MIA
De todas as coisas que idealizei para a minha vida, ser jogada em um clube para me prostituir estava em último lugar na lista. Ouso dizer que sequer estava na lista. Limpar cocô de pombo estaria acima disso.
— O que vai acontecer comigo? — perguntei a Vittorio, o demônio que apareceu na minha vida e a destruiu por completo. — Vou morar nesse cassino?
Vittorio negou com a cabeça, enquanto assinava alguns papéis de uma pasta azul.
— De forma alguma — ele disse. — Você não teria serventia em um cassino, mas com uma saia de couro e um top brilhante, conseguiria muito dinheiro.
Estremeci só de me imaginar com aquelas roupas.
— Como quiser — murmurei. Olhei para o homem cujo rosto eu havia arranhado e franzi a testa para ele. — Algum problema?
Um sorriso sinistro surgiu em seu rosto.
— Nenhum — ele respondeu.
Vittorio guardou os papeis na pasta e a deixou em cima da mesa. Seus olhos passaram por mim e ele soltou um suspiro.
— Bom, meu trabalho aqui terminou. Preciso me encontrar com Maurício e informá-lo sobre o que aconteceu — ele disse para o outro homem, que assentiu lentamente.
— Quem é esse Maurício? — perguntei.
Vittorio olhou para mim.
— O líder da Cosa Nostra — respondeu ele.
Franzi a testa, confusa.
— Você não é o líder? — perguntei, surpresa. Vittorio balançou a cabeça, negando. — Bom, com toda a sua arrogância, achei que você fosse o dono disso tudo. Mas é apenas o capacho do verdadeiro chefe.
As sobrancelhas escuras de Vittorio se franziram, e seus olhos negros brilharam de ódio. Seus lábios, cheios e rosados, repuxaram-se em um sorriso cruel, que fez os pelos da minha nuca se arrepiarem. Eu sabia que estava sendo tola ao dizer aquelas coisas. Tinha plena consciência de que poderia morrer por isso. No entanto, eu já estava ferrada. Pelo menos, não lhes daria o prazer de me verem com medo, assustada.
Os soldados seguraram meus braços com força e me arrastaram pelo corredor, na mesma direção em que Vittorio caminhava. Tentei me soltar, mas foi completamente em vão. O caminho parecia interminável, envolto em um silêncio opressor.
Notei que estávamos saindo pelos fundos da propriedade, um caminho completamente diferente de quando cheguei com meu pai. Uma pontada aguda perfurou meu peito ao pensar nele, e a vontade de chorar quase voltou com força. Como ele pôde ser tão ingênuo? Por que confiou dinheiro a essas pessoas cruéis? A dor em meu coração aumentava enquanto me lembrava do desespero no olhar dele, e das palavras impotentes que, pouco a pouco, revelaram sua falta de controle sobre a situação.
Um nó se formou na minha garganta, mas eu me recusei a deixar as lágrimas caírem. Não seria mais uma fraca nesse jogo sujo.
Ao chegarmos a uma porta pesada, Vittorio parou e se virou para mim. Seu olhar penetrante me avaliava como se eu fosse um quebra-cabeça prestes a ser resolvido. Mas, antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, uma dor fina no meu braço chamou minha atenção.
Olhei para baixo e vi um dos soldados com uma agulha enfiada na minha pele, injetando algo em mim.
— O que…?
A realidade começou a se distorcer diante dos meus olhos, como se um véu opaco cobrisse minha visão. Tentei lutar, tentei gritar, mas minha voz não saía. As palavras ficaram presas na minha garganta, e o chão sob meus pés parecia desmoronar. Tudo que eu conseguia ouvir era o som distante da minha respiração acelerada, misturada com o pulsar ensurdecedor do meu coração.
— Mia, respire — a voz de Vittorio ecoou, como um sussurro distante, mas eu não conseguia mais distinguir se ele realmente estava ali ou se sua voz era apenas uma ilusão, fruto da substância que agora percorria meu corpo.
As paredes do corredor pareciam ondular, e a luz se tornava cada vez mais intensa, até se transformar em um turbilhão de cores que dançavam e se misturavam diante dos meus olhos. As figuras dos homens ao meu redor se transformaram em sombras indistintas, e eu fui sendo arrastada para a neblina da inconsciência, impotente para lutar contra o que quer que estivesse me invadindo.
— O que você fez comigo? — forcei minha voz a sair, mas era apenas um sussurro arrastado, como se as palavras fossem pérolas afundando no mar, perdidas e submersas.
Risos ecoaram pelo corredor, mas não eram risos de alegria. Eram de satisfação, como se se divertissem às minhas custas. A indignação queimava em meu peito, mas eu não conseguia reagir.
