Capítulo 5 - Neblina

Jonas se afastou da porta do quarto aos poucos, como se temesse que o simples ato de virar as costas fizesse ela se abrir de novo.

A cabeça estava cheia de ruído. Os pensamentos atropelavam uns aos outros, tentando formar alguma explicação coerente — mas nada encaixava.

Mãe não tá bem. Não é gripe. Não é esquecimento. Não é uma crise. Aquilo... aquilo não era ela. Não daquele jeito. Parecia… vazia. O corpo tava ali, mas ela não.

Aos poucos, ele foi até a janela da sala. A neblina ainda estava lá fora, espessa e leitosa, como se tivesse apagado a rua do mundo. Mal dava para ver os postes. Nenhum carro passava. Nenhum som da cidade.

Ele olhou para a entrada do corredor, hesitou, e então foi até a porta.

Abriu uma fresta, só o suficiente para espiar.

O corredor parecia mais escuro do que antes — como se a luz estivesse sendo sugada, centímetro por centímetro. Ele foi até o fim, perto do Hall do elevador. O visor digital do painel estava apagado. Nem número, nem luz. Nada.

Mas então ouviu um som.

Baixo.

Arrastado.

Como um sapato riscando piso frio.

Ele se escondeu parcialmente atrás da parede e espiou.

Lá estava ela.

Dona Cida, do 305. Sempre simpática, sempre falando alto demais. Sempre carregando sacolas de feira como se a cidade inteira dependesse dela para almoçar.

Mas agora… ela estava parada no Hall.

O corpo rígido. A cabeça tombada um pouco para o lado. Os braços caídos. A pele, pálida e úmida como carne esquecida fora da geladeira. O vestido florido que ela sempre usava estava manchado. Os pés descalços. Um dedo do pé sangrava — mas ela não parecia notar.

Os olhos… abertos. Vazios. Encaravam o vazio como se vissem algo que ninguém mais poderia ver.

E então ela começou a andar.

Devagar.

Na direção do elevador que não funcionava.

Os pés arrastavam no chão, e a boca dela se movia como se murmurasse algo, mas nenhum som saía.

Jonas recuou, colado à parede, o coração socando o peito com força.

Isso tá se espalhando. Isso não é só com a minha mãe.

Ele olhou ao redor, como se esperasse que tudo voltasse ao normal de repente. Como se alguém surgisse e dissesse que era uma pegadinha, ou uma crise, ou um surto qualquer.

Mas o prédio estava calado.

O mundo lá fora, engolido pela névoa.

E agora ele sabia: ele não estava sozinho ali.

Mas isso não significava que havia alguém com ele.

Jonas voltou em disparada para dentro do apartamento. Trancou a porta com as duas voltas da chave, e depois passou a tranca de segurança. O som metálico ecoou pelo silêncio da sala como um sussurro nervoso.

Suava frio.

Se apoiou na parede por um instante, tentando controlar a respiração, mas o coração parecia ter vontade própria. Seu corpo gritava: sai daqui, agora. Corre. Foge.

Ele correu até o quarto e puxou as gavetas da cômoda, procurando algo — qualquer coisa — que pudesse usar para se defender. Uma chave de fenda. Um abajur quebrado. Um velho martelo de pendurar quadros. Nada parecia suficiente.

O quarto estava frio, abafado. O ar parecia estagnado, como se o tempo ali dentro também tivesse parado.

Mas antes que ele tomasse qualquer decisão lógica, um som seco do lado de fora — algo arranhando a madeira da porta, ou batendo levemente nela — fez seu corpo se mover sem pensar.

Ele saiu correndo do quarto, atravessou a sala como um raio e foi direto para a cozinha. Abriu a porta que dava acesso ao corredor lateral e, dali, à escada de incêndio.

O ar era mais úmido ali. Cheirava a mofo, poeira antiga e ferrugem.

A luz da escada piscava. Estava mais escuro do que deveria.

Jonas subiu os primeiros degraus com pressa, agarrando o corrimão com força. Cada passo era mais difícil que o anterior — não pelo cansaço, mas pela sensação de estar sendo seguido, mesmo que nenhum som viesse atrás dele.

Enfrentar aquilo? Nem pensar. Aquilo não era coisa pra enfrentar. Aquilo era pra fugir. Pra se esconder. Pra esperar passar — se passar.

Os andares iam ficando para trás. 4º. 5º. 6º.

Seu prédio só tinha oito andares. O terraço sempre estivera trancado, mas ele conhecia o truque do zelador. Um pino solto, uma pressão na dobradiça lateral. Tinha visto uma vez, por acidente. Agora, rezava pra lembrar como fazer.

Ao chegar no último lance, ele quase tropeçou. As pernas tremiam. A camiseta colada no corpo de suor.

O portão de ferro do terraço estava ali. Enferrujado, torto, quase invisível na penumbra.

Jonas esticou a mão, tateou a lateral, encontrou a folga da trava.

— Vai… vai… — sussurrou.

Um estalo. A tranca cedeu.

Ele empurrou o portão com força e saiu.

O ar lá fora era diferente. Mais gelado. Mais denso.

A neblina cobria tudo — mas acima, o céu não era exatamente céu. Era... um véu escuro, imóvel, como se o tempo também tivesse se rendido ao silêncio do prédio.

Ele fechou o portão atrás de si e encostou-se a uma das caixas d’água. Estava ofegante. Sozinho.

Mas, por um instante, aliviado.

Ou quase.

Porque o prédio inteiro parecia vivo agora.

E ele sabia: se havia corrido para o alto... talvez não tivesse mais pra onde ir.

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