ele disse que eu precisaria te contatar de alguma forma e estava certo. 

— Então, você quer que eu pague pelo seu uniforme? E toda aquela conversa de que estava tudo bem e eu não precisava me preocupar? 

Eu mordi o lábio inferior em meio a um sorriso, esquecendo por um segundo da presença do meu pai ao me lembrar o quanto aquele homem era bonito.

— Talvez eu tenha mudado de ideia — eu pude sentir um sorriso em sua voz, e eu daria tudo para ver aquela imagem.

— Talvez? 

— A gente pode resolver isso de uma vez, nós saímos para tomar um café e podemos conversar sobre meu uniforme — ele devolveu em um tom presunçoso me fazendo rir, quase gargalhar.

— Sinto muito, comandante Voitovich, mas eu não considero seu uniforme um assunto tão interessante assim.

— Dimitri, por favor. E se você quiser, pode escolher um assunto que te interesse — ele não parecia disposto a desistir.

Por um lado me sentia lisonjeada por sua insistência, e de certa forma, decepcionada por saber que não poderia aceitar. Aquele encontro poderia ter sido interessante

— Infelizmente o assunto não é o único empecilho, Dimitri. Eu não estou nos Estados Unidos, Noah não te contou? 

— Não, ele não contou — ele parecia decepcionado.

Claro que não contou, provavelmente o desgraçado pensou mesmo que Dimitri iria me cobrar pela lavagem do uniforme.

— Sinto muito — acabei sorrindo apesar de tudo.

— Nós podemos tentar em outra ocasião, quem sabe se um dia você voar para a Rússia, ou eu voltar...

— Meu Deus, você realmente vai guardar a conta da lavanderia por todo esse tempo? — eu elevei a voz com uma falsa surpresa o fazendo rir — eu já pedi desculpas!

— Na verdade você disse que tinha sido minha culpa.

— Isso foi antes de perceber que você era um comandante, e...

Eu me virei para o lado, encontrando o olhar atento de meu pai preso em mim, fazendo meu rosto esquentar. Eu tinha esquecido de sua presença.

 Não posso acreditar que estava flertando com alguém na frente do meu pai!

— Eu preciso ir — eu balbuciei tentando agir naturalmente. 

— Ahh claro, nós podemos conversar mais tarde? — Ele questionou.

— Sim, claro. Tchau — eu devolvi, encerrando a chamada sem esperar qualquer resposta.

Meu pai ergueu ambas as sobrancelhas enquanto me encarava, eu logo me levantei, ajeitando o lenço em minha cabeça.

— Nós vamos jantar em casa? — eu tentei mudar de assunto, entrando na sala do apartamento.

— Um russo? De tanta gente você tinha que arrumar um russo? — ele me provocou me seguindo.

— Eu posso ajudar na cozinha se quiserem — eu insisti.

— Então além de se aliar com o inimigo você ainda quer queimar minha casa? O que eu te fiz, menina? — ele devolveu.

Eu fui até a cozinha, passando pela sala de jantar onde minha mãe estava acomodada utilizando seu notebook.

— O que aconteceu? — ela perguntou ao ver meu pai me seguir. 

— Blair tem um namorado russo — Yusef apontou, me fazendo respirar fundo.

Eu me virei em sua direção tentando não permitir que ele me provocasse.

— Ele não é meu namorado, é o comandante em quem eu derrubei café — expliquei — e ele não é o inimigo.

— Você já se esqueceu da guerra russo-turca!? — ele jogou dramaticamente as mãos para o alto. 

— Essa guerra aconteceu mais de cem anos antes que eu nascesse, então sim! Eu esqueci! — eu devolvi — russos são amigos agora.

— Nós estamos em guerra com eles na Síria — ele sorriu triunfante.

— Eu não estou em guerra com ninguém, então ele é meu amigo — eu dei a cartada final — amigo, não namorado.

— Eu ficarei de olho, menina — ele piscou antes de voltar para a sala me deixando apenas sob o olhar atento de minha mãe.

— Amigo? — ela sorriu.

— Não sei nem se posso chamá-lo dessa forma, acabei de descobrir meu nome.

Eu suspirei contendo um sorriso enquanto me sentava ao seu lado. Minha relação com minha mãe sempre foi ótima, ela era a minha maior confidente e eu me sentia ótima por isso.

Ninguém seria uma amiga melhor que minha mãe! 

— E por que seu pai estava pegando no seu pé?

— Ele me convidou para tomar um café. Mas eu estou aqui e ele não vai ficar tanto tempo em Newark — eu relatei decepcionada.

— É mesmo uma pena. Ele é bonito? — ela dedicou sua total atenção a mim.

— Tão bonito que dá vontade de entrar em um avião agora mesmo — eu gemi, encostando a testa na mesa.

— Vamos, você vai encontrar outros rapazes bonitos, de preferência um que não esteja em guerra contra seu país — ela me provocou.

— Eu não vou ter essa conversa com você também — eu murmurei me levantando — ele não está em guerra com ninguém e muito menos eu.

— É uma piada, sabe disso — ela gargalhou enquanto eu me afastava.

Um sorriso involuntário surgiu em meu rosto ao vê-la ir em direção ao meu pai. Eu adorava ficar com eles. 

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