5: Uma Máscara para Sobreviver

MIA

Tentei abrir os olhos, mas a luz forte me atingiu de imediato, me forçando a fechar as pálpebras novamente. Pisquei, tentando me ajustar à claridade. Cada piscada aumentava a dor na cabeça, mas eu precisava saber onde estava. Respirei fundo e, finalmente, consegui focar o olhar ao meu redor.

O lugar era pequeno e sufocante, com paredes de um bege antigo, descascadas em alguns pontos, revelando manchas de mofo e umidade. O cheiro era horrível, uma mistura de perfume barato e suor que me fez querer vomitar. As cortinas de veludo vermelho, gastas e sujas, pendiam das janelas minúsculas, bloqueando qualquer chance de luz natural. A única iluminação vinha de uma lâmpada no teto, piscando como se estivesse prestes a apagar a qualquer momento. Isso só deixava tudo mais sombrio e assustador.

Olhei ao redor e vi camas de metal espalhadas pela sala, os colchões eram finos e nojentos, como se nunca tivessem sido limpos. Roupas estavam jogadas por todo lado — lingeries e sapatos de salto alto, abandonados no chão como se as mulheres tivessem saído correndo. A única janela era pequena demais para tentar uma fuga, o que fez um calafrio percorrer minha espinha.

Eu estava em algum tipo de alojamento mas não era um lugar qualquer. Era o tipo de lugar onde as pessoas, especialmente as mulheres, eram forçadas a ficar. Onde elas talvez nem tivessem o luxo de dormir em paz. De algum lugar distante, eu ouvia risadas de homens e música alta, provavelmente do andar de baixo, onde coisas ainda piores aconteciam.

Meu coração acelerou quando a porta de aço enferrujado rangeu, abrindo com um barulho estridente que ecoou pela sala. Meu corpo inteiro travou de medo. Me sentei no chão, abraçando minhas pernas, esperando o pior.

Mas, para minha surpresa, quem entrou foi uma mulher. Ela parecia exausta, quase como se a vida já tivesse lhe roubado qualquer traço de esperança. O coque desleixado em seu cabelo mal segurava os fios, e ela segurava uma peruca platinada em uma das mãos, como se fosse parte de uma armadura desgastada. Seus olhos, cercados por uma sombra azul mal aplicada, mostravam traços de um dia longo demais. O rímel e o delineador estavam borrados, como se lágrimas tivessem se misturado à maquiagem em algum momento. E os lábios, pintados de um vermelho intenso, pareciam fora de lugar no meio de tanto abandono.

Quando ela me viu encolhida ali, suas sobrancelhas escuras se arquearam.

— Não é de mim que você deve ter medo — disse ela, com a voz firme, mas sem qualquer ameaça.

Observei enquanto trocava as roupas minúsculas por um vestido curto de lantejoulas, sapatos de plataforma altíssimos e meias arrastão. A tristeza que se formou em seu sorriso me atingiu em cheio, um peso que eu também sentia no fundo do peito.

— Eu não tenho medo de você — respondi, a voz saindo trêmula. — Só que… Céus, esse lugar me dá medo.

Ela assentiu, como se entendesse perfeitamente.

— Me chamo Becky. E você?

— Mia — murmurei, sem muita força.

Becky franziu a testa e soltou uma risada curta, quase sem humor.

— Um bom nome, mas não para uma prostituta.

Encostei a cabeça na parede, tentando não desabar ali mesmo. O teto, sujo e cheio de teias de aranha, parecia tão sufocante quanto o peso da realidade que caía sobre mim. Eu queria chorar, mas as lágrimas já estavam presas há tanto tempo que não sabia se sairia algo além do desespero.

— Quer um conselho? — Becky falou, com a voz mais suave. — Quanto mais rápido você aceitar que está fodida, melhor.

Senti uma lágrima solitária escorrer pelo meu rosto.

Sei… mas como posso aceitar isso? Me vestir assim? Fazer… essas coisas com homens?

Becky suspirou e veio se sentar ao meu lado, a proximidade dela me trouxe um estranho conforto.

— Do mesmo jeito que nós todas aceitamos — respondeu ela, mais gentil dessa vez. — Eu morava no Brasil. Vim para os Estados Unidos com a promessa de uma vida melhor, eles me garantiram isso. Mas, antes que eu percebesse, me tiraram o passaporte, minha liberdade, tudo. Acabei aqui. Tive que aceitar, ou bom, você sabe.

Olhei para ela, tocada pela história. Dentro de mim, uma faísca de esperança ainda lutava para sobreviver, mas olhando ao redor, era óbvio que muitas das outras mulheres ali já haviam perdido isso há muito tempo. Elas foram arrancadas de suas vidas, seus países, suas famílias

— Sinto muito — murmurei, envergonhada por minhas próprias lamentações.

Becky balançou a mão, despreocupada, como se dissesse: Não se preocupe.

— Olha, aqui escolhemos outro nome porque precisamos ser outra pessoa nesse lugar. Aqui sou a Becky, uma mulher que faria o que fosse preciso para sobreviver e ver os pais novamente — ela disse, a sinceridade em sua voz ecoando nas paredes mofadas.

Assenti devagar, absorvendo suas palavras.

— Outra persona, certo?

Becky sorriu, mas havia uma tristeza nos olhos dela.

— Qualquer uma. Vá em frente, seja quem você quiser ser e sobreviva a esse inferno — disse ela, apertando minha mão gentilmente.

Sequei as bochechas, sentindo a determinação começando a tomar forma dentro de mim. Eu iria fazer aquilo. Daria o meu melhor para ajudar meu pai. E quando finalmente conseguisse sair daquele lugar, acabaria com Vittorio.

— Por onde começo? — perguntei, a ansiedade borbulhando dentro de mim.

— Aqui, sua vida depende das suas escolhas e de como você se apresenta ao mundo. Aprenda a usar isso a seu favor — Becky gesticulou para o lado de fora da porta. — Mas primeiro, você precisa de uma nova identidade. Venha.

Ela se virou e caminhou em direção a um pequeno cômodo nos fundos do quarto. Relutantemente, levantei-me e a segui. O cômodo estava repleto de roupas e acessórios, como uma vitrine de desejos proibidos e sedução.

— Escolha. Isso vai te ajudar a sobreviver — disse ela, com a voz carregada de pesar por mim.

Olhei para as peças expostas. Cada vestido, cada acessório parecia prometer uma nova vida. Mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim se revoltava. Não queria isso, não queria me tornar alguém que não era. Porém, no fundo, eu sabia que a realidade era cruel: eu não tinha escolha. Para salvar meu pai, para escapar desse pesadelo, eu precisava me adaptar, precisava lutar.

Com um suspiro profundo, avancei até o armário.

Era hora de me reinventar.

Enquanto as roupas se empilhavam em meus braços, uma determinação crescia dentro de mim. O medo poderia me paralisar, mas eu não deixaria isso acontecer. Eu encontraria uma maneira de retomar o controle. Antes que eu pudesse processar tudo, a porta se abriu com um estrondo, e um homem grandalhão entrou. Sua presença imponente fez meu coração disparar.

— O Diabo quer avaliá-la — ele disse, com um tom gelado que cortou o silêncio como uma faca.

Aquelas palavras ecoaram em minha mente, enquanto o medo se transformava em uma onda avassaladora.

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