MIA
Assim que me vesti com a nova persona, segui Becky pelo corredor, onde luzes fluorescentes vermelhas lançavam sombras ameaçadoras nas paredes. O lugar parecia vivo, pulsando com sons que me faziam querer fugir. De trás das portas, o que eu ouvia me embrulhava o estômago. Risadas, gemidos, gritos de desespero. O caos abafado daqueles quartos era sufocante. Não podia me permitir imaginar o que se passava lá dentro. O corredor, de repente, parecia apertado demais, e uma sensação de claustrofobia tomou conta de mim, me afogando em pavor.
— Mantenha a calma — murmurou Becky, apertando minha mão.
— Sem conversinhas — o segurança latiu, friamente.
O som dos nossos saltos no piso metálico da escada em espiral ecoava como um relógio que contava o tempo até algo inevitável. Quando descemos, o ambiente mudou, tornando-se ainda mais opressor. O segurança nos guiou até uma porta pesada, de onde eu já podia ouvir a música pulsante e risadas que soavam distantes, abafadas. Pela fresta da porta, flashes de luzes coloridas se misturavam ao som e ao cheiro de decadência.
A porta se abriu, e a cena que se revelou era de excessos. As luzes néon piscavam, hipnóticas, dançando por todo o salão. A fumaça de tabaco e o perfume barato pairavam no ar, criando uma atmosfera quase irrespirável. O som de risadas e conversas se misturava ao barulho de copos tilintando. Um ambiente vibrante e, ao mesmo tempo, sufocante. Olhei ao redor, absorvendo cada detalhe: as mulheres, com roupas provocantes, seus olhares distantes e cansados, como se a vida nelas já tivesse sido drenada. Um arrepio percorreu minha espinha.
Becky percebeu minha hesitação e se aproximou.
— Não tenha medo, Mia. Aqui, você pode ser qualquer coisa. Este lugar pode ser seu trono ou sua cela. A escolha é sua — ela disse baixinho, seus olhos fixos nos meus.
Ela soltou minha mão, movendo-se com uma confiança que eu ainda não possuía. Eu a observei se aproximar de um homem esparramado em uma poltrona. Ela se jogou no colo dele com uma sensualidade calculada.
Esse era o jogo que precisávamos jogar para sobrevivermos.
De repente, percebi uma figura masculina se aproximando, seus passos calmos e predatórios. Meu coração começou a martelar no peito, e quando ele finalmente estava próximo o suficiente para que eu pudesse ver seu rosto, meu sangue gelou.
Era Vittorio.
Eu queria gritar com ele, despejar todo o ódio que fervilhava dentro de mim. Mas as palavras ficaram presas na minha garganta, sufocadas pela dor e pela raiva. Ao invés disso, permaneci em silêncio, observando o caos ao meu redor. As pessoas estavam completamente alheias ao que acontecia além das paredes da boate. O mundo delas não existia fora daquele ambiente decadente.
Quando Vittorio se aproximou, meu olhar foi cortante, frio, cheio de um ódio que eu sabia que nunca iria desaparecer.
— Ruiva? — ele perguntou, indicando a peruca que eu usava com um leve movimento de queixo. — Alguém te contou que tenho uma queda por ruivas?
— É claro, porque a grande motivação da minha vida é te agradar — retruquei, o sarcasmo pingando de cada palavra.
Ele passou os dedos pelos cabelos escuros, soltando uma risada seca, desprovida de qualquer humor.
— Continua atrevida, pelo visto — ele disse, os olhos avaliando cada reação minha.
Ergui as sobrancelhas, sem vontade de prolongar aquele jogo de provocações.
— O que você quer que eu faça? — perguntei, finalmente. Minha voz saiu baixa, carregada de um desafio que nem eu sabia de onde vinha. Não tinha tempo para farpas infantis, a realidade era que eu e meu pai estávamos completamente à mercê dele, e eu sabia disso.
Vittorio me olhou de uma forma diferente, como se fosse a primeira vez que realmente enxergasse quem eu era. Por um momento, senti um peso maior naquele olhar, mas logo ele retomou seu tom autoritário.
— Por enquanto, você vai trabalhar no bar e dançar no palco — ele disse com firmeza. — Espero que seja gentil com os meus clientes.
Minha respiração, que eu nem percebera estar segurando, saiu de uma vez, quase em soluços. As lágrimas começaram a arder em meus olhos, uma reação que eu não podia controlar. O medo e a incerteza de tudo que aquilo implicava me dominaram.
Pelo menos, por enquanto, eu estava a salvo de algo pior.
Uma lágrima solitária escapou, deslizando pela minha bochecha. Vittorio a secou com um gesto rápido, como se fosse apenas um detalhe insignificante.
