— De jeito nenhum! – Ryan nega balançando a cabeça e a puxa pelo pulso para longe do enfeite.
— Por favor, Ryan! Tem um ursinho! A mamãe adora ursinhos! – Ela implora e ele persiste na decisão lançando a ela um olhar amedrontador para uma criança tão pequena e inocente.
— Não, Chloe. Você adora ursinhos.
As lagrimas brotam nos cílios loiros dela e tenho vontade de abraça-la e confortá-la, de dizer que o irmão dela é um babaca de merda que não sabe como cuidar de uma criança. Porém, por outro lado, ele não tem o dever de saber como cuidar de uma criança se ele não é o pai dela. E, por um terceiro lado, talvez, ele seja obrigado a tomar conta da irmã, porque os próprios pais lavaram as mãos. Fico imaginando cenários para a vida deles e nenhum deles é bom. Ryan percebe que estou presa em pensamentos enquanto os encaro e engole em seco coçando a garganta em voz alta.
— Quanto custa? – Pergunta desviando os olhos para qualquer lugar exceto os meus
Deslumbrante. Fico deslumbrante dentro do vestido de franjas finas e douradas, esvoaçantes até metade das minhas coxas. É quase obsceno e curto demais se o tema da festa não fosse os sete pecados capitais escondidos por trás das máscaras. Uma simulação da realidade na Terra, sinceramente. Afinal, todos temos dentro de nós, ao menos um desses pecados, se não mais de um. Sendo franca com meu reflexo no espelho, a luxúria me cai bem. Ajeito as alças finas acima das clavículas graciosamente ressaltadas e iluminadas com o brilho suave de um pó luminoso que passei nos ombros e colo. Meus olhos estão opacos em sombra dourada suave, enquanto o batom marrom queimado chama toda a atenção para meus lábios cheios e contornados. O rosado demarca as bochechas coradas e os cílios alongados as sombreiam, junto a algumas mechas do cabelo, que caem em ondas naturais nas têmporas e nas laterais para esconder as pontas das orelhas. O restante delas estão presas no topo
Mesmo com os pés reclamando dentro do salto alto, começo a caminhas sobre as estrelas que ainda permanecem no céu, em direção à praça Jackson, na esperança de ter algum táxi passando por lá a essa hora. São seis quadras, virando a segunda à direita e depois reto até o fim. A cidade dorme e as ruas estão solitárias, apenas um ou dois carros nos semáforos. Um terceiro parece diminuir a velocidade ao se aproximar e acompanhar meus passos. O vidro do Sedan preto se abaixa revelando a inveja. Ele sorri abaixando a visão para conseguir me ver. — Quer carona? – Pergunta e sigo andando. Sorrio negando com a cabeça, surpresa pela abordagem, mas não tanto assim. — Sabe, é perigoso para uma dama indefesa andar sozinha por essas bandas a essa hora. — Quem te disse que sou uma dama indefesa? – Retruco olhando para o horizonte, para o meu destino final e para a lua que paira nas nuvens entre a arquitetura velha e francesa dos cortiços. — O carro não é bom o bastan
Domingo são dias esquisitamente lentos para mim. Talvez, por que não trabalhe ou sequer saia de casa para alguma coisa. Na verdade, sequer saio da cama para qualquer coisa, apenas para comer e ir ao banheiro quando meu estômago ameaça me trucidar de fome ou minha bexiga ameaça estourar. Essa manhã não foi diferente. Acordo com Pandora enroscada no espaço entre a cintura e o braço, um ninho perfeito nos lençóis cheirando a amaciante. Ela ainda dorme e ronca baixinho pelo focinho quadrado, uma bolinha de água se forma em um dos orifícios e sorrio com o feito. São 12:30 segundo os ponteiros do relógio na cabeceira. Praguejo levando um dos travesseiros ao rosto e afundo nas plumas macias em um suspiro. Lembranças da noite barra madrugada retornam à mente e repasso o que restou – as partes que o álcool permitiu que ficassem – as têmporas latejam. Lembro-me de dançar até quase cair, de flertar com o barmen de pele bronzeada e olhos amendoados. Ta
— Confesso que achei... Curiosa sua escolha de lugar quando vi a mensagem. – Paro na plataforma, um pequeno espaço quadrado na troca de lances da escada, mas só porque ele para também, o que me força a estacar ali. Noah me encara com diversão no olhar e o sol se esconde detrás das nuvens, levando a luz que ilumina o verde das irizeis e o calor que aquece nossa pele. Dou de ombros. — O que? — Curiosa é sinônimo de esquisita — Não é não. – Retruco. — Nesse caso é. Ele volta a subir os degraus para o segundo andar do prédio e abre uma das janelas como se soubesse que está aberta. Sigo seu olhar, uma ordem para que eu passe pela abertura e franzo a testa ao hesitar. — Pedir que eu use a janela, ao invés da porta – Troco o peso de uma perna para a outra cruzando os braços. — Isso, é esquisito. — Tenho cara de psicopata? — Psicopatas não tem cara de psicopatas e eu mal conheço você. – Argumento. Analiso o ro