Vittorio se aproximou, seu rosto tão perto do meu que pude sentir o calor de sua presença.
— Você acha mesmo que eu iria levá-la acordada? — ele disse, sua voz fria como gelo. — Acredita que eu seria burro o suficiente para mostrar o caminho e deixá-la fugir no meio da noite?
A sensação de estar presa em um pesadelo se intensificou, e o pânico começou a crescer dentro de mim, uma onda incontrolável.
— Eu não iria fugir! — tentei gritar, mas saiu apenas um gemido débil, patético.
A realidade ao meu redor começava a se despedaçar. O controle deslizava pelas minhas mãos, como areia escapando ao vento. As sombras ao redor pareciam ganhar vida, movendo-se de forma errática, como se fossem marionetes presas a cordas invisíveis, dançando ao meu redor.
Eu precisava sair. Precisava encontrar uma maneira de me libertar desse estado, de recobrar a consciência. No meio do caos, uma ideia desesperada surgiu em minha mente: eu tinha que me manter acordada, precisava lutar contra a onda de letargia que me puxava para baixo. Com um esforço monumental, tentei mover meu corpo, mas ele não respondia.
E então, antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, o mundo ao meu redor girou violentamente, e fui engolida por uma espiral de confusão e escuridão.
MIATentei abrir os olhos, mas a luz forte me atingiu de imediato, me forçando a fechar as pálpebras novamente. Pisquei, tentando me ajustar à claridade. Cada piscada aumentava a dor na cabeça, mas eu precisava saber onde estava. Respirei fundo e, finalmente, consegui focar o olhar ao meu redor.O lugar era pequeno e sufocante, com paredes de um bege antigo, descascadas em alguns pontos, revelando manchas de mofo e umidade. O cheiro era horrível, uma mistura de perfume barato e suor que me fez querer vomitar. As cortinas de veludo vermelho, gastas e sujas, pendiam das janelas minúsculas, bloqueando qualquer chance de luz natural. A única iluminação vinha de uma lâmpada no teto, piscando como se estivesse prestes a apagar a qualquer momento. Isso só deixava tudo mais sombrio e assustador.Olhei ao redor e vi camas de metal espalhadas pela sala, os colchões eram finos e nojentos, como se nunca tivessem sido limpos. Roupas estavam jogadas por todo lado — lingeries e sapatos de salto alto
MIAAssim que me vesti com a nova persona, segui Becky pelo corredor, onde luzes fluorescentes vermelhas lançavam sombras ameaçadoras nas paredes. O lugar parecia vivo, pulsando com sons que me faziam querer fugir. De trás das portas, o que eu ouvia me embrulhava o estômago. Risadas, gemidos, gritos de desespero. O caos abafado daqueles quartos era sufocante. Não podia me permitir imaginar o que se passava lá dentro. O corredor, de repente, parecia apertado demais, e uma sensação de claustrofobia tomou conta de mim, me afogando em pavor.— Mantenha a calma — murmurou Becky, apertando minha mão.— Sem conversinhas — o segurança latiu, friamente.O som dos nossos saltos no piso metálico da escada em espiral ecoava como um relógio que contava o tempo até algo inevitável. Quando descemos, o ambiente mudou, tornando-se ainda mais opressor. O segurança nos guiou até uma porta pesada, de onde eu já podia ouvir a música pulsante e risadas que soavam distantes, abafadas. Pela fresta da porta,
MIAMeu pai estava morto, e Vittorio era o assassino. Tive certeza disso assim que nossos olhares se cruzaram.Engoli o choro com força, apertando a bandeja até meus dedos doerem. Com passos firmes e decididos, caminhei pelo salão. A cada sorriso falso que eu forçava, a cada impulso de me encolher e chorar, um pensamento me mantinha em pé: meu plano de fuga.Eu não ficaria ali. Não com meu pai morto.— Venha — a voz de Becky me puxou de volta à realidade, sua mão segurando meu braço com urgência. — Vittorio quer ver como você se sai na dança.Sem pensar duas vezes, peguei as últimas cinco tequilas da bandeja e engoli de uma só vez, como se fosse água. O líquido queimou minha garganta, mas levou junto a vergonha e a timidez que costumava sentir. O álcool se misturava ao ódio que corria nas minhas veias, inflamando a coragem que antes eu não tinha.Eu seria a ruína de Vittorio, o Diabo.A música reverberava por toda a boate, uma batida pesada que parecia pulsar dentro de mim. A luz verm
