O zunido dentro da cabeça de Jonas aumentava, agora pulsando como uma sirene abafada que vibrava em seus ossos. Ele se levantou da cama com dificuldade, sentindo as pernas fracas, como se o quarto estivesse sendo drenado de energia.Foi quando ouviu um som vindo da sala.Algo se arrastando.Ele congelou. A respiração ficou presa no peito. O som era ritmado, úmido — como carne raspando no carpete. Lento. Determinado.Jonas apagou a lanterna do celular e encostou-se à parede do corredor, de volta à penumbra. Cada segundo parecia se esticar como elástico prestes a romper. O arrastar parou por um momento… e então recomeçou, mais próximo.Ele sabia o que era.Tereza.Ou o que quer que tivesse se tornado.A dúvida bateu. Será que ela estava de pé de novo? Como? Ele havia acertado ela com força… Ou talvez não fosse mais ela quem andava com aquele corpo.Jonas fechou a caixa de madeira e enfiou a carta mais recente no bolso da calça. Agarrou o facão preso à cintura. Estava úmido — ele não sab
Jonas fechou a porta do 502 devagar, trancando-a com a chave de Tereza. O corredor estava do mesmo jeito — sombrio, silencioso, com a luz da vela ainda oscilando no chão, onde ele a deixara presa entre uma garrafa quebrada e uma fita adesiva improvisada.O cheiro de mofo e ferrugem parecia mais denso agora. O elevador permanecia imóvel, com o visor apagado. Ele olhou para a carta outra vez em seu bolso. “Nunca confie na luz do elevador.”Subir. Precisava subir.Se havia algo acontecendo naquele prédio — e estava cada vez mais claro que havia —, as respostas não estavam apenas na memória esquecida de Tereza. Talvez outro morador soubesse de algo. Ou talvez…Ele empunhou o cano com firmeza e começou a subir os degraus, passando pelos degraus que rangiam sob seus pés. A luz de emergência no teto piscava a cada três segundos, mergulhando tudo em um ritmo quase hipnótico de sombra e luz.Chegou ao andar de cima — o 6º — e parou.O corredor estava ainda mais escuro. A maioria das portas fec
Jonas deu um passo para trás, o coração acelerado.A maçaneta parecia ter se movido... mas agora, parada, imóvel, não mostrava sinal algum de que havia sido tocada.Ele ficou ali por alguns segundos, encarando a porta com os punhos cerrados, o cano levantado. O som da própria respiração era tudo que conseguia ouvir. Nenhuma outra batida. Nenhum rangido.“Impressão sua. Só isso. Você tá cansado. Tá... ficando paranoico.”Tentando recuperar o controle, virou-se de novo para a sala. Precisava encontrar algo útil, e rápido. Não podia continuar contando com a sorte — ou com a luz fraca que escorria pelas frestas das janelas.Começou a vasculhar o apartamento com cuidado. As sombras dançavam nas paredes, compridas e distorcidas. Abriu gavetas, empurrou armários.Na cozinha, depois de alguns minutos, encontrou uma caixa plástica de ferramentas. Revirou o conteúdo — chaves de fenda, pilhas velhas, uma fita isolante ressecada — e enfim, no fundo, algo que o fez suspirar aliviado:Uma lanterna.
