Capítulo 4 - Neblina

O som da porta batendo ecoou pelo apartamento como um trovão abafado. Jonas ficou alguns segundos encostado nela, o peito subindo e descendo, a testa úmida de suor frio.

O silêncio ali dentro era diferente do corredor. Não era pesado, nem cheio de intenções ocultas — mas também não era confortável. Era o tipo de silêncio que carrega ausência. O tipo de silêncio que só existe em lugares onde alguém que devia estar ali… não está.

Ele se levantou devagar e deu alguns passos pelo piso frio da sala.

Tudo estava no escuro.

A luz da janela mal atravessava a neblina lá fora, então os contornos dos móveis eram apenas sombras grossas contra um fundo cinzento. A televisão desligada refletia seu vulto de forma distorcida. O sofá parecia mais velho, mais gasto do que lembrava — como se tivesse absorvido o peso dos dias ruins.

Não acender a luz. Se eu acender a luz, as coisas se tornam reais. Melhor deixar assim. Melhor não ver direito o que pode ter mudado.

Jonas passou pela mesa da sala, tirou os remédios da sacola com mãos ainda trêmulas e os deixou ali, sem muito cuidado. A caixa escorregou e caiu de lado, com a etiqueta virada para ele: Estela Lima – 25mg – uso controlado.

Controlado. Como se algo estivesse sob controle. Como se algum de nós tivesse algum controle de alguma coisa.

O relógio de parede marcava um horário estranho. Ele não sabia se já tinha passado tanto tempo assim desde que saiu. Talvez o ponteiro estivesse errado. Ou talvez o tempo ali dentro estivesse diferente mesmo. Mais lento. Mais gasto.

Ele encarou o corredor que levava ao quarto da mãe.

Nada se movia.

Nenhum som de televisão. Nenhum suspiro. Nenhum chamado.

Ela deve estar dormindo. Ou...

Jonas balançou a cabeça. Não queria completar aquele pensamento.

Sentou-se à beira do sofá, ainda sem acender a luz. Passou as mãos pelo rosto e depois olhou para a própria pele, estranhando a palidez, os pelos arrepiados.

Lá fora, a neblina ainda encobria o mundo.

Aqui dentro, ele não sabia se estava a salvo — ou apenas mais perto do que queriam mostrar pra ele.

Jonas permaneceu sentado por um tempo, olhando para o corredor escuro que levava ao quarto da mãe. O som do próprio coração parecia mais alto ali, como se o apartamento todo tivesse ficado menor.

Preciso ver se ela tá bem. Só isso. Levar os remédios. Ouvir ela reclamar. Dizer que demorou. Dizer que os vizinhos fazem barulho. Que a água tá gelada. Normal. Só preciso de normal.

Levantou-se devagar e pegou a caixa de remédios da mesa, segurando-a como se fosse um talismã. Cada passo até o corredor parecia mais longo do que o anterior. A madeira rangia debaixo dos pés. A maçaneta do quarto estava fria demais, como se o quarto estivesse mais gelado que o resto da casa.

Empurrou a porta devagar.

— Mãe...?

O quarto estava escuro, mas ele conseguia ver a silhueta dela sentada na cama. A cabeça baixa, os braços sobre os joelhos. Estática. Silenciosa.

— Eu trouxe os remédios. Você tá...

Ela se moveu.

Mas não como alguém que acorda devagar. Não como alguém sonolento ou fraco.

Foi um movimento seco. Rígido. Como se algo dentro dela a puxasse para cima.

A cabeça dela se ergueu devagar, com um estalo leve na nuca. Os olhos estavam abertos, mas não havia expressão. Não havia reconhecimento. Apenas um olhar vazio, fixo em algum ponto do lado dele — ou além dele.

— Mãe...? — ele sussurrou.

Ela se levantou por inteiro. O corpo tremia de leve, como se os músculos estivessem mal encaixados nos ossos. Os pés arrastavam no chão, sem firmeza, e os braços pendiam frouxos.

A luz da rua atravessou a janela num corte fino, e ele viu o rosto dela.

Pálido. Demais. A boca semiaberta. A pele... estranha. Quase acinzentada.

— Mãe, sou eu... sou o Jonas...

Ela deu um passo.

Depois outro.

E então começou a andar em direção a ele, sem pressa, mas sem parar.

Jonas recuou um passo.

Depois dois.

O medo não veio em explosão — veio como uma maré fria, subindo pelas pernas até o peito.

— Para... — ele disse, mais pra si mesmo que pra ela. — Para... para, mãe...

Ela não parou.

E então ele virou-se e correu.

O corredor pareceu se estreitar enquanto ele corria de volta. As paredes se aproximavam. O ar estava pesado, denso. Ele entrou na sala num salto, girou o corpo e empurrou a porta do quarto com força.

BAM!

Trancou.

O silêncio do lado de fora era imediato, absoluto.

Do outro lado da porta, nada se movia.

Jonas encostou a testa contra a madeira. As mãos ainda tremiam. O medo ainda estava ali. Mas mais que isso… a dúvida.

Era ela? Ou era outra coisa?

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