MIAElijah sorriu, sua expressão se iluminou com a possibilidade de uma dança particular. Ele se inclinou para mais perto, e eu me deixei levar pela adrenalina da situação, alimentando meu plano de fuga.— Onde podemos fazer isso? — perguntei, olhando para Vittorio, desafiando-o silenciosamente. Era uma forma de cortar as amarras que ele tentava me impor, um ato de rebeldia que alimentava meu desejo de vingança.Vittorio hesitou, avaliando a cena diante dele. Sabia que, ao me deixar ir, ele estava permitindo que eu me aproximasse do perigo, que eu fizesse minhas próprias escolhas. Em um lugar como aquele, a liberdade tinha um preço, e eu estava disposta a pagá-lo, mesmo que isso significasse flertar com o abismo.— No andar de cima — ele finalmente disse, a voz baixa, mas firme. — Não se esqueça de quem você é, Mia.Aquelas palavras ecoaram em minha mente, mas, em vez de me intimidar, me motivaram. Eu não era mais a mesma garota que ele conheceu. Compreendi que, naquele mundo, você ou
VITTORIOA ousadia de Mia me incomodava mais do que eu estava disposto a admitir. A garota assustada que havia chegado desapareceu. Agora, ela parecia ter encontrado uma confiança nova, uma audácia que cresceu depois do mal-entendido sobre a morte de Charles.Eu planejava contar a verdade para Mia, mas apenas no momento certo. Sabia que havia algo muito maior e mais perigoso por trás de suas ações. A forma como ela aceitou dançar para Elijah me parecia uma provocação calculada, e a sensação de que estava sendo manipulado corroía meu orgulho. Nem o gosto ardente do uísque que descia pela minha garganta era capaz de acalmar o desconforto que tomava conta de mim.Para piorar, Don Mauricio resolveu aparecer na minha boate. Ele tinha um talento único para surgir nos momentos mais inoportunos, sempre com aquele olhar de quem tinha visto tudo. Estava lá para garantir que eu não tomasse mais nenhuma decisão importante sem sua bênção. Sentado no meu escritório, eu sentia o peso do julgamento n
MIADepois que o impacto de ter matado alguém se dissipou, o desespero de ser pega se instalou como uma sombra opressiva. Eu sabia que precisava sair daquele lugar o mais rápido possível. Se Vittorio descobrisse o que eu fiz, com certeza seria morta, assim como meu pai fora.A primeira coisa que fiz foi pegar o dinheiro de Elijah e juntá-lo com toda a grana que haviam colocado no cós da minha saia. Embolei todo o dinheiro e enfiei dentro do meu top. Para meu alívio, a porta estava trancada; eles demorariam um tempo até conseguirem entrar no quarto.Eu precisava encontrar uma maneira de fugir sem que soubessem para onde eu tinha ido. E eu iria usar a única câmera naquele quarto a meu favor.Caminhei a passos largos até a janela, que, infelizmente, estava fechada, mas tinha um vid
VITTORIOSeis meses se passaram desde a fuga de Mia, e tudo o que eu conseguia pensar era que meus inimigos agora tinham um motivo para rir de mim. E que Don Maurício estava furioso.Mia era só uma mulher comum, então como ela conseguiu fugir tão facilmente e se manter escondida por tanto tempo? Ou talvez Mia não fosse quem dizia ser?Desde que aquela diabinha fugiu, eu simplesmente não consegui sossegar. Sabia que só ficaria aliviado no momento em que a encontrasse, porque ninguém me humilhava daquele jeito. Ninguém me transformava em piada.Nos três primeiros meses, eu a procurei com a desculpa de que ninguém brinca com a Cosa Nostra. Mas agora, minha motivação era outra. Eu queria provar para aquela garotinha idiota que ela nunca seria mais
MIAAquele não era um bom dia, e eu soube disso assim que acordei para ir trabalhar. Um peso pressionava meu peito, um aviso silencioso de que a dor da ausência da minha mãe voltaria a me consumir. Se ela ainda estivesse viva, eu estaria comprando um bolo confeitado para celebrar mais um ano de vida. Mas o câncer a levou de mim, e com ele, todas as nossas celebrações.Eu não podia nem visitar seu túmulo.Por causa do fraco do meu pai. Pensar nele sempre fazia meu coração se contrair. A dor de não ter tido a chance de me despedir era uma ferida aberta. E a raiva... a raiva por Vittorio tê-lo arrancado de mim.Todos os dias, nos últimos seis meses, eu me perguntei se Vittorio me encontraria. E se encontrasse, se eu também seria morta.Eu nunca quis matar ninguém.As minhas noites eram atormentadas por pesadelos, e a imagem de Elijah morrendo por minhas mãos era um fantasma que me perseguia. Eu não era uma assassina, mas naquela noite foi necessário. Eu sabia o que me aguardava se não ag