— Vamos lá — ele disse, a voz mais baixa, mas ainda inflexível. — Vamos testar você.
Ele me pegou pelo braço, sem delicadeza, e me arrastou pelo salão como se fosse um objeto. Enquanto ele me conduzia, o som da música, das risadas e da decadência ao meu redor parecia se distanciar. Tudo o que eu sentia era o peso da nova realidade.
Durante todo o caminho, lutei para manter minhas emoções sob controle. Não iria chorar na frente daquele monstro outra vez.
— Vittorio, é um prazer ter você aqui — disse um homem loiro, próximo ao bar.
— Sou um homem ocupado — Vittorio respondeu, com frieza. — Preciso que cuide dessa aqui.
O homem assentiu, lançando um olhar avaliador para mim.
— Ela tem belas pernas, e essa roupa realça o corpo dela. Vai te render uma boa grana — ele comentou, me fazendo sentir o estômago revirar.
Vittorio me olhou, seus olhos percorrendo cada centímetro do meu corpo. Um sorriso lento surgiu em seu rosto, mas ele balançou a cabeça.
— Ela fica apenas no bar e dançando no palco, Mattia — Vittorio disse com firmeza.
— Como quiser — o homem respondeu, com um leve encolher de ombros. Seus olhos, então, encontraram os meus. — Estou precisando de ajuda para distribuir as bebidas pelo salão. Pegue a bandeja e comece agora.
Assenti.
Enquanto colocava os copos de tequila na bandeja redonda, ouvi uma conversa que me paralisou.
— Fiquei sabendo que aquele verme deu trabalho — Mattia disse a Vittorio. — Ainda bem que você o matou, ninguém merece lidar com devedores.
Minhas mãos começaram a tremer, e eu sabia exatamente de quem estavam falando.
Meu pai.
Vittorio o matou.
MIAMeu pai estava morto, e Vittorio era o assassino. Tive certeza disso assim que nossos olhares se cruzaram.Engoli o choro com força, apertando a bandeja até meus dedos doerem. Com passos firmes e decididos, caminhei pelo salão. A cada sorriso falso que eu forçava, a cada impulso de me encolher e chorar, um pensamento me mantinha em pé: meu plano de fuga.Eu não ficaria ali. Não com meu pai morto.— Venha — a voz de Becky me puxou de volta à realidade, sua mão segurando meu braço com urgência. — Vittorio quer ver como você se sai na dança.Sem pensar duas vezes, peguei as últimas cinco tequilas da bandeja e engoli de uma só vez, como se fosse água. O líquido queimou minha garganta, mas levou junto a vergonha e a timidez que costumava sentir. O álcool se misturava ao ódio que corria nas minhas veias, inflamando a coragem que antes eu não tinha.Eu seria a ruína de Vittorio, o Diabo.A música reverberava por toda a boate, uma batida pesada que parecia pulsar dentro de mim. A luz verm
MIAElijah sorriu, sua expressão se iluminou com a possibilidade de uma dança particular. Ele se inclinou para mais perto, e eu me deixei levar pela adrenalina da situação, alimentando meu plano de fuga.— Onde podemos fazer isso? — perguntei, olhando para Vittorio, desafiando-o silenciosamente. Era uma forma de cortar as amarras que ele tentava me impor, um ato de rebeldia que alimentava meu desejo de vingança.Vittorio hesitou, avaliando a cena diante dele. Sabia que, ao me deixar ir, ele estava permitindo que eu me aproximasse do perigo, que eu fizesse minhas próprias escolhas. Em um lugar como aquele, a liberdade tinha um preço, e eu estava disposta a pagá-lo, mesmo que isso significasse flertar com o abismo.— No andar de cima — ele finalmente disse, a voz baixa, mas firme. — Não se esqueça de quem você é, Mia.Aquelas palavras ecoaram em minha mente, mas, em vez de me intimidar, me motivaram. Eu não era mais a mesma garota que ele conheceu. Compreendi que, naquele mundo, você ou
VITTORIOA ousadia de Mia me incomodava mais do que eu estava disposto a admitir. A garota assustada que havia chegado desapareceu. Agora, ela parecia ter encontrado uma confiança nova, uma audácia que cresceu depois do mal-entendido sobre a morte de Charles.Eu planejava contar a verdade para Mia, mas apenas no momento certo. Sabia que havia algo muito maior e mais perigoso por trás de suas ações. A forma como ela aceitou dançar para Elijah me parecia uma provocação calculada, e a sensação de que estava sendo manipulado corroía meu orgulho. Nem o gosto ardente do uísque que descia pela minha garganta era capaz de acalmar o desconforto que tomava conta de mim.Para piorar, Don Mauricio resolveu aparecer na minha boate. Ele tinha um talento único para surgir nos momentos mais inoportunos, sempre com aquele olhar de quem tinha visto tudo. Estava lá para garantir que eu não tomasse mais nenhuma decisão importante sem sua bênção. Sentado no meu escritório, eu sentia o peso do julgamento n
