Capítulo 2 - Neblina

O saguão parecia mais vazio do que o normal, apesar da luz oscilante refletida no piso frio. Jonas ainda ouvia o som abafado da rua atrás de si, mas era como se, ao cruzar o portão, tivesse entrado em outro lugar. Um lugar onde o tempo era mais lento, ou mais espesso.

No fundo do saguão, atrás da mureta de vidro, o porteiro estava sentado.

Jonas quase não o reconheceu.

Seu nome era Valdir. Um senhor calvo, de voz grave e riso fácil, sempre com um copo de café na mão. Mas agora, sentado imóvel na cadeira giratória, Valdir parecia... paralisado. Os olhos abertos demais. A boca entreaberta como se quisesse falar algo, mas tivesse esquecido o quê.

Jonas se aproximou devagar.

— Seu Valdir...?

O porteiro virou a cabeça num movimento seco, abrupto. O pescoço estalou alto demais. Ele demorou a focar os olhos, como se estivesse emergindo de um sono profundo.

— Ah... Jonas. — A voz saiu arrastada, pastosa. — Foi... lá fora?

— Fui pegar o remédio da minha mãe. A farmácia. Tá... diferente aqui. O prédio. Tá tudo meio... estranho.

Valdir piscou devagar. Um sorriso surgiu no canto da boca, mas não subiu até os olhos.

— Estranho, é... É sempre estranho antes de ficar claro. Né?

Jonas franziu a testa.

— Claro o quê?

Valdir não respondeu. Apenas continuou olhando, os olhos agora fixos em algum ponto no ombro de Jonas — ou atrás dele. O sorriso não se mexia.

— O senhor tá bem? — Jonas perguntou, tentando disfarçar o arrepio que subia pela nuca.

O porteiro assentiu lentamente, como se o gesto estivesse preso por dentro.

— Tô ótimo, rapaz. Tá tudo se ajeitando. Tudo como deve ser.

Jonas deu um passo para trás. O cheiro no saguão estava mais forte agora. Um misto de mofo antigo com vela queimada.

— Tá... bom então. Vou subir.

Valdir assentiu outra vez. Ainda olhando fixamente. Ainda sorrindo.

— Vai, sim. Tá tudo pronto lá em cima.

Jonas travou por um instante.

— O quê?

Mas Valdir já havia virado o rosto de volta para a parede de monitores — todos desligados.

O som da sacola plástica estalou de novo. Alto. Fora de lugar.

Jonas se afastou com passos curtos. Sentia os olhos do porteiro ainda sobre ele, mesmo quando virou o corredor em direção à escada. O coração batia descompassado.

“Tá tudo pronto lá em cima.”

Ele não sabia o que aquilo queria dizer.

Mas a frase não saía da cabeça.

As escadas pareciam mais compridas do que Jonas se lembrava. Cada degrau rangia levemente sob seus pés, como se tivesse sido pisado milhares de vezes — ou como se estivesse pedindo para não ser pisado de novo. O corrimão, frio e pegajoso, parecia grudado à palma da mão, como carne viva sob o metal. O cheiro era denso. Não só mofo. Havia algo além: uma mistura abafada de cera, pano molhado e... terra?

A sacola plástica batia contra a coxa a cada passo. Estalava como uma pequena risada aguda.

“Tá tudo pronto lá em cima.”

Jonas engoliu em seco. As palavras de Valdir giravam na cabeça dele como uma chave tentando encaixar numa fechadura errada. O porteiro estava estranho — não apenas cansado, não apenas doente. Era como se ele tivesse sido deixado ali por alguém que tentava imitar o Valdir, mas não soubesse como uma pessoa realmente se comporta. O olhar vazio, o sorriso incompleto... e aquele jeito de falar.

Ele não fala assim. Nunca falou. Ele conta piadas ruins. Reclama da novela. Ele nunca ficaria olhando pra parede com todos os monitores desligados.

O primeiro lance de escadas parecia mergulhado em uma sombra estática, como se a luz ali não conseguisse avançar. Jonas passou a mão pela parede. Era áspera e úmida em alguns pontos, como se o concreto estivesse suando. Ele olhou para trás — o saguão já estava fora de vista. Nenhum som vinha de lá.

Talvez eu esteja exagerando. Talvez ele só esteja doente. Ou bêbado. Mas… ele sabia. Ele disse como se soubesse. “Tá tudo pronto.” Como se me esperassem.

O segundo andar passou silencioso. Nenhuma porta entreaberta, nenhuma luz por baixo. Apenas silêncio. Um tipo de silêncio que não vem da paz, mas da ausência. Um silêncio que engole os passos e comprime os pensamentos.

Ele apertou a sacola com mais força. Os dedos doíam.

Preciso subir. Entregar o remédio. Depois dormir. Depois tudo volta ao normal. Sempre volta. Eu só tô cansado. Só isso.

Mas lá no fundo, algo dentro dele sabia: não ia voltar ao normal.

O prédio estava mudando. E talvez ele também.

Quando finalmente alcançou o terceiro andar, algo brilhou fraco no chão do corredor.

Uma vela.

Sozinha. Acendendo sombras nas paredes.

E ao fundo... o altar.

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