Desço os lances de escada, atravesso a rua para o carro e realmente faço compras de halloween. Compro abóboras para entalhar, chocolates, balas, caramelos e pirulitos, guirlandas de folhas de outono para as portas e luzes pisca-pisca em roxo e laranja com mini morcegos pendurados para os arbustos na entrada da casa. Paro para comer um pretzel no meio da tarde junto a um chocolate quente. Também compro outros mantimentos no mercado para repor nos armários da dispensa e são quase oito da noite quando desligo o motor no meu gramado. Pandora pula em mim ao abrir a porta e quase que as sacolas vão ao chão. Recobro o equilíbrio e despejo tudo no balcão ilha da cozinha. Agacho-me e pego a raposa no colo, acariciando entre as orelhas. — Está acordada, pequena? – Ela pisca e vejo o potinho de comida vazio. — Está com fome, certo? Com Pandora ainda nos braços, sirvo frutas vermelhas com certa dificuldade em fazer com que elas caiam dentro do porte e então, a d
Assim que ficamos seguros dentro da casa, ajudo o feérico a se apoiar no balcão ilha e corro para o escritório de Victor. Depois que ele morreu, suas coisas continuaram intactas, pois, não consigo arrumar uma razão para mexer em suas gavetas cheias de históricos de pacientes antigos, ou, nas cristaleiras com seus instrumentos e remédios. Para que me livrar se algum dia essas coisas serão úteis? São úteis agora. Penso evitando respirar muito profundamente e inalar o forte cheiro de sangue grudado em minha camiseta pijama. Tal pensamento me leva a concluir que eu estou um tanto indecente para receber visitas, ainda mais inesperadas. Ignoro minha consciência e vergonha, já que se fosse eu quem estivesse sangrando, com certeza, deixaria passar batido o fato de ter pernas demais a mostra. Pego gaze e alguns objetos de uma sutura que Victor me ensinou a usar em uma chuvosa tarde de sábado quando abri um corte na cabeça ao bater em uma das pedras no lago. Na teoria
A irmã traidora de Duvessa. Engulo o bolo na garganta ao saber como sou conhecida agora e que todos sabem sobre mim, sabem que sobrevivi a queda do penhasco e sabem que estou viva no mundo mortal. Prefiro nem saber o que mais sabem sobre mim em Illinea. — Como descobriram que sobrevivi? – Tento controlar a tremedeira que retorna aos dedos e aumentam a pressão com que espalho a pasta na pele inflamada. — Por que estão me procurando? — Digamos que o reino sofreu mudanças drásticas. – Terence suspira e saio detrás dele, abandonando o recipiente no balcão. Agarro uma das faixas de ataduras e a desenrolo pela metade, já a enrolando no corpo dele, sobre o machucado. — Sua irmã se revelou uma traidora. Pisco perplexa com a revelação e arqueio as sobrancelhas. Encaro as irizes douradas congelando a última volta da bandagem ao redor das costelas. Percebo que ele se esquiva da pergunta, mas minha curiosidade é maior ainda em relação a Duvessa. — O que
O peso das revelações me puxa para baixo como uma âncora amarrada em meu pescoço. Não consigo acreditar que minha irmã está causando todas essas mortes por uma causa egoísta e extremamente perigosa. Acordar Runa e libertá-la trará mais do que o caos em si, trará o fim das fadas, do reino e do mundo mortal. A rainha maligna que foi trancafiada a sete chaves por conta do ódio e do desejo e atração pela magia das trevas. Quatro chaves. As mesmas que Duvessa quer. Quando somos pequenos feéricos recém vindos ao mundo, nos é contado uma história que passa longe de ser um belo e feliz conto de fadas. A história de como Runa, a primeira rainha das fadas, encontrou a predicação em sua própria ambição e obsessão pelo pleno poder. Ela queria tudo e sacrificaria o que fosse para isso. E sacrificou. Criou a arte mais profana e perversa de todos os tempos, fez nascer o que conhecemos como magia negra e usou contra todos aqueles que não concordavam ou aderiram a tal prática. Os sé