Capítulo 3 - Neblina

Um pouco antes, estava perdido sobre aquilo

Ao pisar no terceiro andar, Jonas parou.

O corredor diante dele estava silencioso, mas não era o silêncio de sempre. Não era o silêncio normal de um prédio no fim da tarde, quando moradores estão nos quartos e o som da cidade se filtra pelas janelas.

Era outro tipo de silêncio. Um que parecia respirar.

Ele se encostou levemente na parede, tentando puxar o ar devagar. A sacola pendia da mão como um peso morto. Olhou para ela de novo. O remédio ainda estava lá, envolto no papel da farmácia, com o nome da mãe escrito à caneta no canto da caixa. Letra apressada. Nome meio errado.

Dona Estela. Minha mãe. Sempre tão certa das coisas. Sempre no controle.

Lembrou-se do jeito como ela o olhava quando estava lúcida — com aquele olhar direto, que enxergava através das desculpas dele. E lembrou-se também de quando ela não estava bem, quando ficava sentada por horas, murmurando palavras sem sentido, segurando um terço invisível nas mãos.

Ela dizia que algo vinha à noite. Sempre falava isso. “Tem coisa aqui que não é daqui, Jonas. Tem coisa que entra quando ninguém tá olhando.” Eu achava que era a doença falando. Mas e se...

Ele fechou os olhos por um segundo, tentando reorganizar os pensamentos.

A volta da farmácia também havia sido estranha. Ele conhecia aquele caminho desde criança. Três quadras. Um cruzamento. A banca de jornal com o rádio sempre ligado. Mas hoje… parecia mais longo. Como se os prédios tivessem se esticado. Como se as pessoas estivessem se movendo em outra frequência. E aquela neblina…

De onde veio aquilo? Nunca teve neblina aqui. Nem em dia frio. Nem à noite. Hoje tava sol. Hoje... não deveria estar assim.

Jonas abriu os olhos e deu mais alguns passos. O corredor parecia o mesmo de sempre, mas cada detalhe parecia fora de lugar. A pintura nas paredes estava mais descascada do que ele lembrava. Um número de apartamento estava meio torto. E lá no fim…

Aquela luz tremeluzente.

Uma vela.

E perto dela… algo maior. Algo com formato. Algo que não deveria estar ali.

Não é possível. Isso não tava aqui antes. Isso nunca esteve aqui.

O coração começou a acelerar de novo, como se respondesse antes da mente.

Mas por que parece que eu tô voltando pra algum lugar… e não indo?

Ele respirou fundo. Os dedos trêmulos ao redor da sacola. O corredor se estreitava na escuridão à frente.

E o altar esperava.

Jonas deu mais alguns passos, vacilantes, como se o chão pudesse ceder a qualquer momento.

A vela no chão tremia levemente, sua chama oscilando como se respirasse. E à luz dela, o altar se revelava aos poucos — uma silhueta escura, sólida, como uma cicatriz aberta no corredor.

Era alto, improvisado com madeira escura, veludo gasto e pedaços de coisas que ele não conseguia identificar à distância. Sobre ele, objetos estavam dispostos com uma precisão quase obsessiva: castiçais tortos, velas pretas, fotos antigas parcialmente queimadas, um crucifixo quebrado, e algo que parecia ser um pedaço de espelho — manchado de sangue seco ou tinta escura demais para ser distinguida.

No centro, uma espécie de caderno aberto. As páginas tremiam como se alguém tivesse acabado de soltá-lo. Mas não havia ninguém ali. Nenhuma alma viva.

Ou melhor — nenhuma que ele pudesse ver.

Jonas travou.

O peito apertou de um jeito que doía. A sacola de plástico escorregou da mão e caiu no chão com um estalo seco, mas ele nem se deu conta.

Isso não é pra mim. Isso não devia estar aqui. Isso não tava aqui quando eu saí.

Um arrepio gelado correu pela espinha.

O altar parecia... pulsar.

Não com luz, mas com intenção. Como se soubesse que ele estava ali. Como se tivesse sido colocado para ele.

Por um segundo, seus pés não obedeceram. Ele ficou parado, olhando aquilo — e jurou que a vela tremulou mais forte. Que as sombras se curvaram em sua direção. Que alguma coisa, dentro do altar, o encarava de volta.

— Não — murmurou, a voz baixa, engasgada.

Então virou-se e correu.

As solas do tênis arranharam o chão do corredor. O coração martelava nas costelas. O prédio parecia mais escuro de repente, mais fundo. Como se ele estivesse correndo por dentro de um pesadelo familiar.

A chave já estava na mão antes que percebesse.

A porta do apartamento 308 se aproximou como um porto seguro — ou uma cela prestes a se fechar.

Ele girou a chave com mãos trêmulas, abriu a porta e entrou, batendo-a atrás de si com força.

Silêncio.

Nada seguiu ele.

Ou pelo menos era o que ele queria acreditar.

Jonas deslizou até o chão, respirando fundo, tentando se convencer de que tudo ainda fazia sentido.

Mas a imagem do altar continuava queimando por trás dos olhos.

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