MIADepois que o impacto de ter matado alguém se dissipou, o desespero de ser pega se instalou como uma sombra opressiva. Eu sabia que precisava sair daquele lugar o mais rápido possível. Se Vittorio descobrisse o que eu fiz, com certeza seria morta, assim como meu pai fora.A primeira coisa que fiz foi pegar o dinheiro de Elijah e juntá-lo com toda a grana que haviam colocado no cós da minha saia. Embolei todo o dinheiro e enfiei dentro do meu top. Para meu alívio, a porta estava trancada; eles demorariam um tempo até conseguirem entrar no quarto.Eu precisava encontrar uma maneira de fugir sem que soubessem para onde eu tinha ido. E eu iria usar a única câmera naquele quarto a meu favor.Caminhei a passos largos até a janela, que, infelizmente, estava fechada, mas tinha um vid
VITTORIOSeis meses se passaram desde a fuga de Mia, e tudo o que eu conseguia pensar era que meus inimigos agora tinham um motivo para rir de mim. E que Don Maurício estava furioso.Mia era só uma mulher comum, então como ela conseguiu fugir tão facilmente e se manter escondida por tanto tempo? Ou talvez Mia não fosse quem dizia ser?Desde que aquela diabinha fugiu, eu simplesmente não consegui sossegar. Sabia que só ficaria aliviado no momento em que a encontrasse, porque ninguém me humilhava daquele jeito. Ninguém me transformava em piada.Nos três primeiros meses, eu a procurei com a desculpa de que ninguém brinca com a Cosa Nostra. Mas agora, minha motivação era outra. Eu queria provar para aquela garotinha idiota que ela nunca seria mais
MIAAquele não era um bom dia, e eu soube disso assim que acordei para ir trabalhar. Um peso pressionava meu peito, um aviso silencioso de que a dor da ausência da minha mãe voltaria a me consumir. Se ela ainda estivesse viva, eu estaria comprando um bolo confeitado para celebrar mais um ano de vida. Mas o câncer a levou de mim, e com ele, todas as nossas celebrações.Eu não podia nem visitar seu túmulo.Por causa do fraco do meu pai. Pensar nele sempre fazia meu coração se contrair. A dor de não ter tido a chance de me despedir era uma ferida aberta. E a raiva... a raiva por Vittorio tê-lo arrancado de mim.Todos os dias, nos últimos seis meses, eu me perguntei se Vittorio me encontraria. E se encontrasse, se eu também seria morta.Eu nunca quis matar ninguém.As minhas noites eram atormentadas por pesadelos, e a imagem de Elijah morrendo por minhas mãos era um fantasma que me perseguia. Eu não era uma assassina, mas naquela noite foi necessário. Eu sabia o que me aguardava se não ag
VITTORIOA primeira coisa que vi assim que estacionamos o carro em frente à cafeteria foi Mia e os meses a haviam favorecido. Ela parecia mais bonita. Seu corpo, que antes era magrinho e esguio, agora exibia curvas sutis. Os cabelos negros e ondulados continuavam os mesmos, mas havia uma franja nova, que caía sobre sua testa, dando ao seu rosto um toque de suavidade que antes não existia.— Vamos? — Giuseppe perguntou ao meu lado, inquieto.Neguei com um aceno firme de cabeça.— Você fica — respondi com frieza. Ele abriu a boca, pronto para argumentar, mas eu levantei a mão, silenciando qualquer objeção. — Vou resolver isso sozinho. Fique atento. Não sabemos até onde vai a estupidez da Mia.Saí do carro sem olhar para trás, batendo a
MIAOlhei para Vittorio com todo o desprezo que eu poderia sentir, alimentado pelo ódio que brotava em mim por precisar fugir de Las Vegas, por causa do meu pai e pela impossibilidade de fazer uma faculdade, agora que havia sido encontrada. Provavelmente, eles iriam me matar, assim como fizeram com ele.— O que você quer de mim? — perguntei, a voz rígida e o corpo tremendo de raiva enquanto caminhávamos pela calçada do café.— Vingança — respondeu o demônio em pessoa. — Suas coisas já estão no carro, e sugiro que você não tente fugir.— Eu não vou fugir, seu imbecil — resmunguei.Vittorio ergueu as sobrancelhas em minha direção. Observei-o ajustar o terno e, de repente, uma vontade absurda de fazer a fatídica pergunta sobre meu pai tomou conta de