Jonas apertava a sacola de plástico com força demais. O barulho irritante do plástico estalava em suas mãos, mas ele não parava. Era como se aquele som fosse a única coisa mantendo o mundo estável, uma espécie de trilho invisível que o guiava de volta pra casa. Mãe precisa do remédio às cinco. Sempre às cinco. Foi o que o médico disse. Cinco. Nunca quatro e cinquenta e nove. Nunca cinco e cinco. Cinco. A rua estava estranhamente silenciosa. O mundo parecia abafado, como se alguém tivesse jogado um cobertor pesado sobre tudo. O sol, que pouco antes refletia nas janelas dos prédios, agora estava escondido atrás de uma camada espessa de... fumaça? Não. Era algo mais denso. Mais frio. Neblina. Mas não faz frio hoje... Não deveria haver neblina. Isso é coisa da minha cabeça? Não é? Eu sempre confundo essas coisas. Já disseram isso pra mim. Às vezes é real. Às vezes não. Como saber? Como saber agora? Ele parou na esquina. Daquele ponto podia ver o prédio onde morava — ou o que restava
O saguão parecia mais vazio do que o normal, apesar da luz oscilante refletida no piso frio. Jonas ainda ouvia o som abafado da rua atrás de si, mas era como se, ao cruzar o portão, tivesse entrado em outro lugar. Um lugar onde o tempo era mais lento, ou mais espesso.No fundo do saguão, atrás da mureta de vidro, o porteiro estava sentado.Jonas quase não o reconheceu.Seu nome era Valdir. Um senhor calvo, de voz grave e riso fácil, sempre com um copo de café na mão. Mas agora, sentado imóvel na cadeira giratória, Valdir parecia... paralisado. Os olhos abertos demais. A boca entreaberta como se quisesse falar algo, mas tivesse esquecido o quê.Jonas se aproximou devagar.— Seu Valdir...?O porteiro virou a cabeça num movimento seco, abrupto. O pescoço estalou alto demais. Ele demorou a focar os olhos, como se estivesse emergindo de um sono profundo.— Ah... Jonas. — A voz saiu arrastada, pastosa. — Foi... lá fora?— Fui pegar o remédio da minha mãe. A farmácia. Tá... diferente aqui. O
Um pouco antes, estava perdido sobre aquilo Ao pisar no terceiro andar, Jonas parou.O corredor diante dele estava silencioso, mas não era o silêncio de sempre. Não era o silêncio normal de um prédio no fim da tarde, quando moradores estão nos quartos e o som da cidade se filtra pelas janelas.Era outro tipo de silêncio. Um que parecia respirar.Ele se encostou levemente na parede, tentando puxar o ar devagar. A sacola pendia da mão como um peso morto. Olhou para ela de novo. O remédio ainda estava lá, envolto no papel da farmácia, com o nome da mãe escrito à caneta no canto da caixa. Letra apressada. Nome meio errado.Dona Estela. Minha mãe. Sempre tão certa das coisas. Sempre no controle.Lembrou-se do jeito como ela o olhava quando estava lúcida — com aquele olhar direto, que enxergava através das desculpas dele. E lembrou-se também de quando ela não estava bem, quando ficava sentada por horas, murmurando palavras sem sentido, segurando um terço invisível nas mãos.Ela dizia que a
O som da porta batendo ecoou pelo apartamento como um trovão abafado. Jonas ficou alguns segundos encostado nela, o peito subindo e descendo, a testa úmida de suor frio.O silêncio ali dentro era diferente do corredor. Não era pesado, nem cheio de intenções ocultas — mas também não era confortável. Era o tipo de silêncio que carrega ausência. O tipo de silêncio que só existe em lugares onde alguém que devia estar ali… não está.Ele se levantou devagar e deu alguns passos pelo piso frio da sala.Tudo estava no escuro.A luz da janela mal atravessava a neblina lá fora, então os contornos dos móveis eram apenas sombras grossas contra um fundo cinzento. A televisão desligada refletia seu vulto de forma distorcida. O sofá parecia mais velho, mais gasto do que lembrava — como se tivesse absorvido o peso dos dias ruins.Não acender a luz. Se eu acender a luz, as coisas se tornam reais. Melhor deixar assim. Melhor não ver direito o que pode ter mudado.Jonas passou pela mesa da sala, tirou os
Jonas se afastou da porta do quarto aos poucos, como se temesse que o simples ato de virar as costas fizesse ela se abrir de novo.A cabeça estava cheia de ruído. Os pensamentos atropelavam uns aos outros, tentando formar alguma explicação coerente — mas nada encaixava.Mãe não tá bem. Não é gripe. Não é esquecimento. Não é uma crise. Aquilo... aquilo não era ela. Não daquele jeito. Parecia… vazia. O corpo tava ali, mas ela não.Aos poucos, ele foi até a janela da sala. A neblina ainda estava lá fora, espessa e leitosa, como se tivesse apagado a rua do mundo. Mal dava para ver os postes. Nenhum carro passava. Nenhum som da cidade.Ele olhou para a entrada do corredor, hesitou, e então foi até a porta.Abriu uma fresta, só o suficiente para espiar.O corredor parecia mais escuro do que antes — como se a luz estivesse sendo sugada, centímetro por centímetro. Ele foi até o fim, perto do Hall do elevador. O visor digital do painel estava apagado. Nem número, nem luz. Nada.Mas então ouviu